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terça-feira, maio 29, 2007

“Samba do crioulo doido”

Josué Maranhão

BOSTON – Não é incomum escutar os saudosistas dizendo “Naquele tempo é que era bom!”.Tenho uma carapaça que me impede de sequer pensar assim. Aprendi com o meu sogro, o Seu Nati, que, em sua sabedoria de homem vivido, doutorado na universidade da vida, com a filosofia de sertanejo, sempre reclamava quando escutava alguém se lamentando do atual relembrando o antigo. Apesar disso, lamento que as gerações mais novas não tenham convivido com Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo adotado pelo genial Sérgio Porto. Erradamente chamado de humorista, na realidade Stanislaw tinha um refinamento intelectual incomum, que lhe permitia filosofar com fino humor, às vezes imperceptível pelos menos dotados. Daí o incômodo que a incompreensão provocou, por motivos óbvios, nos militares da ditadura, que o atormentaram nos últimos quatro anos de sua vida. Certamente foi ouvido pelos deuses, que o levaram deste mundo pouco antes do surgimento do AI-5. Morreu em 29 de setembro de 1968. Não fosse isso, quem sabe onde teria ido parar? Criador do famoso FBAP, sigla de Festival da Besteira que Assola o Pais, também inventou as “Certinhas do Lalau”. Era a galeria de mulheres que privilegiava com as fotografias ousadas, naquela época, divulgadas em sua coluna, para desespero das beatas carolas. Usavam apenas circunspectos maiôs inteiros, que sequer eram cavados nas coxas. Eram também as “Mulheres Mais Bem Despidas”, lista que divulgava para confrontar a relação das “Mulheres Mais Bem Vestidas”, que o badalado cronista social Jacintho de Thormes publicava. Das dezenas de beldades enaltecidas, salvo engano, restam Betty Faria e Norma Bengell, vistas pelo público em seus melhores tempos de quatro décadas atrás. Lembrei-me de Stanislaw, revendo os últimos acontecimentos político-policiais ocorridos no Brasil. Seriam, sem dúvidas, um prato recheado para ilustrar o “Samba do Crioulo Doido”, outra alegoria que ele criou e que ilustrava periodicamente com fatos inusitados, pitorescos, estapafúrdios e, à primeira vista, inadmissíveis. A paródia restou imortalizada, com a letra do próprio Samba, que, entre outras coisas, dizia: Foi em Diamantina / Onde nasceu JKQue a princesa Leopoldina / Arresolveu se casáMas Chica da Silva / Tinha outros pretendentesE obrigou a princesa / A se casar com TiradentesJoaquim José / Que também éDa Silva Xavier / Queria ser dono do mundoE se elegeu Pedro II.Das estradas de Minas / Seguiu pra São PauloE falou com Anchieta / O vigário dos índiosAliou-se a Dom Pedro / E acabou com a falsetaNa atualidade brasileira, para ilustrar o hilário desfile de fatos espalhafatosos, poderia incluir as reportagens na televisão e na imprensa em geral mostrando juízes presos, coitados, impedidos pela polícia de exercer a saudável atividade comercial de venda de sentenças. O convívio dos ilustres magistrados com a quadrilha de criminosos exploradores do jogo, infelizmente, foi incompreendido. Afinal, buscavam, apenas colher subsídios para ilustrá-los, bem como recolher dinheiro para ajudar os pobres.. A modernização do Samba ainda teria incorporados outros acontecimentos, como a navalha que colocou na cadeia uma verdadeira fauna, enquanto outros personagens da história, não menos importantes, ficavam de fora. Lá estavam desde um ex-governador e outros políticos importantes, até um beócio servidor de uma Prefeitura, que vendeu a alma em troca de um ingresso para ver mulher pelada no carnaval de Salvador. Como é peculiar em tais circunstâncias, lado-a-lado com os corruptos, desfilaram os corruptores, até aqueles que se dizem adeptos da filosofia budista. Mas, como sempre acontece, o número dos corrompidos era muito maior, apesar de ainda faltar muita gente. Não faltaria um ministro que, coitado, dizem que foi agraciado com a merreca de pouco mais de cem contos. Por via das dúvidas, caiu do trono. Outro ministro, como chamam alguns juízes, teria também colocado em sua banca de feira uma sentença, vendida por pouco mais ou nada. Coitado ! Comprovadas que sejam as acusações, receberá a pena absurda de ser aposentado com salário integral. É uma injustiça, sem dúvida. Em todo o escarcéu, não escapou a ciumeira, mesclada com a síndrome de pânico, em que se viam juízes na árdua tarefa do prende e solta e dizendo bobagens, quando deveriam ter compostura e falar somente nos autos. Ao lado estavam os políticos apavorados com as “listas” que, sem dúvida, se divulgadas e se presos os envolvidos em falcatrua, ameaçava fechar o Congresso e superlotar os presídios. Não faltaram, é óbvio, os advogados clamando pelo respeito ao “Estado de Direito” e, sem dúvida, com a premiação da bandidagem. O complemento foi a denúncia de uma revista a respeito do inusitado modo de vida do presidente do Congresso Nacional, que teria transferido para um lobista a tarefa de manter a filha e a mulher com quem a teve, além de outros encargos.Mas, ninguém se engane: entre mortos e feridos, ninguém será condenado, ninguém cumprirá pena, como é tradição no Brasil, onde os presídios são reservados aos 3 Ps: pobre, preto e puta. Aliás, tudo isso ocorre e vai ocorrer por conta do inarredável e intocável respeito ao “Estado de Direito”, que infelizmente não existe quando se trata de preservar o que é da nação. E dele ninguém se lembra.Os fatos demonstram que são ainda atualizadas duas pérolas de Stanislaw: - “A prosperidade de certos homens públicos no Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso de nosso subdesenvolvimento.- O sol nasce para todos, a sombra pra quem é mais esperto”.Não ficaria aí o Samba do Criolo Doido. Para ilustrar a pacatez e enaltecer o sempre “deitado em berço esplêndido”, falta incluir os desocupados que, a qualquer pretexto, servindo de massa de manobra para saciar a esperteza dos ditos líderes, desfilam pelas ruas, interrompendo a vida nas principais cidades. Não faltaram as estradas bloqueadas e a vida paralisada.Bandidos, aquinhoados com os infames celulares, por trás das grades comandam as quadrilhas que adquirem e administram redes de postos de combustíveis, vendidos adulterados àqueles que teimam em ser honestos e se sentem protegidos pelo preclaro e insigne “Estado de Direito”, tão defendido pelos ilustres juristas. Enfim, o “Estado de Direito” perdura amplamente preservado, quando se vê uma quadrilha invadir uma das maiores hidroelétricas do país e ali permanecer, irresponsavelmente manipulando controles, apesar de haver uma determinação judicial de reintegração de posse. Obviamente não cumprida. Também não deixou de ser ilustrada a manutenção da ordem pública e o respeito às decisões judiciais, o convescote de filhinhos de papais.Encastelaram na reitoria da maior Universidade do país, alí permanecem impunemente, em nome da falácia de defesa de uma tal de “autonomia universitária” que não foi sequer mexida com um sopro, como dizem os próprios Reitores. Mas não se descuidem: uma ilustre filósofa das esquerdas de mesa de botequim, verberando para aparecer, veio a público ilustrar a cultura sócio-política nacional, alardeando que a retirada dos boçais, travestidos de pobres coitados, das dependências públicas invadidas, seria um ato de extremo autoritarismo, suplantando os desmandos da ditadura militar. Não é o caso de repetir Jesus Cristo e proclamar o inefável “Perdoai-os Pai, eles não sabem o que fazem!”. É mais cabível invocar a sabedoria popular, que sabiamente diz que “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”
Fonte: Última Instância

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