Por: Reinaldo Azevedo
A Grécia antiga não previa pena para o parricídio. Considerava-se um crime impossível. Daí que boas tragédias, que investigavam o mais profundo de nós mesmos, mais ainda depois que Freud as releu à luz da psicanálise, tenham surgido desse evento formidável: o filho que mata o pai, a filha que mata a mãe. Ainda assim, Édipo e Electra cumpriam um destino, uma tessitura urdida no empíreo, no além-do-homem. Os Deuses, então, transgrediam as regras por nós. Havia uma espécie de idealismo humanista, de crença na capacidade humana de resistir a certas paixões.
Vejam o caso dessa menina que ajudou a matar os pais a pauladas, Suzane von Richthofen. O que dizer a respeito? Ela mesma admite que não era movida por nenhuma forma especial de rancor. Chegou-se a ensaiar, num dado momento, o tal do molestamento infantil, mas a hipótese não prosperou. Restam apenas o ato e seu horror. E ato, vamos dizer, “indebatível”, se me permitem o neologismo: como nos comportamos diante do matricídio e do parricídio sem qualquer atenuante conhecida? É por isso que o debate se desloca para a pena que ela vai cumprir, para o fato de que estava fora da cadeia, para a armação de seus advogados, para fato escandaloso de um duplo homicídio, com todos os sinais de ardil, não ser o suficiente para manter um assassino em cana. Já mentir para o Fantástico, aí, não...
Comecei lá pelas musas e acabarei falando de algo aparentemente mais prosaico, como a possível candidatura de José Genoino e Antonio Palocci, dentre outros, a uma vaga na Câmara. Na verdade, são candidatos à impunidade, posto que buscam a imunidade parlamentar para crimes de que são acusados não no exercício legal de suas funções. Mas, antes que volte aqui, deixe-me, leitor, continuar um pouco na minha digressão. Faz sentido debater se é razoável matar pai e mãe? Não. Faz sentido debater se este ou aquele políticos podem jogar no lixo o Estado de Direito e investir na construção de um Estado paralelo? A resposta, de novo, é “não”. Tais coisas, em si mesmas, repito o neologismo, são “indebatíveis”.
Então o que escandaliza? Que lhes seja facultado o expediente de se proteger de qualquer pena. Vejam lá. João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, terceiro homem na hierarquia da República, aquele que fez um eloqüente e indignado discurso na Câmara, que chegou a pensar em protocolar uma carta jurando a sua distância do valerioduto... Esse mesmo João Paulo será reconduzido à Câmara e ainda se torna eleitor disputado no confronto interno do PT para decidir o candidato do partido ao governo de São Paulo. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que tanto se orgulha de ter passado longe da borrasca criminosa, da “quadrilha” (conforme diz o procurador-geral da república), aceita entusiasmado o apoio do companheiro — afinal, o homem foi inocentado pelo plenário...
Genoino, aquele que negava, entre lágrimas às vezes, a existência até mesmo do tal “dinheiro não contabilizado”; aquele cujo irmão tem um assessor que foi flagrado com a cueca recheada de dinheiro; que reivindicou e conquistou a aposentadoria parlamentar, também ele quer voltar à Câmara. Suponho que com boas chances de se eleger. Antonio Palocci, o homem que conseguiu se manter por mais tempo, blindado pela mídia, longe da lama e que, não obstante, ousou mais na agressão ao Estado de Direito, parece que também vai disputar um assento num Parlamento que, vá lá, talvez o mereça. Também nesse Poder, com as exceções de praxe, nunca se desceu tão baixo.
Santo Deus! O que essa gente quer que passemos a debater? Se o crime compensa ou não? É isso? O que essa gente quer que passemos a debater? Se é lícito ou não montar um Estado paralelo? O que essa gente quer que passemos a debater? Se, sob certas circunstâncias, é lícito agredir o Estado de Direito? Ninguém ainda está condenado, é verdade — e, provavelmente, dadas a lentidão da Justiça e a embromação de recursos, nada vai acontecer. Mas esperem aí: há uma acusação formalizada pelo procurador- geral da República. Mais do que isso: há os crimes confessados; há os réus confessos; há aqueles, embora evidentes, ainda por provar.
Certo, terrivelmente certo, sempre esteve José Dirceu quando liderou o esforço contra a renúncia dos petistas — ou de quaisquer outros acusados. Por mais que ele tenha esperneado para manter o próprio mandato e para reaver os direitos políticos, sabia que estava condenado. Nem por isso, como se vê, perdeu o poder ou se obriga a andar de avião de carreira, junto com a arraia-miúda: todos nós. Apostou, como nenhum outro, no que deve considerar “resistência política” e sempre soube que o apparatchik petista era mobilizável: afinal, o partido não passou 25 anos aparelhando as instituições da República, imprensa incluída, por nada.
A exemplo das tragédias gregas, estamos sendo confrontados com o mais profundo de nós mesmos. A eventual reeleição dos mensaleiros — e fico sabendo que Valdemar Costa Neto mostra impressionante fôlego em campanha pelo interior de São Paulo — bem como a do presidente Lula porão o Brasil num novo patamar, inferior a tudo o que já tivemos até agora. Sim, senhores: os efeitos podem ser mais deletérios do que os da ditadura. Naquele caso, sempre restava a esperança. E a todos estava claro, inclusive aos ditadores, que se vivia um período de exceção. O PT inova e entroniza a bandalheira como regra. E, se assim estamos, não adianta negar, é porque é isso o que merecemos. Como na porta do inferno, melhor deixar a esperança do lado de fora.
[reinaldo@primeiraleitura.com.br]
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