Publicado em 31 de outubro de 2022 por Tribuna da Internet
Deu em O Globo
Foram tantas as vezes em que o presidente Jair Bolsonaro flertou com o golpismo que a nona eleição presidencial desde a redemocratização tornou-se também a primeira em que se faz necessário exigir respeito ao resultado. Depois de impor inúmeras vezes a condição de serem “eleições limpas” para aceitá-lo —brecha aberta para contestação—, Bolsonaro deu enfim a primeira declaração sensata sobre o tema, na madrugada de sábado.
“Não há a menor dúvida. Quem tiver mais voto leva. É isso que é democracia”, afirmou ao final do debate em que enfrentou o ex-presidente Lula da Silva na TV Globo.
UMA CAMPANHA SUJA – Agora, Bolsonaro tem de cumprir o que disse. Tentativas de levar a disputa aos tribunais precisam ser repelidas com vigor e presteza, qualquer que seja o pretexto para justificá-las.
De todo forma, pode-se dizer que o país saiu dividido da campanha mais polarizada (e suja) de sua História. Mesmo que em tom mais civilizado, o último debate, na sexta-feira, comprovou que a desinformação ocupou o lugar da discussão serena de propostas e ideias.
Seria ilusão acreditar que não haverá sequelas. Mesmo assim, é preciso confiar na força da democracia para se reparar. Lula precisa descer logo do palanque para compor um governo com palavras e atos que apaziguem o país.
INÍCIO DESAFIADOR – Trata-se de uma transição complicada, porque Lula enfrentará um início de governo desafiador. Há sinais de desaceleração na economia, os juros estão altos para conter a inflação ainda renitente, e a devastação do Orçamento sob Bolsonaro, mascarada pela arrecadação, deixou ao eleito a obrigação de resgatar a credibilidade fiscal, pois a conta da esbórnia eleitoreira será cobrada em 2023.
Sobre esse tema essencial, a campanha pouco esclareceu. Em seu programa de governo, Lula não foi além de obviedades como combate à fome e à pobreza.
COMPROMISSO TARDIO – Apenas na última quinta-feira Lula lançou sua “Carta para o Brasil do amanhã” defendendo uma combinação de responsabilidade fiscal, responsabilidade social e desenvolvimento sustentável. O compromisso é tardio, e faltou explicar como alcançar as metas.
Lula tentou afastar o fantasma de delírios na economia chamando Geraldo Alckmin para vice e reunindo uma ampla aliança no segundo turno, abarcando ex-rivais como Marina Silva e Simone Tebet, liberais como Arminio Fraga, Henrique Meirelles e os formuladores do Plano Real, juristas como Joaquim Barbosa (algoz do PT no mensalão) e Miguel Reale Jr. (autor do impeachment de Dilma Rousseff), para não falar no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas são apenas indícios.
Para Lula, o maior desafio ao final de uma campanha eleitoral violenta é abrir caminho ao diálogo. Só ele poderá propiciar um governo competente na gestão, zeloso de seus espaços institucionais e capaz de reunificar um país rachado ao meio.