Por ELIO GASPARI 24/08/2008 às 11:41
Em seus 184 anos de vida a corte já teve horas difíceis, mas nunca teve que entrar em bolas divididas com delegados...
O DIRETOR da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, diz que a decisão do Supremo Tribunal Federal definindo as situações em que cidadãos podem ser algemados "não tem precedente".
Tem, a menos que o doutor esteja a insinuar que o STF proibiu o uso das algemas. O que a corte fez foi estabelecer condições, tais como a periculosidade da situação e o risco de fuga de uma pessoa detida. Fora isso, pode algemar quem quiser desde que seja "justificada a excepcionalidade por escrito".
O Supremo apenas determinou que o policial justifique o fato de ter algemado um cidadão. Se não o fizer, poderá ser responsabilizado administrativamente. É pedir muito? Quem não deve não teme, assim como quem não está encenando diligências espetaculosas, nada tem a reclamar.
Quanto ao "precedente", há um. Em 2005, a Corte Suprema dos Estados Unidos julgou o caso de Iris Mena, uma jovem que acusava a polícia de ter violado seus direitos por mantê-la algemada durante três horas. Uma boa notícia para o delegado: Mena perdeu por 6 x 3. O caso vale pela relação que existe entre o uso de algemas e os direitos elementares do cidadão, mesmo quando o cidadão não passa de um desses tipos elementares.
Iris Mena estava dormindo quando sua casa foi invadida por 18 policiais (8 da Swat). De acordo com uma denúncia e as suspeitas da polícia, era um valhacouto de bandidos da gangue hispânica 'West Side Locos'. Havia outras três pessoas no terreno da casa. Foram todos rendidos e, algemados, ficaram na garagem durante o tempo da diligência. (Foram apreendidos um revólver e um saquinho de maconha.) Quando os policiais se retiraram, libertaram Iris. É desnecessário dizer que ninguém convidou holofotes para registrar a operação.
A moça buscou seu direito e prevaleceu nas duas primeiras instâncias, habilitando-se a receber uma indenização de US$ 60 mil. Os policiais ganharam na Suprema Corte porque a maioria entendeu que a polícia tem base legal para manter uma pessoa algemada enquanto sua casa é revistada. No caso, havia até a suspeita de que lá pudesse haver delinqüentes escondidos. Para o bem ou para o mal, Iris foi algemada para preservar a segurança dos policiais. Os três votos que divergiram lembraram que ela é uma pequena mulher, estava descalça e de camisola.
Não passou pela cabeça de nenhum dos nove juízes a idéia segundo a qual a corte não tem nada a ver com casos desse tipo. É o Judiciário quem diz se a polícia violou os direitos de um cidadão e não a polícia quem delimita a jurisdição do Judiciário. No caso, a maioria da corte entendeu que é preferível algemar uma mulher por três horas a admitir a hipótese de enfraquecer a segurança dos policiais.
As algemas que chegaram à Suprema Corte americana saíram de uma casa de periferia, habitada por gente metida em encrencas, dessas que em Pindorama nem algemas conseguem. Em geral, as pessoas são amarradas com fios e ficam sentadas nas calçadas, como se estivessem numa estampa de Debret. Quando levam dois tiros nas costas, conseguem a notoriedade de serem apresentados como "supostos traficantes".
A Polícia Federal está estranhando o Supremo Tribunal Federal. Em seus 184 anos de existência a corte já teve horas difíceis, mas nunca foi obrigada a entrar em bolas divididas com delegados.
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Comentários
ALGEMA SÓ PRA POBRE
CO 24/08/2008 13:55
Mesmo depois da decisão do Supremo Tribunal Federal que editou uma súmula vinculante (resumo, conciso e sintético de decisões parecidas dos tribunais para casos análogos), a Polícia Federal numa operação recente que descobriu um esquema da corrupção no Incra e na Receita Federal, em Cuiabá, algemou 27 acusados, gerando várias críticas por parte de autoridades. O presidente da Comissão de Direito Penal da OAB do Mato Grosso, por exemplo, chegou a dizer que ?a PF não concordou com a decisão do Supremo e por pirraça, continua a atuar da mesma maneira.?
Grande parte dos juristas afirmou que as normas que regulamentavam o uso de algemas no Brasil estavam expostas de maneira genérica, não muita bem definida pela legislação. O artigo 199 da Lei de Execução Penal dispunha que tais regras deveriam ser estabelecidas por decreto federal, que ainda não foi elaborado. Entretanto, do ponto de vista estritamente jurídico existem dispositivos que poderiam cumprir tal regulamentação. A constituição, por exemplo, em seu art. 5º, inciso III, assevera que ninguém poderá ser submetido a tratamento degradante; protege ainda, o direito de honra, intimidade e imagem. O Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece que o uso da força contra o acusado não é permitido, salvo se este reagir à voz de prisão, oferecendo resistência gerando risco de vida ou tentativa de fuga.
Por meio do critério de analogia a regulamentação já está prevista no ordenamento jurídico.
Em grande parte dos Estados da federação, como Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul etc., o uso já é normatizado através de decretos estaduais e portarias
A nova súmula, editada no dia 07/08, pelos juizes biônicos do STF, em certo sentido confirma os princípios gerais sobre o tema, ou seja, que o uso de algemas só poderá ser utilizado em casos excepcionais, de modo que respeite os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e principalmente constitucionais do cidadão.
A discussão em torno da utilização das algemas como também da concessão dos habeas corpus nesse caso é bem ilustrativo. O uso ?exagerado? das algemas, por exemplo, só foi levantado depois de algumas imagens da Polícia Federal ?a serviço de determinados grupos políticos e econômicos da burguesia contra algum outro setor de oposição- levando alguns ?figurões? algemados para a prisão. Até então, nenhum juiz, senador, deputado ou qualquer outra autoridade pública se pronunciou em defesa dos milhares de cidadãos que são presos, algemados, jogados como animais dentro da viatura sem nenhuma acusação formal, atropelando todos as etapas processuais que um réu deve passar. Sem falar das agressões, torturas e assassinatos que ocorrem diariamente nas cadeias e favelas brasileiras onde a polícia constituiu uma espécie de tribunal próprio onde ela mesma determina as leis e ali mesmo as executa.
Por mais bem intencionada que possa parecer uma determinada lei, que diga ?defender a vida?, ?combater a corrupção? ou ?cessar os exageros?, em sua esmagadora maioria ela serve em última instância para reprimir a população, pois a lei e o poder repressivo do Estado são o instrumento controlado pela burguesia, e portanto, servem a burguesia não atingindo a todos igualmente. Mas, nem por isso seremos a favor a retroceder à ?justiça medieval?, que era baseada, na realidade, na decisão arbitrária, segundo a conveniência e a vontade, de algumas poucas pessoas, sem qualquer legislação que a definisse. É necessário sim, defender os direitos democráticos do povo, e disso, ninguém exceto os reacionários, gostariam de abrir mão. Contudo, é fundamental ter clareza do funcionamento real da Justiça burguesa, e, nesse sentido, essas leis que supostamente garantiriam ao acusado estes direitos, na prática, só existem para um punhado de pessoas que são totalmente privilegiadas pela Justiça burguesa, ao contrário da maioria da população a quem a lei pune severamente sem nenhum tipo de escapatória.
Fonte: CMI Brasil
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