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sábado, outubro 01, 2022

Preso em sua bolha, Bolsonaro luta para ir ao segundo turno




Eleito com voto antipetista, presidente pregou para convertidos e assustou moderados na campanha

Por Fabio Murakawa (foto)

Jair Bolsonaro (PL) conseguiu angariar votos muito além do seu eleitorado mais fiel para se eleger presidente da República em 2018. Neste ano, ironicamente, a incapacidade de romper essa bolha pode tirá-lo do Palácio do Planalto.

Há quatro anos, em meio à onda antipetista que varria o Brasil pós-Lava-Jato e à comoção com a facada que quase tirou-lhe a vida, Bolsonaro obteve 46,03% dos votos válidos em primeiro turno. Ao longo de toda a atual campanha, porém, não conseguiu se aproximar desse índice. Teria hoje apenas 36% dos votos válidos, segundo a pesquisa Datafolha de ontem.

O dilema entre falar só para a própria bolha ou abrir-se ao eleitorado médio dividiu o entorno de Bolsonaro nos últimos meses.

Ministros da ala política, como Ciro Nogueira (Casa Civil) e Fábio Faria (Comunicações), aconselhavam o presidente a fazer uma campanha propositiva, mostrando realizações e surfando na onda do Auxílio Brasil de R$ 600 e da redução dos preços dos combustíveis.

Eles defendiam que o presidente precisava falar mais ao eleitor moderado, que havia votado em Bolsonaro em 2018 mesmo sem ser bolsonarista ou defender sua pesada pauta de costumes e pró-armas. Amparados por pesquisas qualitativas, os ministros tentavam mostrar a Bolsonaro que cada fala radical afastava esse eleitor.

Contratado pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o publicitário Duda Lima apostou nessa “linha light”, dos primeiros vídeos gravados no laboratório da pré-campanha às primeiras inserções no horário eleitoral.

Não tardou a sofrer ataques de parte dos ideológicos, sobretudo do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente. Em junho, Carlos ironizou no Twitter um filme de 30 segundos produzido por Lima para ser usado nas redes sociais.

“Vou continuar fazendo aqui o meu trabalho e dane-se esse papo de profissionais do marketing. Meu Deus!”, escreveu.

Próximo do clã, o publicitário Sérgio Lima era outro defensor da ideia de que quem deveria aparecer era o “Bolsonaro real”.

Para os ideológicos, o presidente ganhou em 2018 mostrando quem ele realmente é. Ao camuflar a própria personalidade, avaliavam, suas chances de reeleição diminuiriam.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) oscilava entre um grupo e outro. E, por vezes, fazia a ponte entre ambos. Na definição de uma fonte, ele é “o mais pragmático de uma família ideológica”. Coube sempre a ele e ao pai a última palavra sobre que rumo tomar.

Os dois grupos antagônicos travaram uma queda-de-braço na mansão alugada pelo PL em uma área nobre de Brasília para funcionar como o QG da campanha bolsonarista. Para alguns ali dentro, o conflito fez com que o presidente tivesse um comportamento errático, confundindo o eleitor.

O Bolsonaro “calmo e gentil” que aparecia no horário político era por vezes incompatível com o homem que, muitas vezes aos brados e usando palavrões, continuava a fazer insinuações infundadas sobre a inviolabilidade das urnas e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Antes do período eleitoral, radicais e moderados, no entanto, concordavam em uma coisa: como em 2018, o antipetismo viria forte. Mas, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva livre da prisão e a Operação Lava-Jato enterrada, o tempo mostrou que o que estava sob escrutínio eram o governo e a personalidade de Bolsonaro.

O presidente abriu o período eleitoral com rejeição de 47%, índice que se manteve estável e subiu a mais de 50% na semana da eleição.

A criticada atuação na pandemia, que matou mais de 685 mil pessoas no país, realçada por uma CPI da Covid que se estendeu de abril a novembro de 2021 no Senado, cobrou seu preço. Bolsonaro foi atacado por todos os principais candidatos. E, quando cobrado, reagiu mal.

Em 28 de agosto, no debate da Band, o presidente atacou a jornalista Vera Magalhães quando a colunista do jornal “O Globo” fez uma pergunta crítica à sua postura negacionista no combate à pandemia.

“Vera, não podia esperar outra coisa de você, você dorme pensando em mim. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro. Já está apelando”, disparou.

A fala reforçou a imagem de machista do presidente, que já enfrentava muitas dificuldades para cativar o eleitorado feminino.

Duas semanas depois, quando a campanha ainda se esforçava para conter os danos da fala presidencial, o deputado estadual bolsonarista Douglas Garcia (Republicanos-SP) replicou o insulto de Bolsonaro ao assediar Vera Magalhães com um celular no debate da TV Cultura. O dano à imagem do presidente com os dois episódios foi tal que até o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) condenou a atitude de Garcia.

Pesquisas internas já indicavam, havia muito, a alta rejeição de Bolsonaro entre as mulheres.

A primeira-dama, Michelle, foi escalada já no lançamento da campanha, em um Maracanãzinho lotado, para socorrer o marido.

“Falam que ele não gosta de mulheres. E ele foi o presidente da história que mais sancionou leis para mulheres”, discursou.

Apesar da forte presença ao longo da campanha, Michelle não conseguiu tornar o presidente mais palatável para as eleitoras. Pelo contrário, a rejeição de Bolsonaro entre as mulheres cresceu de 46% em agosto para 51% na semana da eleição, segundo o Ipec.

Na avaliação de fontes da campanha, por outro lado, a atuação de Michelle foi mais útil para consolidar o voto dos evangélicos. Mas esse já era um eleitorado dominado pelo presidente. Bolsonaro deu forte atenção aos evangélicos durante todo o mandato, participando de cultos e pregando contra o aborto e a legalização das drogas. Em 2021, ele cumpriu a promessa de indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-ministro da Justiça André Mendonça.

Hoje, Bolsonaro tem os votos de cerca de 50% nesse segmento religioso, contra cerca de 30% de Lula.

Uma bolha que Bolsonaro tentou romper sem sucesso foi a da baixa renda. Para isso, contou com a caneta presidencial e a ajuda de aliados no Congresso para aumentar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 a dois meses da eleição.

Os pagamentos das primeiras parcelas ocorreram na primeira semana de agosto e na penúltima semana de setembro. Mas não foi revertida a preferência dos mais pobres por Lula, segundo as sondagens.

Houve uma série de boas notícias na economia ao longo do ano, parte delas produzida pela ação eleitoreira do governo, que aumentou gastos sociais durante a campanha, postergou o pagamento de precatórios, flexibilizou o teto de gastos, interveio na Petrobras e desonerou a cobrança sobre combustível e energia. Com isso, a inflação recuou. O arrefecimento da pandemia fez com que indicadores como o crescimento do PIB e a taxa de desemprego melhorassem. Nada disso, contudo, mudou significativamente o quadro eleitoral.

Segundo o Ipec, o petista tem 53% das preferências entre quem ganha até dois salários mínimos, contra 29% do atual presidente. Para analistas, no entanto, a liberação de recursos viabilizada pela PEC das Bondades ajudou Bolsonaro a chegar até aqui com chances de ir ao segundo turno. Sem esses desembolsos, a eleição estaria perdida antes de começar - sensação confirmada por fontes dentro da campanha.

Bolsonaro tampouco conseguiu cativar o eleitor do Nordeste, onde está a maior fatia dos beneficiários do Auxílio Brasil. Ali, segundo o Datafolha, o ex-presidente tem uma vantagem expressiva sobre Bolsonaro - 63% a 22%.

Ao longo de todo o processo eleitoral, o presidente se viu cercado pelas figuras do Centrão, a quem entregou o coração do governo e o controle sobre o Orçamento da União para poder governar.

Ciro Nogueira, Fábio Faria e Valdemar Costa Neto, presidente do PL, foram figuras influentes na campanha. Mas políticos moderados e de legendas como o PSDB, MDB, União Brasil e Novo lhe negaram apoio.

Isso o forçou a montar palanques fracos em Estados cruciais, como Minas Gerais e Bahia. Em São Paulo, é Bolsonaro quem puxa votos para seu ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos), não o contrário.

O presidente apelou, além disso, a viagens ao exterior para passar a imagem de que era um estadista com prestígio internacional. Mas a ida a Londres para o funeral da rainha Elizabeth II rendeu a ele uma saraivada de críticas por fazer da residência do embaixador um palanque político, em meio ao luto que vivia o país. As imagens de intimidação de militantes a uma jornalista da BBC e da indignação de um britânico com o comportamento dos bolsonaristas agravaram a situação.

Vendo fracassar todas as tentativas para manter os votos que o elegeram em 2018, o presidente partiu para o ataque na reta final.

Sua campanha subiu o tom para reforçar a imagem de corrupto de Lula, chamado-o de “ladrão” e “ex-presidiário” em horário eleitoral. Mas a narrativa foi enfraquecida por escândalos recentes.

O pagamento de propina a pastores dentro do Ministério da Educação teve novos desdobramentos. E, quando a campanha esquentava, o site “UOL” publicou reportagem sobre parentes de Bolsonaro que compraram dezenas de imóveis em dinheiro vivo. Na avaliação de assessores, o presidente perdeu o controle sobre a narrativa da campanha com esses escândalos.

Com as pesquisas indicando a possibilidade de vitória do petista em 1º turno, Bolsonaro ainda deve participar de motociatas em Poços de Caldas (MG) hoje e em São Paulo e Joinville (SC), no sábado.

A campanha também ficou marcada por uma tensa relação com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), alimentada pelas insinuações infundadas de que poderia haver fraude nas eleições.

Sempre atrás de Lula nas pesquisas, Bolsonaro atravessou a campanha dizendo que entregaria a faixa “desde que as eleições fossem limpas”. Agora, seus aliados e adversários chegam à eleição com as mesmas dúvidas: o presidente sobreviverá ao primeiro turno? Se perder no voto, aceitará o resultado?

Valor Econômico

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