Plano era acabar com indexação; benefícios sociais são a despesa maior e são indexadas
Por Vinicius Torres Freire
A ideia de mudar o reajuste do salário mínimo estava mesmo em estudo no governo de Jair Bolsonaro (PL). Apenas videntes poderiam dizer se o estudo viria a ser um projeto. Mas acabar com reajustes automáticos de despesa social, embora não do mínimo, sempre foi um plano de Paulo Guedes.
Desde o início do governo, o ministro da Economia dizia que seu projeto maior para o Orçamento era também desindexar as despesas. Isto é, acabar com o reajuste automático, obrigatório, segundo um indicador qualquer, tal como a inflação passada, por exemplo.
Aposentadorias, pensões e outros benefícios do INSS, seguro-desemprego e abono salarial levam 51,3% da despesa do governo federal. Todos são reajustados pelo menos pela inflação passada, pelo INPC, direta ou indiretamente. A despesa obrigatória com saúde e educação leva pelo menos 6% e é corrigida pelo IPCA. Apenas aí foram 57,3% do Orçamento.
Se Paulo Guedes não queria desindexar essas despesas, acabar com o reajuste obrigatório, mexeria então no quê?
Sobra pouco para mexer. Cerca de 20% do gasto com governo é despesa com salário e aposentadoria de funcionário público. A Constituição determina "revisão geral anual" dos vencimentos, mas não especifica o reajuste. O governo pode mexer aí, como o fez com o congelamento quase geral dos salários de servidores federais, depois da epidemia. Mas não pode achatar a remuneração a perder de vista. De qualquer modo, não há indexação explícita neste caso.
Então, qualquer tentativa relevante de desindexar, desvincular e desobrigar, os "3Ds" de Guedes, implicaria acabar com reajustes automáticos e gasto obrigatório em benefícios sociais e em saúde e educação.
Se Guedes diz que não quer mexer nisso, seu projeto "3D" era ficção. Ou tinha planos apenas para conter um pouco de gastos minoritários, vários "imexíveis" também. Cerca de dois terços do gasto total são indexados ou vinculados (por exemplo, o gasto do Fundeb ou o dinheiro que vai para o Distrito Federal aumenta quando também aumenta a receita do governo). Ou seja, fora INSS, educação e saúde obrigatórios, sobrariam uns 10% do Orçamento para mexer um tico.
Desde o início do governo Bolsonaro há "estudos" sobre o assunto, os "3Ds". Praticamente nada foi adiante, nem mesmo como proposta. Mas sempre foi o plano declarado de Guedes. O ministro diz muita vez e outra que o Congresso deveria ser livre e desimpedido de decidir o que fazer do Orçamento.
O Congresso, porém, não quer se meter nisso ou pelo menos jamais quis. Quer um pedaço do Orçamento a fim de beneficiar currais eleitorais. Mas, mesmo neste país virado do avesso com entranhas podres, seria difícil ver a maioria votar pela redução do valor real das aposentadorias do INSS ou, menos ainda, do salário mínimo.
Francamente, um plano desses, de baixar o valor real do mínimo, nem desceria a ladeira que vai do ministério da Economia ao Palácio do Planalto. Se rolasse até lá, dificilmente atravessaria a praça para chegar ao Congresso. Nem mesmo o plano em estudo, de mudar a correção para um índice TALVEZ inferior ao da inflação passada, iria adiante.
A mera sugestão de desvincular o valor do piso dos benefícios do INSS do salário mínimo causa escândalo (assim, poderia haver reajuste real do mínimo sem aumento maior de gasto do INSS, mesmo que ainda houvesse correção de aposentadorias etc. pela inflação).
O fato é que o governo Bolsonaro não tinha projeto algum, a não ser o de destruição institucional. Mas tinha "ideias", como variantes de CPMF, de faturar trilhão com privatizações e os "3Ds". Quem pariu Mateus que o embale.
Folha de São Paulo