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sexta-feira, outubro 28, 2022

Alexandre de Moraes: o presidente do TSE acusado de 'ditador' por Bolsonaro que já foi alvo do PT




Alvo de bolsonaristas, Moraes, atual presidente do TSE, vem sendo taxado de autoritário por bolsonaristas

É muito pouco provável que no Brasil de hoje haja quem nunca tenha ouvido falar de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e atualmente presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em eleições fortemente polarizadas como nunca antes vistas na história do país, o paulistano Moraes, de 53 anos, tornou-se alvo principalmente dos apoiadores do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição — eles criticam fortemente as decisões do magistrado e o acusam de favorecer o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O próprio Bolsonaro já chamou Moraes de "patife", "moleque", "canalha", "vagabundo" e "ditador".

O mais recente capítulo dessa polêmica envolveu uma acusação do ministro das Comunicações, Fabio Faria, de que Bolsonaro teve 154 mil inserções de rádio a menos que Lula, a maioria das quais na Bahia, Estado que deu vitória ao petista. Moraes deu um prazo de 24 horas, terminado nesta quarta-feira, para mostrar provas dessa suposta fraude. O ministro acabou negando a ação da campanha de Bolsonaro.

Segundo Moraes, a ação de Bolsonaro não tem provas e se baseia em levantamento de empresa "não especializada em auditoria". Também apontou possível "cometimento de crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno do pleito em sua última semana" e mandou o caso para ser avaliado dentro do inquérito das "milícias digitais", do qual ele mesmo é relator no STF.

Encaminhou ainda a decisão à Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) e ao corregedor-geral do TSE. "Para instauração de procedimento administrativo e apuração de responsabilidade, em eventual desvio de finalidade na utilização de recursos do fundo partidário dos autores."

Bolsonaro, por sua vez, prometeu recorrer até o fim e disse que seu partido deve contratar uma terceira empresa de consultoria para analisar os casos.

"Com toda a certeza, nosso jurídico deve entrar com recurso, já que foi para o Supremo Tribunal Federal. Da nossa parte, iremos às últimas consequências, dentro das quatro linhas da Constituição, para fazer valer aquilo que as nossas auditorias constataram, que há realmente um enorme desequilíbrio no tocante às inserções. Isso obviamente interfere na quantidade de votos no final da linha", afirmou Bolsonaro.

O presidente também convocou ministros e os três comandantes de Forças Armadas para uma reunião no Palácio da Alvorada antes de se pronunciar. Saiu sem responder a perguntas de jornalistas.

Nas redes sociais, grupos bolsonaristas reforçaram o argumento de fraude eleitoral e pediram o impeachment de Moraes.

Mas, embora o ministro tenha se tornado hoje o principal alvo da militância bolsonarista, o próprio PT já chamou o magistrado de "despreparado" e "parcial", quando ele foi empossado como ministro do STF, em 2017 (ler abaixo).

'Moraes foi indicado pelo ex-presidente Michel Temer e já defendeu o deputado cassado Eduardo Cunha'

'Abuso de autoridade'

As principais críticas a Moraes envolvem o que seus opositores chamam de "abuso de autoridade".

E entre eles não estão apenas apoiadores de Bolsonaro, mas também juristas.

A preocupação gira em torno das decisões de Moraes que chamam de "arbitrárias", especialmente em relação aos inquéritos das fake news e das milícias digitais, dos quais é relator, e de sua atuação como presidente do TSE.

Já parte dos juristas e ministros do Supremo argumentam que diante do alto volume de notícias falsas que circulam nessas eleições, Supremo e TSE precisaram dar agilidade à sua atuação e impedir a circulação de ameaças e desinformação.

Fake news e milícias digitais

Recentemente, os inquéritos das fake news e das milícias digitais voltaram ao noticiário após a decisão de Moraes de voltar a prender o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), que reagiu disparando contra policiais e atirando granadas na direção deles.

O inquérito das fake news investiga ataques por meio de notícias falsas, calúnias e ameaças que atingem o STF, seus ministros e familiares. Já o das milícias digitais investiga uma suposta organização criminosa digital que atua para desestabilizar a democracia divulgando mentiras e atacando ministros do Supremo e as instituições do país.

No seu despacho, o magistrado afirmou que decretou a prisão após Jefferson violar os termos de sua prisão domiciliar, mas nas rede sociais bolsonaristas lembraram que a prisão do ex-deputado, em agosto de 2021, por Moraes havia sido "ilegal".

Em pronunciamento, o próprio Bolsonaro, embora tenha chamado Jefferson de "bandido" e tentado se desvincular do aliado, repetiu o argumento de que a prisão de Jefferson não teve, em sua origem, "nenhum respaldo na Constituição" e decorreu "sem atuação do MP".

"Repudio as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a Ministra Carmen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF, bem como a existência de inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP", escreveu Bolsonaro no Twitter.

Isso se deve ao fato de que, quando Moraes acolheu pedido da Polícia Federal (PF) para prender o ex-deputado, sua decisão prescindiu da manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Segundo ele, porque o MP não havia se pronunciado sobre o pedido dentro do prazo.

Na ocasião, a PGR negou a afirmação de Moraes e, em nota, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que "houve, sim manifestação da PGR, no tempo oportuno" e que "em respeito ao sigilo legal, não serão disponibilizados detalhes do parecer, que foi contrário à medida cautelar".

Aras também descreveu a prisão de Jefferson como "uma censura prévia à liberdade de expressão".

"O entendimento da PGR é que a prisão representaria uma censura prévia à liberdade de expressão, o que é vedado pela Constituição Federal", acrescentou Aras no comunicado.

Outra decisão de Moraes que repercutiu negativamente entre bolsonaristas foi a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), em março deste ano, motivada por vídeo divulgado pelo parlamentar.

Na decisão, o ministro do STJ afirmou ser "imprescindíveis medidas enérgicas para impedir a perpetuação da atuação criminosa de parlamentar visando lesar ou expor a perigo de lesão a independência dos Poderes instituídos e ao Estado Democrático de Direito".

Naquela ocasião, também destacou que a Constituição não permite a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático nem tampouco a realização de manifestações nas redes sociais visando o rompimento do Estado de Direito.

Bolsonaristas, contudo, afirmaram se tratar de 'censura' e cerceamento da liberdade de expressão.

'Alexandre de Moraes foi empossado como ministro do STJ em 2017'

Atuação no TSE

Já sobre sua atuação no TSE, Moraes também vem recebendo críticas de aliados de Bolsonaro.

Em agosto deste ano, pouco depois de ser empossado como presidente da corte, Moraes gerou revolta no meio bolsonarista ao autorizar uma ação da Polícia Federal contra empresários que teriam manifestado apoio a um eventual golpe de Estado caso Lula vença a eleição presidencial.

Na ocasião, houve também questionamentos de juristas que não apoiam Bolsonaro, mas viram possíveis excessos e ilegalidades na decisão que autorizou a apreensão de celulares e o bloqueio de contas bancárias e de perfis dos empresários nas redes sociais.

Em 16 de agosto, quando foi empossado, Moraes havia prometido, em seu discurso, intervenção "mínima, mas implacável" contra abusos.

Na semana passada, outro ponto de tensão: foi aprovada uma polêmica resolução afirmando que, em casos de fake news que já tenham sido consideradas irregulares pelos integrantes do tribunal, em decisão colegiada, a determinação de retirada do ar vale também para conteúdos idênticos que sejam replicados na internet.

Ou seja, se uma fake news idêntica a uma já julgada pelo TSE começar a circular, o presidente do tribunal pode ordenar que ela saia do ar sem a necessidade de uma nova ação de partidos, do Ministério Público ou uma decisão judicial pedindo isso.

O TSE também deu direitos de resposta a Lula em razão de falas ofensivas feitas por comentaristas da Jovem Pan contra o petista. O canal paulista, que dedica boa parte de sua programação diária a críticas ao ex-presidente, disse que foi censurado e orientou que não sejam ditos no ar termos como "ex-presidiário" e "ladrão" em referência a Lula.

Outra decisão que provocou discussão se refere a uma frase do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello que seria usada em uma peça eleitoral do presidente e candidato do PL Jair Bolsonaro e foi suprimida.

Apesar das críticas dos bolsonaristas, desde o início da corrida presidencial, Moraes deu, proporcionalmente, mais decisões favoráveis a Bolsonaro do que Lula.

Até 14 de outubro, o PT teve 55% das ações contra notícias falsas atendidas no tribunal, enquanto a campanha de Bolsonaro, 85%.

Vale lembrar que, mais recentemente, Moraes deu nova decisão favorável a Bolsonaro, ao determinar a remoção dos vídeos divulgados pela campanha de Lula reproduzindo falas do atual presidente sobre meninas venezuelanas.

No trecho da entrevista reproduzido pela campanha de Lula , Bolsonaro aparece dizendo que, durante um passeio de moto pela comunidade de São Sebastião, nas proximidades de Brasília, avistou meninas de 14 e 15 anos e que "pintou um clima" .

Na decisão, o principal argumento de Moraes foi a proteção à liberdade de expressão.

Segundo o ministro, a liberdade de expressão não representa um salvo-conduto para a propagação de discursos "sabidamente inverídicos", "agressivos" e "preconceituosos".

"Liberdade de expressão não é Liberdade de agressão! Liberdade de expressão não é Liberdade de destruição da Democracia, das Instituições e da dignidade e honra alheias. Liberdade de expressão não é Liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos!", diz trecho da decisão de Moraes

Nesta semana, o senador Lasier Martins (Podemos-RS) voltou a pedir o impeachment de Moraes por "reiterados abusos expressos em crimes de responsabilidade".

'PT chamou Moraes de "despreparado" e "parcial" quando ele foi empossado'

Crítica do PT

Embora hoje tenha sua imagem associada ao PT e à esquerda por apoiadores de Bolsonaro, a nomeação de Moraes ao STF, em março de 2017, foi duramente criticada pela Executiva do partido, que a descreveu como "um profundo desrespeito à consciência jurídica do país".

Segundo a nota publicada na ocasião, a CEN PT (Comissão Executiva Nacional do PT) afirmou que "a nomeação e a trajetória de Moraes, então ministro da Justiça do governo ilegítimo tornaram evidente seu despreparo, seu desprezo pelas instituições e sua parcialidade".

Natural da cidade de São Paulo, Moraes nasceu no dia 13 de dezembro de 1968. Ele foi nomeado para o Supremo pelo ex-presidente Michel Temer após a morte do ministro Teori Zavascki em um acidente aéreo. Zavascki havia sido indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2012 para o lugar de Cezar Peluso, que se aposentara ao atingir a idade limite, então de 70 anos. Na ocasião, o Senado aprovou a indicação de Moraes por 55 votos a favor e 13 contra. Aos 48 anos, ele passou, então, a integrar a corte.

Moraes era, na época, ministro da Justiça de Temer. Ele chegou ao Supremo com apoio do PSDB e era tido como um perfil mais conservador para a corte. Na época, se manifestou, por exemplo, contra a legalização do aborto e da eutanásia, por considerar que essas práticas violavam o direito à vida. Também se posicionou contra a redução da maioridade penal, mas defendeu punições mais duras para menores de 18 anos em caso de crimes graves.

O desejo de Moraes de integrar o STF era notório no meio jurídico, mas parecia improvável no curto prazo, já que em 2015 o Congresso elevou a idade máxima para aposentadoria compulsória dos ministros de 70 para 75 anos.

Enquanto o sonho estava em suspenso, falava-se nos bastidores de Brasília que seu desejo seria concorrer ao governo de São Paulo pelo PSDB em 2018.

Em meio à grave crise política pela qual passava o país, sob o impacto da operação Lava Jato, sua indicação foi alvo de críticas por sua suposta falta de imparcialidade. Para os opositores da sua nomeação, Moraes foi indicado ao Supremo para barrar as investigações contra membros do governo Temer e sua base no Congresso.

Moraes negou veementemente essas acusações nas quase 11 horas de sabatina com senadores e destacou não ser o primeiro indicado ao STF com histórico de atividade política. Na ocasião, salientou também que os coordenadores da Lava Jato elogiaram sua indicação publicamente.

Em sua fala inicial, chegou a dizer que atuaria no Supremo "com imparcialidade, coragem, dedicação e sincero amor à causa pública".

Depois, ao responder pergunta sobre sua tese de doutorado, em que defende que presidentes não deveriam poder indicar integrantes do governo para a Corte, prometeu: "Jamais atuarei entendendo que minha indicação ou eventual aprovação por vossas excelências tenha qualquer ligação de agradecimento ou favor político", afirmou.

Carreira em São Paulo

Em 15 anos, Alexandre de Moraes saiu do Ministério Público e deu início a uma trajetória que incluiu cargos de destaque na prefeitura e no governo de São Paulo.

Foi promotor de Justiça da Cidadania e assessor do procurador-geral do Estado entre 1991 e 2002, quando, aos 33 anos, se tornou o mais novo secretário de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado, escolhido por Geraldo Alckmin (PSDB), com quem voltaria a trabalhar anos depois.

Em 2005, foi escolhido para integrar a primeira composição do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ocupando a vaga reservada para um representante da Câmara dos Deputados.

Após a passagem pelo CNJ, entre 2005 e 2007, trabalhou na gestão de Gilberto Kassab (PSD) na Prefeitura de São Paulo entre 2007 e 2010. No período, acumulou os cargos de presidente da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), da São Paulo Transporte (SPTrans) e de secretário de Serviços e de Transportes, o que o transformava numa espécie de supersecretário.

Em 2015, voltou a participar de uma gestão de Alckmin, desta vez como secretário da Segurança Pública. Mas embora tenha construído uma carreira acadêmica focada nos direitos humanos, passou a ser visto com grande rejeição por movimentos sociais, que viram uma atuação "truculenta" por parte da polícia durante sua gestão.

Próximo de Temer, conquistou sua confiança ao conduzir com absoluta descrição e eficiência uma investigação que prendeu o hacker que invadiu o celular da primeira-dama Marcela e tentou extorqui-la.

Acabou nomeado como ministro da Justiça logo após a destituição de Dilma, em maio de 2016. Acumulou desgastes nos meses em que ficou no cargo, mas resistiu a editorais de grandes veículos de mídia brasileiros que pediam sua cabeça.

Em um desses episódios, o ministro precisou se explicar após supostamente antecipar uma fase da operação Lava Jato.

"Teve a semana passada, e esta semana vai ter mais, podem ficar tranquilos. Quando vocês virem esta semana, vão se lembrar de mim", disse ele a um grupo de pessoas durante campanha eleitoral de prefeito no interior de São Paulo, em setembro passado.

No dia seguinte, ele negou que tivesse adiantando ações da Polícia Federal — alegou que a afirmação ocorreu porque houve operações desde que ele havia assumido o cargo de ministro da Justiça.

Jurista experiente

Além da vida política que o projetou nacionalmente, Moraes é um jurista experiente, reconhecido no meio acadêmico.

Formado em 1990 pela prestigiada Faculdade de Direito da USP, Alexandre de Moraes obteve o título de livre-docente em direito constitucional na mesma universidade 11 anos depois.

Além de dar aulas na mesma USP e na Universidade Mackenzie, escreveu diversos livros jurídicos que se tornaram referência em direito constitucional, direitos humanos, agências reguladoras e legislação penal especial.

Apesar do sucesso como autor, enfrentou desgaste diante das acusações de plágio em suas obras.

Em 13 de maio de 2004, ganhou a honraria mais alta do Tribunal de Justiça de São Paulo, o Colar do Mérito. Foi o jurista mais jovem a receber a homenagem, aos 35 anos.

Atuou também como advogado. Em 2014, defendeu o ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB), preso pela Lava Jato, de uma acusação de uso de documento falso — ele acabou absolvido.

BBC Brasil

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