Temos a obrigação de retomar o debate adulto e civilizado sobre as questões que importam
Por João Gabriel de Lima* (foto)
Que tal ler um livro na véspera da eleição? Aí vai uma sugestão: Nós do Brasil, da economista Zeina Latif. Trata-se de uma reflexão de rara clareza sobre a questão fundamental para nós, eleitores: de onde vem e para onde vai nosso país? Ou, nos termos do livro: estamos condenados ao baixo crescimento e ao desenvolvimento medíocre, ou há alguma perspectiva de mudar esse destino?
Para responder à pergunta, Latif mergulha na história brasileira e na melhor literatura acadêmica. As respostas são múltiplas – não existe solução simples para problema complexo –, mas a autora elege uma razão central para nosso atraso: a demora em criar um sistema nacional de educação pública. O livro mostra, com dados e gráficos, que ficamos na rabeira no Ocidente, em geral, e na América do Sul, em particular, atrás de países como Argentina, Chile e Peru.
Como deixamos que isso acontecesse? Novamente há várias explicações. Destaco uma: “O racismo provavelmente reforçou a falta de interesse na educação de massas, sendo que havia a crença na inferioridade dos pretos, inclusive por parte de intelectuais”, diz Latif no livro. “Somou-se a visão da elite de que aos humildes cabia o trabalho braçal e manual.” Ela é a entrevistada do minipodcast da semana.
Para além de constatar mazelas históricas, o livro apresenta algumas razões para otimismo – e todas elas estão relacionadas com a redemocratização. O ensino básico finalmente se expandiu e enfrenta agora o desafio da qualidade. Derrubou-se a lei infame que proibia o voto do analfabeto – a qual, segundo constata a autora, prejudicava principalmente pretos e pardos.
Com a redemocratização, nossa universidade, livre das amarras da ditadura, mapeou os problemas do País, com abundância de dados. A imprensa livre aos poucos incorpora nossas questões centrais ao debate público. A classe média se expandiu, e a sociedade civil se mobiliza.
Por isso foi tão deprimente observar como os problemas reais do Brasil ficaram ausentes do debate eleitoral. Como constatou o Estadão em editorial, perdemos um tempo enorme discutindo questões que não existem, como um suposto fechamento de igrejas, ou teses delirantes, como a implantação do comunismo.
Ler Nós do Brasil na véspera da eleição nos traz de volta à realidade. No dia seguinte ao pleito, temos a obrigação de retomar o debate adulto e civilizado sobre as questões que importam. A gritaria e a exasperação – que crescem quando a inteligência rareia, e nos afastam da solução dos problemas concretos – irão nos condenar, inexoravelmente, à pobreza e ao atraso.
*Escritor, professor da Faap e doutorando em Ciência Política na Universidade de Lisboa
O Estado de São Paulo