O aparelhamento político-ideológico da máquina pública é um completo desastre: prejudica a prestação de serviços públicos à população, estimula a divisão do País e promove conflitos
Uma das prioridades do País para o próximo governo é o desaparelhamento político-ideológico da máquina estatal, medida essa que pode não apenas promover uma administração pública mais eficiente, como contribuir de forma significativa para a pacificação social e a recuperação do tecido social. O governo de Jair Bolsonaro inundou a estrutura estatal de quadros não técnicos, alçando, por motivos ideológicos, pessoas absolutamente desqualificadas a cargos fundamentais do Estado. Além de privar a população dos serviços públicos necessários, o aparelhamento político-ideológico perverte o funcionamento da máquina estatal: em vez de promover desenvolvimento social e econômico e de reduzir desigualdades, ele causa atritos, persegue quem pensa diferente, gera privilégios, reproduz ineficiências e facilita a ocorrência de casos de corrupção. É um completo desastre: inconstitucional, antirrepublicano e, como se viu nas áreas da educação, da saúde e da cultura, rigorosamente irracional e desumano.
O Ministério da Educação de Bolsonaro talvez seja o exemplo mais infame dessa loucura de achar que os serviços públicos não estão a serviço do público, mas dos devaneios de quem está no poder. A sucessão de ministros da Educação que nada entendiam de políticas públicas educacionais – lá estavam porque integravam o núcleo ideológico do bolsonarismo – produziu uma irresponsável desorganização da área, que será sentida por gerações. Além disso, a pasta mais ideológica foi berço de muita picaretagem e de graves escândalos de corrupção.
É preciso devolver o Estado aos brasileiros. A administração pública não existe para servir a causas ideológicas, seja qual for a sua orientação. O dinheiro do contribuinte não pode ser usado para a defesa de determinadas “bandeiras”, sejam elas progressistas, conservadoras ou reacionárias, pois isso foge aos fins do Estado. Os recursos estatais não estão à disposição das causas culturais, filosóficas ou religiosas de quem assumiu o poder. Num Estado Democrático de Direito, eles devem estar a serviço de políticas públicas baseadas em evidências, que atendam de forma eficiente toda a população, em especial as pessoas mais vulneráveis.
É notório que Jair Bolsonaro, contrariando a Constituição que jurou defender e os mais comezinhos princípios do liberalismo político, usou o cargo para promover bandeiras ideológicas de seus apoiadores (como se o poder público tivesse a função de moldar a sociedade à imagem e semelhança do governante de plantão) e para favorecer entidades religiosas que nem sequer cumprem suas obrigações perante a lei – por exemplo, não honram seus débitos previdenciários. O caráter laico do Estado exige isenção.
O desaparelhamento político-ideológico é uma tarefa urgente e trabalhosa, até porque essa manipulação antirrepublicana da máquina pública não nasceu com Jair Bolsonaro. Em seus 13 anos no Executivo federal, o PT inundou a administração pública com nomeações ideológicas, indicando, muitas vezes, “companheiros” sem qualquer aptidão ou experiência para o cargo. A legenda de Lula nunca compreendeu muito bem a diferença entre o partido (entidade privada que serve aos interesses de seus associados e simpatizantes) e o aparato estatal (entidade pública que deve servir a todos, mesmo que não sejam petistas). Não à toa, nos governos do PT foram gestados e implementados os escândalos do mensalão e do petrolão.
Mas o aparelhamento político-ideológico da máquina pública por parte do PT gerou não apenas denúncias de mau uso dos recursos públicos. A população notou, em diversas áreas, a tentativa petista de impor uma específica compreensão de mundo, como se o Estado tivesse alguma competência para moldar o pensamento das pessoas. A manobra produziu um inédito esgarçamento do tecido social – e um profundo antipetismo em muitas famílias.
O País precisa de paz. É urgente resgatar um Estado que, livre de concepções autoritárias, respeite a diversidade de opiniões e que se proponha a servir a todos, sem discriminações e sem imposições. A República pede igualdade.
O Estado de São Paulo