por Fernando Porfírio
O vereador paulistano Ricardo Teixeira (PSDB) foi condenado a devolver aos cofres públicos parte do valor de R$ 295 mil por conta da contratação, sem licitação, do escritório de advocacia Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques para prestar serviços jurídicos à Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A) nas obras do Rodoanel Mário Covas. O contrato foi anulado por decisão judicial.
Ricardo Teixeira foi diretor de operações da Dersa quando fez a contratação. A decisão é da juíza Simone Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara da Fazenda Pública. A magistrada também condenou o tucano à perda do cargo, a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e ao pagamento de multa civil correspondente a cem vezes o valor da remuneração recebida na época do contrato. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo.
“A Administração Pública não é titular dos interesses públicos, mas mera gestora, e deve agir com total submissão à lei, pois não tem a disponibilidade sobre eles. Sendo assim, a contratação ilegal, para satisfazer interesses particulares, é inadmissível, indica o descaso para com os interesses públicos, bem como configura ato de improbidade administrativa, que merece total repúdio”, afirmou a juíza.
Na opinião da magistrada, a Dersa dispõe de departamento jurídico capaz de desempenhar o serviço contratado e, ainda que insuficiente o quadro funcional, deveria ter realizado a licitação, para fazer valer não só a lei, mas também o princípio da isonomia e permitir a competição entre eventuais interessados na prestação do serviço técnico não singular.
A sentença foi estendida a outros cinco ex-diretores da Dersa (Sérgio Luiz Gonçalves Pereira, Reynaldo Rangel Dinamarco, Raimundo D’Elia Júnior, José Kalil Neto e Valter Antonio Rocha) e ao escritório de advocacia. Eles terão que arcar solidariamente com a devolução dos recursos ao erário e estão proibidos de contratar com o serviço público pelo prazo estabelecido na lei de improbidade administrativa.
A magistrada entendeu que o grupo autorizou ilegalmente a contratação do escritório de advocacia. Os réus alegaram que a dispensa de licitação estava de acordo com a lei, que autoriza a contratação sem concorrência pública quando o serviço é de natureza especializada.
A ação foi proposta pela promotoria de Justiça da Cidadania, em 2002, e assinada pelo promotor Antonio Celso Faria. O vereador tucano era segundo suplente da Câmara e assumiu o cargo este ano. Dois dos condenados atuam agora na CPTM: Sérgio Gonçalves Pereira (diretor administrativo-financeiro) e o engenheiro Reynaldo Rangel Dinamarco. No Metrô, estão José Kalil Neto (assessor da presidência) e o engenheiro Raimundo D'Élia Júnior. Também foi condenado Valter Rocha, ex-diretor de operações da Dersa.
Lei a íntegra da sentença:
9ª Vara da Fazenda Pública Processo
nº 1815/053.02.029439-8
VISTOS
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO moveu de improbidade administrativa contra SERGIO LUIZ GONÇALVES PEREIRA, REYNALDO RANGEL DINAMARCO, RAIMUNDO D`ELIA JUNIOR, JOSÉ KALIL NETO, VALTER ANTONIO ROCHA, RICARDO TEIXEIRA E ESCRITORIO MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA alegando, em suma, que no dia 18 de setembro de 2001, em reunião da Diretoria da Dersa nº 035/2001, os réus SERGIO LUIZ GONÇALVES PEREIRA, REYNALDO RANGEL DINAMARCO, OSCAR EMÍLIO WELKER JUNIOR, JOSÉ KALIL NETO E RICARDO TEIXEIRA autorizaram a contratação direta, com base na inexigibilidade de licitação, do escritório de advocacia Manesco, Ramires Perez, Azevedo Marques Advocacia, com fundamento no artigo 25, inciso II e artigo 13, inciso II da Lei 8666/03.
O contrato (nº 3069/01) foi firmado no dia 19 de outubro de 2001, entre a Dersa, representada pelos réus Sergio Luiz Gonçalves Pereira e Reynaldo Rangel Dinamarco, com escritório de advocacia Manesco Ramires Perez, Azevedo Marques Advocacia, tendo o valor estimado de R$ 147.600,00, pelo prazo de 06 meses, contado da assinatura do contrato.
Em 16 de abril de 2002, os réus SERGIO LUIZ GONÇALVES PEREIRA, REYNALDO RANGEL DINAMARCO, OSCAR EMÍLIO WELKER JUNIOR, JOSÉ KALIL NETO, RAIMUNDO D`ELIA JUNIOR E VALTER ANTONIO ROCHA, além do falecido MANFRED ALBERT VON RICHTHOFEN, em reunião da Diretoria da Dersa nº 012/2002 autorizaram a renovação do contrato e, em 18 de abril de 2002 os diretores da Dersa, os réus Sergio Luiz Gonçalves Pereira e Reynaldo Rangel Dinamarco, celebraram com o mesmo escritório de advocacia novo contrato (nº 3119/01), com o valor estimado de R$ 147.600,00, também pelo prazo de 06 meses contados da assinatura do contrato.
Segundo a cláusula primeira do contrato nº 3069/01, o escritório de advocacia MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA foi contratado para patrocínio da Dersa, de seus dirigentes, de seus empregados “a ser realizado nas questões jurídicas relacionadas com a gestão e execução dos contratos para execução das obras de construção do Rodoanel Mário Covas”.
No procedimento administrativo instaurado para a contratação do escritório, foi exposta a seguinte fundamentação: “ As questões que hoje estariam a demandar o apoio e a consultoria jurídica são: acompanhamento e atuação em inquérito civil, público instaurado junto ao Ministério Público Federal; acompanhamento e atuação em eventual inquérito civil ou procedimento de averiguação junto ao Ministério Público Estadual nas curadorias do meio ambiente ou da cidadania; acompanhamento e atuação de expediente instaurado junto ao Tribunal de Contas do Estado e do Tribunal de Contas da União”.
Findo o período de vigência do Contrato nº 3069/01, a Dersa, mediante procedimento administrativo, em 18 de abril de 2002, renovou a contratação dos serviços técnicos jurídicos com o escritório MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA, conforme contrato de nº 3119/02, tendo o mesmo objeto do contrato anterior. Conforme a inicial, as atividades desenvolvidas no cumprimento dos contratos, discriminadas em relatórios oferecidos pelo escritório, são corriqueiras, que poderiam ter sido realizadas pelo Departamento Jurídico ou qualquer escritório de advocacia indicando, assim, a falta da singularidade do objeto, diante da ausência de prova de notória especialização do contratado e pela natureza continuada e ordinária da prestação do serviço.
Sustentou que a Dersa, integrante da Administração Indireta do Estado, deve observar o disposto nos artigos 22, inciso XXVII e 37, inciso XXI, ambos da Constituição Federal, bem como as normas relativas à contratação de serviços técnicos profissionais especializados, previstas na Lei 8666/93, uma vez que os casos de contratação direta previstos em lei devem ter como fundamento a singularidade do serviço associado à notória especialização do contratado. Apontou a ilegalidade da contratação, diante da ausência dos requisitos mencionados indicando a possibilidade do envolvimento dos dirigentes ou empregados da Dersa em ilegalidade jurídicas relacionadas ao Rodoanel Mário Covas.
O acompanhamento de procedimentos administrativos e judiciais, bem como a existência de um corpo jurídico próprio na Dersa, composto de sete procuradores, apresentam indícios da desnecessidade das contratações implicando desvio de finalidade, bem como ato de improbidade administrativo, previsto no artigo 10 caput, inciso VIII, da Lei 8429/92, além de afronta aos princípios da imparcialidade, moralidade e legalidade.
Requereu o reconhecimento da nulidade dos contratos nº 3069/01 e 3119/02, celebrados entre Desenvolvimento Rodoviário S/A – Dersa e MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA, bem como da prática de atos de improbidade administrativa previstos nos artigos 10, caput, inciso XII e 11, caput, inciso 1º da Lei 8429/92, bem como a condenação dos réus nas sanções previstas no artigo 12, incisos II e III da referida Lei, bem como ao escritório de advocacia, no que couber, em virtude do disposto no artigo 3º do referido Diploma Legal, e a condenação dos réus, de forma solidária, ao ressarcimento do valor total da despesa gerada pelos contratos à Dersa, atualizado monetariamente e com incidência de juros de mora.
Com a petição inicial foram juntados documentos (fls. 28/475). Em atendimento ao disposto no artigo 17, parágrafo 3º da Lei nº 8.492/92, a DERSA foi citada e compareceu ao processo (fls. 484/487 e 550/573). Ordem do Advogados do Brasil ingressou no feito, na assistência dos advogados integrantes da sociedade civil de advocacia MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA e, em preliminar, aduziu a impossibilidade jurídica do pedido, pois na eventual nulidade do contrato administrativo, a administração não está exonerada do dever de indenizar o contratado pelo serviço já realizado, sob pena de enriquecimento ilícito.
Afastou as ilegalidades mencionadas na inicial, sob o argumento segundo o qual foi necessária a contratação de especialistas em direito público, em virtude do número reduzido de procuradores, bem como pelo fato da elevada complexidade dos assuntos a cargo da sociedade de advogados contratados. Sustentou a existência dos requisitos para contratação direta e requereu a improcedência (fls. 584/617).
Os réus, intimados, apresentaram defesa prévia. Dersa Desenvolvimento Rodoviário S/A informou que deseja se abster, reservando-se, entretanto, o direito de se manifestar quando entender necessário ou em decorrência de determinação do juízo (fls. 1617/1622). O Ministério Público apresentou manifestação e juntou documentos (fls. 1625/1699). Em virtude da decisão (fls. 1724/1727), foram afastadas as preliminares e a inicial foi recebida. Contra tal decisão foi interposto recurso de agravo de instrumento (fls. 1743/1763). MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA citado, contestou alegando, em suma, que a contratação teve como base a complexidade singular do escopo jurídico abrangido no empreendimento do Rodoanel de São Paulo, que justificou a contratação de profissionais com especial qualificação técnica para preservação dos atos dos agentes públicos, nos aspectos jurídico e pessoal.
Ademais, foram instaurados processos administrativos no Tribunal de Contas do Estado e da União e a Dersa viu-se obrigada a contratar escritório de advocacia para defesa de seus atos, bem como de seus agentes. Apontou a inépcia da inicial em virtude da confusão da causa de pedir e pedido, afronta ao princípio do “non bis in idem”, ilegitimidade ativa, idoneidade do protocolo como procedimento para instrução da ação civil pública.
Quanto ao mérito, sustentou a presença dos pressupostos específicos para a contratação direta por inexigibilidade da licitação, em decorrência da singularidade do objeto (mega-empreendimento público), notória especialização dos advogados. Em face das características do regime jurídico da atividade de consultoria jurídica, foi perfeitamente lícita a contratação direta, pois existe uma impossibilidade jurídica de concorrência (inviabilidade de competição), segundo o grau de confiabilidade dos serviços contratos, que singulariza a relação entre cliente do serviço e seu patrono. Afastou a configuração de ato de improbidade administrativa, sob o fundamento segundo o qual não houve enriquecimento ilícito, tampouco dolo em frustrar a licitude de qualquer atuação estatal ou provocar danos ao erário.
Juntou documentos (fls. 682/1566). Raimundo D´Elia Junior, José Calil Neto, Valter Antonio Rocha e Ricardo Teixeira alegaram, em suma, carência da ação, por falta de interesse de agir, visto que o contrato nº 3069/01 se extinguiu em virtude do término do prazo de vigência e o contrato nº 3119/02 por decisão unilateral não existindo, em conseqüência, o que ser anulado. Apontaram a indeterminação do pedido, a falta de especificação concreta de dano a ensejar ressarcimento à Dersa e ilegitimidade ativa. No mérito, salientaram que os serviços jurídicos de advocacia, tem característica singular em função de sua natureza intelectual e relação de confiança imprescindível para contratação de um advogado, razão pela qual aplica-se o disposto no artigo 25, inciso II combinado com o artigo 13 ambos da Lei 8666/93.
O escritório de advocacia contratado tem notória especialização na área de direito público e administrativo. Sergio Luiz Gonçalves Pereira e Reynaldo Rangel Dinamarco sustentaram a impossibilidade jurídica do pedido, a ilegitimidade ativa, visto que o Ministério Público não tem legitimidade para atuar na defesa do patrimônio de entidade da administração pública indireta. Ademais, mostrou-se necessária, conveniente e oportuna a contratação do escritório, uma vez que as obras de construção do Rodoanel Mário Covas eram de grande importância para a Dersa. Réplica às fls. 2255/2337. É o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO.
Antecipo o julgamento, nos termos do artigo 330, inciso I do CPC, pois os documentos anexados aos autos são suficientes. Rejeito as preliminares. Em nome do princípio consagrado no art. 5º., XXXV da Constituição Federal, o controle judicial dos atos administrativos, vinculados ou discricionários, é inerente ao Estado Democrático de Direito, garantia da legitimidade e constitui um dos fundamentos do ordenamento jurídico. O Poder Judiciário não pode substituir a atuação da Administração Pública na análise da conveniência e oportunidade de um ato administrativo (art. 2º. Da Constituição Federal).
Contudo, a discricionariedade tem limites impostos pela lei e se tais limites são desrespeitados pela Administração Pública, é legítimo o controle judicial. O Ministério Público, cujo campo de atuação foi ampliado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, (artigo 129, inciso III) tem legitimidade para defender o patrimônio público, mediante ação civil pública ou de qualquer outra demanda.
Ada Pellegrini Grinover assinala o seguinte: "A diferença entre a ação popular constitucional e a ação civil pública, que visam a anular atos lesivos à moralidade administrativa, reside exclusivamente na legitimação ativa: à primeira, é legitimado o cidadão; à segunda, o Ministério Público. Pode-se assim afirmar, sem temor de erro, que a Lei Nacional do Ministério Público ampliou a legitimação à ação popular, atribuída pela Constituição ao cidadão, para estendê-la ao Ministério Público.
Mas, na verdade, esta ação civil pública, criada pela LNMP, nada mais é do que uma espécie que pertence ao gênero ação popular (...). Trata-se de legitimações extraordinárias, disjuntivas e concorrentes, podendo ser exercidas por qualquer dos legitimados, em nome próprio e no interesse da coletividade." (Uma nova modalidade de legitimação à ação popular: possibilidade de conexão, continência e litispendência. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação Civil Pública: Lei nº 7.347/85, reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: RT, 1995, p.24-25)
Pode a ação civil pública – de acordo com Ada Pellegrini Grinover, espécie do gênero ação popular – ser utilizada para a proteção do patrimônio público e social, torna-se, em conseqüência, inafastável a legitimação do Ministério Público para sua propositura.
"Diga-se de passagem que a extensão da legitimação ativa à ação popular, para o Ministério Público, é perfeitamente constitucional: com efeito, a própria Constituição Federal, no art. 129, IX, expressamente admite que se confiram ao Parquet outras funções, desde que compatíveis com suas finalidades. E, na forma abrangente do art. 127, CF, que afirma incumbir ao Ministério Público a ´defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais (...)´, acomoda-se certamente a titularidade da ação popular para a tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa. Decorre daí que a ação civil pública, na modalidade que estamos examinando, tem a natureza jurídica de ação popular. Só a legitimidade ativa é diversa." (Ibidem, páginas 23 e 24) Veja-se a jurisprudência a respeito: “Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTS. 127 E 129, III. LEI 7.347/85 (ART 1º, IV). LEI 8.429/92 (ART. 17). LEI 8.625/93 (ARTS. 25 E 26).
1. Dano ao erário municipal afeta o interesse coletivo, legitimando o Ministério Público para promover o inquérito civil e ação civil pública objetivando a defesa do patrimônio público. A Constituição Federal (art. 129, III) ampliou a legitimação ativa do Ministério Público para propor Ação Civil Pública na defesa dos interesses coletivos.
2. Precedentes jurisprudenciais.
3. Recurso não provido.” (Superior Tribunal de Justiça - Relator Ministro Demócrito Reinaldo - data da decisão 11/05/1998 - Primeira Turma) (JUIS – Jurisprudência Informatizada Saraiva) MANDADO DE SEGURANÇA
– Impetração em face de ajuizamento de ação civil pública, promovida pelo Ministério Público contra o Prefeito Municipal, objetivando a imposição de sanções previstas na Lei de Enriquecimento Ilícito (Lei nº 8.429/92), por prática de ato de improbidade administrativa
– Alegação de falta de legitimidade do Ministério Público para promover tal ação
– Despacho inicial do Juízo que, apenas, determinou a citação do requerido, relegando para posterior decisão pedido liminar de afastamento do prefeito do seu cargo
– Ausência de decisão prejudicial in concreto ou ameaça ilegal
– Legitimidade do representante do Ministério Público para propor a ação, a teor do artigo 5º, caput, combinado com o artigo 1º, IV da lei nº 7.347/85
– Segurança denegada. (Mandado de Segurança nº 16.530-5 – Tribunal de Justiça de São Paulo – 8ª Câmara de Direito Público – Relator: José Santana – 23.10.96 – V.U.) AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade administrativa – Ilícitos cometidos em processo licitatório – Configuração – artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/92 (Apelação Cível nº 272.996-1 – Guarulhos – Tribunal de Justiça de São Paulo - 2ª Câmara de Direito Público – Relator Passos de Freitas – 11.03.97 – V.U.) AÇÃO CIVIL
– Nascente em atos de improbidade administrativa
– Ajuizamento com base na Lei nº 8.429/92, não guardando a natureza civil pública
– Pedido, juridicamente, possível, que possui fundamento no artigo 12, III da Lei nº 8.429/92
– Presente o interesse de agir do Ministério Público, vez que caracterizada a necessidade e adequação do provimento – Recurso não provido. (Agravo de Instrumento nº 61.198-5 – Tribunal de Justiça de São Paulo – 7ª Câmara de Direito Público – Relator: Sérgio Pitombo – 11.05.98 – V.U.).
"O campo de atuação do MP foi ampliado pela Constituição de 1988, cabendo ao Parquet a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, sem a limitação imposta pela artigo 1º da Lei 7.347/85." (REsp. 67.148 - SP - 6ª T. - J. 25.09.1995 - Rel. Min. Adhemar Maciel - DJU 04.12.1995 - RT 727/138)
A via eleita é perfeitamente adequada para o fim colimado pelo Ministério Público, não é o caso de representação de entidade paraestatal em Juízo, o que é vedado pela Constituição Federal, pois atua o Parquet na defesa de patrimônio público e, para tanto, está amparado na Constituição Federal e leis pertinentes.
O artigo 25, inciso IV, letra “b” da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) dispõe que: “Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe ainda, ao Ministério Público: (...) IV - promover o inquérito civil e ação civil pública na forma da lei: (...) b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas Administrações Indiretas ou Fundacionais ou de entidades privadas de que participem.” Nelson Nery Jr., discorrendo sobre a legitimação ativa do Ministério Público para a propositura da presente, ensina: "No sistema anterior, a tutela jurisdicional do patrimônio público somente era possível mediante ação popular, cuja legitimação ativa era e é do cidadão (CF, 5º, LXXIII).
O MP podia assumir a titularidade da ação popular apenas na hipótese de desistência pelo autor (LAP, 9º). A CF 129, III conferiu legitimidade ao MP para instaurar IC e ajuizar ACP na defesa do patrimônio público e social, melhorando o sistema de proteção judicial do patrimônio público, que é uma espécie de direito difuso. O amplo conceito de patrimônio público é dado pela LAP 1º caput e § 1º" (Código de Processo Civil Comentado. 4ª edição. São Paulo, RT, página 1506) A inicial não é inepta, pois foram bem descritos os fatos, a fundamentação jurídica e o pedido e foram identificadas as condutas imputadas aos réus.
É conveniente destacar, desde já, que, uma vez levantado o fundamento da ausência de licitação, não há necessidade de descrição de qualquer prejuízo específico sofrido pelo erário para que se possa falar em proteção do patrimônio público. Como se sabe, a licitação existe para que os entes estatais e possam contratar nas melhores condições possíveis.
Quando a licitação não é realizada, não pode o contratante alegar que as partes se obrigaram em condições vantajosas para a Administração, pois, se tivesse havido licitação, a situação, em tese, poderia ser ainda melhor. Nessa medida, basta o simples fato da inexistência de licitação para que o contrato administrativo seja declarado nulo e presumido o dano aos cofres públicos. Marçal Justen Filho, sobre o tema, menciona o seguinte: “A licitação destina-se a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública (com observância do princípio da isonomia).
A vantagem se caracteriza em face da adequação e satisfação ao interesse público por via da execução do contrato. A maior vantagem possível configura-se pela conjugação de dois aspectos complementares. Um dos ângulos relaciona-se com a prestação a ser executada por parte da Administração; o outro se vincula à prestação ao cargo do particular. A maior vantagem se apresenta quando a Administração assumir o dever de realizar a prestação menos onerosa e o particular se obrigar a realizar a melhor e mais completa prestação.
Configura-se, portanto, uma relação custo-benefício. A maior vantagem corresponde à situação de menor custo e maior benefício para a Administração.” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 6ª ed., São Paulo: Dialética, 1999, p. 58) A Lei de Improbidade Administrativa prevê expressamente, em seu artigo 10, inciso VIII, que constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, em virtude da frustração de processo licitatório ou sua dispensa. Assim, se o autor alega que não houve licitação, é evidente que está defendendo típico interesse difuso, o patrimônio público e, assim, a suposta falta de interesse de agir não subsiste.
O pedido é preciso, está claro que o Ministério Público objetiva a declaração de nulidade dos contratos administrativos nºs. 3069/01 e 3119/02 celebrados entre a Dersa – Desenvolvimento Rodoviário S/A e o escritório MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA e o ressarcimento do valor total da despesa gerada pelo contrato à referida entidade, o que se consubstancia na devolução de todo o montante recebido pelo escritório de advocacia para execução dos serviços.
Não há necessidade, também, de especificação da contribuição específica de cada um dos réus para prática do dano, pois, em caso de condenação, todos respondem solidariamente, a teor do disposto no artigo 942 do Código Civil. Quanto à alegação da obrigatoriedade do inquérito civil antes do ajuizamento da presente José Marcelo Menezes Vigliar menciona o seguinte: “A exemplo do que ocorre com o inquérito policial, o inquérito civil é dispensável, desde que por outros meios de convicção já se tenha coligido elementos suficientes para a propositura da ação civil pública.” (Tutela jurisdicional coletiva. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 129)
Sendo assim, a alegação de defeito da representação do Ministério Público não prospera, uma vez que o inquérito civil não é pré-requisito obrigatório para propositura da ação de improbidade administrativa. Passo ao exame do mérito. O artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal estabelece: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.
Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2007
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