Os algoritmos incentivam a desinformação e os cancelamentos. Os atores políticos sem pudores de usar esses recursos crescem
Por Pedro Doria (foto)
Na quarta-feira de manhã, Elon Musk entrou na sede do Twitter carregando uma pia de louça nas mãos.
Let that sink in — escreveu.
Literalmente, “deixe esta pia entrar” — embora, em inglês, a frase também possa ser lida como “deixa essa ficha cair”. Enquanto publicava o vídeo na própria plataforma, modificou sua autodescrição: Chief Twit. Mais ou menos ao mesmo tempo, os funcionários da empresa receberam um e-mail geral.
— Elon Musk está circulando pelo prédio, aproveitem para dizer “oi”.
Pela cabeça de muita gente certamente passava outro recado — que, se Musk fosse comprar mesmo a companhia, cortaria 75% da mão de obra. (Ele nega.)
Pois é: domingo temos a eleição mais importante da História brasileira desde que Tancredo Neves foi escolhido pelo Colégio Eleitoral, lá se vão quase 40 anos. E cá o colunista está falando de Elon Musk comprando o Twitter. Ocorre que o foco habitual deste espaço é o encontro de tecnologia, sociedade e política. Ocorre que a maneira como a informação que circula entre nós foi corrompida pelas redes sociais é diretamente responsável pela eleição de tipos como Donald Trump e Jair Bolsonaro. O assunto é inevitável e está no centro do drama que continuaremos a enfrentar, mesmo que o único candidato democrata confirme sua vitória no domingo.
Musk já age como dono do Twitter. Ainda assim, ao menos até o fechamento desta coluna, a aquisição não estava confirmada. A toda hora o Vale do Silício anuncia que alguma startup abriu seu capital, fez um IPO na Bolsa, levantou alguns bilhões. O caminho inverso é bem mais raro. Musk está pegando uma empresa pública e fechando o capital. Comprando as ações vendidas na Bolsa e tornando-a um negócio privado. No início da semana, manteve uma série de reuniões com bancos para completar o valor. Tem prazo estabelecido por juiz: fechar o negócio até esta sexta-feira. Se não pagar o preço com que havia se comprometido em abril, será levado à Corte, obrigado a falar sob juramento coisas que não deseja dizer em público e, ao fim, será forçado a cumprir o compromisso. A hipótese de que a compra não seja fechada, portanto, é remota.
A vantagem de um negócio privado é que a regulamentação é bem mais leve. O CEO não tem de prestar contas a cada quatro meses a respeito dos lucros, guinadas estratégicas violentas se tornam possíveis. E este negócio, das redes sociais, precisa de uma guinada radical. Ele tem de ser reinventado. Musk, numa carta dirigida aos anunciantes do Twitter na quinta, afirmou que imagina a plataforma como uma praça pública global onde o diálogo seja possível, onde os extremistas não tenham voz.
As redes já são uma praça pública global. O problema é que, nesse espaço comum, não é o diálogo que os algoritmos incentivam. É a desinformação e são os cancelamentos. Os atores políticos que não têm pudor de usar esses recursos crescem. Os outros perdem a voz. Não é surpresa que o Brasil tenha elegido neste ano um Congresso onde o pior da direita venceu, e o centro desapareceu. E esta não é só uma história brasileira.
Musk também vem recebendo pressão de gente bem próxima para trazer de volta à plataforma vozes banidas por radicalismo ou desinformação. O problema, porém, não é o que é dito no Twitter. É o que o Twitter — ou o Face, ou o Insta, ou o YouTube, ou o TikTok — escolhe ampliar. Um antissemita como Kanye West falando para si mesmo e mais cinco não causa dano. Vira problema quando um app decide que sua voz deve chegar a milhões todos os dias.
Domingo temos eleições. Não é a única decisão que definirá o futuro de nossa democracia.
O Globo