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segunda-feira, janeiro 04, 2021

“O Estado não foi feito para enriquecer seus agentes”, diz Augusto Aras

 Osvaldo Lyra


O procurador-geral da República, Augusto Aras, é enfático ao falar do fortalecimento das ações de combate à corrupção no país. Ao apresentar dados do Ministério Público Federal, o PGR disse que existem hoje, em curso no Brasil, “18.284 investigações de combate à corrupção”. Para ele, a crise percebida no último ano dentro do MPF se deu pela falta de institucionalidade e pela informalidade nas forças-tarefas. “O Estado não pode viver sob a égide da informalidade”. Em sua residência em Salvador, o procurador-geral da República disse ao A TARDE que os inquéritos que abertos e levados ao STF “conferiram estabilidade ao país e freou um avanço extremista”. Ao ser questionado sobre a politização entorno das vacinas, ele disse que “não cabe ao Ministério Público, à magistratura, dizer se a vacina A, B ou C é boa ou ruim”. Isso tem que ficar a cargo da ciência. Confira:

Dr. Augusto, que avaliação o senhor faz do trabalho à frente da Procuradoria Geral da República?

Graças à colaboração dos meus colegas, eu pude delegar funções ao vice-procurador geral da República, a outros colegas que atuam nas ações penais originárias do Superior Tribunal de Justiça, nas atividades das operações das forças-tarefas a outros colegas, as questões do enfrentamento da Covid à colega Célia Delgado. Nós temos uma corregedoria geral do Ministério Público que atua em consonância com a Corregedoria Nacional do Ministério Público. Nós temos várias delegações da PGR. Essas delegações, que são um ato de confiança na competência, na seriedade, na eficiência desses colegas, resultaram em algo extremamente importante, que é o fato de nós ternos em um ano recuperado ativos de corrupção de quase R$5 bilhões, nós termos potencializado o combate à corrupção, o que chega a quase 200 pessoas com prerrogativa de fórum no Supremo e no STJ que foram presas ou estão afastadas de seus cargos e mandatos eletivos ou estão sendo processadas criminalmente ou investigadas, ou são destinatários de busca e apreensão. Quase 200 pessoas. Nós tivemos o maior número de ações constitucionais. Tudo isso supera os últimos seis anos das gestões que me antecederam. Evidentemente que o procurador-geral não é o responsável sozinho por essas conquistas institucionais, mas o conjunto de colegas que contribuem para que números e resultados se apresentem de forma efetiva, de forma realista no ambiente da nossa instituição.

Impasses da PGR com integrantes da Operação Lava-Jato mostraram a falta de unidade no Ministério Público Federal. Essa fase de tensionamentos passou? Ficaram sequelas?

O grande problema das forças-tarefas sempre foi a sua falta de institucionalidade, a sua informalidade. Nosso desafio é exatamente conferir institucionalidade. Nós criamos os primeiros Gaecos [Grupo de Atuação Especial ao Crime Organizado] federais. Embora já houvesse previsão normativa desde 2014, somente na minha gestão foram criados os primeiros Gaecos. Dos estados que ainda carecem desses grupos por falta de manifestação das unidades locais falta o Rio de Janeiro. Os Gaecos são órgãos que têm projeto, planejamento, execução e, inclusive, têm verba orçamentária. O que não podíamos fazer é deixar que cada força-tarefa fosse um Ministério Púbico distinto, mas o responsável pelo pagamento dessas despesas, de passagens aéreas e outras tantas despesas, ficasse no CPF do procurador-geral da República. Isso é a marca da informalidade. O Estado não pode viver sob a égide da informalidade. A forma é para o Estado o requisito de validade dos atos. Toda informalidade, como a das forças-tarefas até então existentes, antes da minha gestão, não tinha início, meio, nem fim. Isso gerou várias disfuncionalidades. Desde a questão orçamentária, quando o procurador-geral não tinha nenhum controle, mas podia controlar indiretamente fechando algum gargalo ou não. E eu não fechei nenhum gargalo de força-tarefa. Pelo contrário, apoiei todas as forças-tarefas, mas exigi que elas se adaptassem à institucionalidade através dos Gaecos. E mais que isso. Sem controle, até disciplinar, nós vimos alguns excessos que vêm sendo corrigidos. O certo é que hoje nós estamos avançando muito com os Gaecos. Acredito que uma das grandes bandeiras da minha gestão é a unidade institucional. Quando eu tomei posse, havia, na verdade, vários Ministérios Públicos Federais dentro de um único MPF e é impossível que isso aconteça dentro do âmbito do Estado.

Qual o momento mais delicado que o senhor passou à frente da Procuradoria ao longo desses 15 meses?

Todos os momentos são delicados porque o cargo de procurador-geral da República é um cargo ocupado por uma autoridade monocrática, assim como o presidente da República. Diferentemente dos presidentes do Senado, Câmara Federal, do Supremo Tribunal Federal, que dirigem órgãos colegiados. Os órgãos monocráticos são muito mais cobrados pela sociedade, pela imprensa porque todos os acertos, ou não, são cobrados do seu titular. Não são cobrados de um colegiado pequeno ou grande. Então, a importância do procurador-geral da República, qualquer que seja o titular, decorre exatamente da compreensão dos grandes temas nacionais. E na nossa gestão enfrentamos grandes temas nacionais, a começar pela discussão, logo após a minha posse, do compartilhamento dos dados do UIF/COAF, depois a prisão em segunda instância. Em seguida, nós tivemos a questão da Covid, da competência concorrente da União, dos estados e municípios. Enfim, quantos temas nós temos debatido? A questão da liberdade de expressão, do inquérito dos atos antidemocráticos que vinham crescendo e eu diria que, em razão das nossas atividades institucionais, mesmo diante aquele extremismo que avançava numa rapidez imensa, conseguimos fazer cumprir as leis do país e a Constituição e demos estabilidades junto com as medidas adotadas perante o Supremo Tribunal Federal. Então, não há um dia que não seja delicado. Todos os dias são singulares, porque o Brasil tem temas causas complexas. E a pauta que o ministro Fux já lançou para 2021 revela o quanto o Supremo e a PGR vão ser demandados.

Como o senhor tem visto o trabalho da Procuradoria no enfrentamento da pandemia e essa ameaça real do crescimento de infecções e de uma segunda onda no país?

Primeiro, temos que entender que o sistema de justiça não trabalha com incertezas empíricas que são aquelas que demandam investigações científicas. São aquelas acerca das quais não existe certeza científica e nem jurídica. O universo do operador do Direito é o universo das relações jurídicas. Só excepcionalmente é que o operador do Direito trabalha com relações factuais. Isso é uma exceção no Direito. Então, não cabe ao Ministério Público, à magistratura, dizer se a vacina A, B ou C é boa ou ruim. Isso compete aos órgãos científicos, à Academia, às instituições que cuidam dessa área extra jurídica. Isso revela que o sistema de Justiça precisa se louvar exatamente na Academia, nos órgãos técnicos oficiais para dizer se a Covid, se a vacina da Covid, se o tratamento medicamentoso é eficaz ou não. Então o juiz, promotor e procurador não têm autoridade médica, biológica, científica para determinar o que fazer. Deve-se louvar nos órgãos técnicos competentes.

Preocupa a politização que a gente vê ainda no cenário nacional entre os atores da política?

Olha, a politização, como fato social relevante, ocorre em muitos momentos. Houve um tempo em que a politização estava no futebol, com João Havelange e os governantes da época. Houve um tempo em que a politização já estava no carnaval. E houve um tempo corrente em que a politização se trava entre os três poderes de uma forma atípica. Então é muito importante que nós compreendamos que a cidadania e o avanço civilizatório aumentam o grau de civilidade, de civismo e promovem uma politização. O ruim da politização é quando isso ganha o extremismo. Mas a discussão de todo e qualquer assunto relevante socialmente há de ser objeto de debate. Tudo isso é absolutamente necessário. A busca pelo consenso social faz essa saudável politização. Agora, jamais admitamos o extremismo. Os extremos não combinam com a democracia.

O clima político arrefeceu no país ou vivemos ainda sob uma onda extremista?

Eu acho que os inquéritos que abrimos e levamos ao STF conferiram estabilidade ao país e freou um avanço extremista que nós não conhecíamos. E eu diria aqui de forma muito tranquila: o Governo Federal esteve mantendo sua capacidade de enxergar essa estabilidade como algo positivo. Não se viu, pelo menos de forma consciente, atos de Governo Federal que propiciassem o extremismo. O estilo de alguns membros do Poder Executivo pode ser entendido por alguns como uma forma enfática. Mas não vamos confundir extremismo social, que foi o que nós vimos no inquérito 4828, que apura organização desses eventos antidemocráticos, com manifestações individuais que estão no contexto da liberdade de expressão, que, na esteira do modelo americano, a Suprema Corte Brasileira adotou como o primeiro dos princípios constitucionais brasileiros. Então não podemos confundir liberdade de expressão de quem quer que seja com o extremismo sistêmico, organizado, patrocinado por determinados segmentos sociais. Esses sim são objetos do inquérito 4828 que investiga atos antidemocráticos.

Como o senhor vê os eventuais excessos na Magistratura e nos operadores do direito?

Os excessos de todos os segmentos que atuam em nome do Estado devem ser punidos. Devem ser coibidos, devem ser objetos de fiscalização permanente. O contribuinte que paga os agentes públicos, todos os poderes, todos os órgãos autônomos de toda a administração pública, não pode ser vítima daqueles que recebem do seu sacrifício de 5 meses por ano que ele trabalha para sustentar o Estado. Então é preciso que nós estejamos atentos a todos os agentes públicos. O Estado não foi feito para enriquecer seus agentes. O Estado é uma construção do nosso processo civilizatório para promover a vida harmônica e o bem estar social.

Como o senhor vê os avanços das investigações da Operação Faroeste?

A Operação Faroeste teve início, não com esse nome, mas os atos de investigação começaram em 2012. Passaram por quatro gestões da PGR. Então eu sou o quarto PGR a receber esse manancial de informações, processos, procedimentos em curso. De alguma forma, a execução desses atos investigatórios na via judicial veio a acontecer na minha gestão. Mas justiça se faça aos meus antecessores. Todos eles conduziram essas investigações de forma regular durante todos esses anos. Agora o futuro dessas investigações vai depender muito de tudo que ainda vai ser apurado nos materiais sob análise encontrados nas buscas e apreensões, nas delações premiadas e nas investigações ainda em curso. Então nós não sabemos quando termina... O que nós sabemos, é que as instituições do sistema de justiça e as instituições em geral não podem ser objeto de generalizações ou extirpadas. Elas devem se auto retificar. Se elas não conseguem se auto retificar, se auto conter, os demais entes do Estado e que são encarregados de fiscalizar e controlar em um grande sistema de freios e contrapesos, compete retificá-las, não acabá-las.

Muitos adjetivos marcaram a atuação de quem o antecedeu. Entre eles, de “Engavetador Geral da República”. Como o senhor pretende ser lembrado pela sua passagem pela PGR? Como um pacificador?

A marca mais importante que eu quero deixar é que eu cumpri a Constituição e as leis do meu país. E a de “engavetador” passa longe. Basta dizer a você, isso é muito importante, que na minha gestão, e a primeira vez na história da Procuradoria Geral da República que em fevereiro não haverá processo pendente. Todos os processos estarão em dia, nós não teremos passivo no nosso acervo. Tanto o passivo que eu recebi, quanto todos os processos da minha gestão, zerados. Chegaremos a fevereiro com a Procuradoria Geral zerada no seu acervo. Quem faz isso só pode dizer que não lhe cabe nenhum epíteto dessa natureza ofensiva à dignidade das pessoas que cumprem com seu dever constitucional

A Tarde

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