Com os ânimos acirrados, os postulantes divulgaram durante suas falas diversos dados enganosos
Sete dos candidatos à Presidência da República participaram do último debate televisivo antes do primeiro turno das eleições de 2 de outubro no Brasil.
O evento, realizado em 29 de setembro, reuniu o presidente Jair Bolsonaro (PL), o ex-mandatário Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil), Luiz Felipe D'Ávila (Novo) e Padre Kelmon (PTB).
Com os ânimos acirrados, os postulantes divulgaram durante suas falas diversos dados enganosos. Veja a seguir a checagem de algumas das declarações feitas no debate.
No evento organizado pela TV Globo a poucos dias das eleições gerais de 2022, sete candidatos debateram sobre temas como economia, meio ambiente, corrupção, saúde e educação.
1. Jair Bolsonaro diz que 'Lula defendia que se roubassem celular pra tomar uma cervejinha': Falso
A frase à qual o presidente e candidato Jair Bolsonaro faz referência foi veiculada nas redes sociais em um vídeo editado para alterar o sentido de declarações distintas do petista.
As gravações usaram trechos retirados de uma entrevista concedida pelo ex-presidente a veículos de mídia independentes de Pernambuco em 25 de agosto de 2017, também transmitida em sua página oficial no Facebook.
Uma análise da íntegra do conteúdo feita pelo AFP Checamos permitiu constatar que as declarações, feitas em momentos distintos, foram editadas e colocadas em sequência sugerindo que o ex-presidente teria afirmado que ladrões roubam celulares 'para ganhar um dinheirinho' e depois irem para 'o bar tomar cerveja juntos'.
Em um primeiro momento, ao ser questionado sobre a violência em Pernambuco, Lula atribui o aumento dos indicadores criminais à situação econômica do país. 'Vira uma indústria de roubar celular. Para que roubar um celular? Para vender, para ganhar um dinheirinho. Ora, então eu penso que essa violência que está em Pernambuco é causada pela desesperança'.
Em sequência, ele comenta sobre o ódio no país utilizando dois times locais como metáfora: 'É preciso distensionar, para a sociedade perceber que a torcida do Santa Cruz e do Sport não são inimigas, são adversárias durante o jogo. Depois vão para o bar tomar uma cerveja junto. E ainda deixam o pessoal do Náutico batendo palma do lado'.
2. O presidente também repetiu que 'toda a bancada do PT' votou contra o Auxílio Brasil na Câmara dos Deputados: Enganoso
O Partido dos Trabalhadores (PT) votou contra a PEC dos Precatórios, uma proposta do Poder Executivo que permitiu o parcelamento de dívidas da União que já foram julgadas de forma definitiva, chamadas de precatórios.
Já o programa Auxílio Brasil foi criado a partir da Medida Provisória 1.061/2021. Portanto, a proposta do governo passou a ter efeito imediato e foi posteriormente ratificada pelo Congresso.
O governo federal argumentava que a aprovação da PEC era necessária para pagar o Auxílio Brasil às famílias mais vulneráveis, pois o parcelamento das dívidas da União disponibilizaria mais espaço fiscal para financiar o programa.
Mas o PT era contra a proposta por argumentar, dentre outras críticas, que seria um 'calote' das dívidas que a União possui. Ou seja, o PT se posicionou contra a PEC dos Precatórios nas votações de primeiro e segundo turno na Câmara dos Deputados.
A MP 1.061/2021, criadora do Auxílio Brasil, foi aprovada pela Câmara dos Deputados sem nenhum voto contrário em 25 de novembro de 2021. O PT, portanto, está entre os partidos que aprovaram o texto-base da medida na Câmara.
Uma outra Medida Provisória, a MP 1.076/2021, garantiu que o benefício pago pelo Auxílio Brasil teria um valor mínimo de R$ 400. O PT também votou de maneira favorável à proposta na Câmara dos Deputados.
A mudança do valor de R$ 600 para o Auxílio Brasil foi garantido após a aprovação da PEC 1/2022, anexada à PEC 15/2022. Na votação em primeiro turno da proposta na Câmara dos Deputados, o PT votou majoritariamente a favor e apenas um deputado do partido votou contra a PEC. O mesmo ocorreu na votação em segundo turno da proposta na Câmara.
3. Ao falar sobre a covid-19, o mandatário afirmou que 'nenhum país do país do mundo comprou vacina em 2020': Falso
Ao contrário do que afirmou o presidente, não só havia doses disponíveis à venda, como elas começaram a ser distribuídas no mundo. De acordo com dados do Our World in Data, até 31 de dezembro de 2020, mais de 5 milhões de doses foram aplicadas apenas nos Estados Unidos.
Países vizinhos como Argentina, Chile e México estavam à frente do Brasil no início da vacinação, tendo administrado, respectivamente, cerca de 32 mil, 9 mil e 25 mil doses até o fim de 2020.
4. Bolsonaro indicou que o Brasil tem dois terços de suas florestas preservadas 'da mesma maneira quando Pedro Álvares Cabral aqui chegou': Sem contexto
Segundo um levantamento feito pelo projeto MapBiomas e publicado em agosto de 2022, é verdadeiro que o Brasil tem cerca de 66% de seu território coberto por vegetação nativa. A taxa, portanto, é próxima daquela citada pelo atual presidente.
Entretanto, a fala do candidato à reeleição omite que parte dessa vegetação já foi desmatada ao menos uma vez. O mesmo projeto indica que 8,2% da vegetação nativa do Brasil é secundária, ou seja, já sofreu desmatamento.
5. O ex-presidente Lula voltou a dizer que foi 'absolvido em 26 processos' pelo STF e pela ONU: Enganoso
Embora atualmente o ex-presidente seja considerado juridicamente inocente, especialistas explicaram à AFP que não é correto falar em absolvição pela ONU e pelo STF.
Isso porque, em ambos os casos, essas entidades não julgaram o mérito das acusações contra Lula, e sim a condução dos processos contra o candidato do PT.
Foram dois principais julgamentos no STF envolvendo Lula e a Lava Jato. A primeira foi a decisão do ministro Edson Fachin sobre a 'incompetência' da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar os processos de Lula e, posteriormente, o julgamento sobre a suspeição do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro.
O STF explicou ao Checamos em 9 de março de 2021 que Fachin não analisou o mérito das acusações levantadas contra Lula, mas que reconheceu que houve um erro processual e que Lula não deveria ter sido julgado pela 13ª Vara de Curitiba.
As decisões a respeito de Moro tampouco significam que o STF 'absolveu' Lula, na visão doutora em Direito Penal e professora da Fundação Getúlio Vargas Raquel Scalcon. Segundo a especialista, na medida em que o STF concluiu que Lula não teve acesso a um julgamento justo por ter declarado Moro parcial, os processos apenas 'retornaram à estaca zero'.
Um levantamento feito pela AFP a respeito dos 26 processos contra Lula indica que em dez casos não houve julgamento do mérito, e as denúncias não seguiram adiante por questões processuais, como prescrição de alguns casos.
Além disso, o professor de Direito Internacional Público e coordenador do curso Clio Guilherme Bystronski explicou à AFP que a ONU não poderia absolver o ex-presidente. 'Ele não foi absolvido [pela ONU]. Não [...] teria nem como a Corte Interamericana de Direitos Humanos absolver. Absolvição em relação à matéria penal tem que ser no Brasil', disse.
6. Bolsonaro reafirmou que seu governo é 'limpo, sem corrupção, orgulho nacional': Enganoso
No entanto, diversas pastas do governo Bolsonaro foram alvo de denúncias por corrupção.
Em junho de 2021, Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, foi acusado de pedir propina para autorizar a compra de vacinas contra a covid-19 pelo governo.
A pasta da Saúde já havia sido alvo de suspeitas quando documentos do Itamaraty mostraram que o governo negociou a compra da vacina indiana Covaxin por um preço 1.000% maior do que o anunciado seis meses antes pela fabricante.
O Ministério do Meio Ambiente também foi investigado, por meio de seu então ministro, Ricardo Salles. Em abril de 2021, uma operação da Polícia Federal teve Salles como alvo por suspeita de agir em favor do interesses de madeireiros investigados por extração ilegal.
Já o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi alvo de denúncias em março de 2022 por suposto tráfico de influência e corrupção para liberação de recursos públicos em favor de aliados políticos e pastores evangélicos.
De maneira similar, em outubro de 2019, Marcelo Álvaro Antônio, que então comandava o Ministério do Turismo, foi indiciado por supostos crimes envolvendo candidaturas do PSL, partido que elegeu o presidente Jair Bolsonaro em 2018.
Outra suspeita no governo Bolsonaro envolve o 'orçamento secreto', relacionado a suspeitas de fraudes na compra de ônibus escolares, caminhões de lixo e tratores. O mecanismo não é ilegal, mas dificulta a fiscalização do destino dos recursos.
AFP / Estado de Minas