Charge do Moa (Arquivo Google)
Carlos Newton
A Organização Globo vive sua pior fase pós-Roberto Marinho, que fez o possível e o impossível para se tornar sucessor de Assis Chateaubriand como detentor do chamado Quarto Poder. Marinho não mediu esforços, até crimes cometeu, mas quando foram descobertos já estavam prescritos, vejam que não é de hoje a blindagem do decorrer do tempo para beneficiar criminosos de elite, isso vem de muito longe.
Com problemas financeiros e empenhada no maior programa de contenção de despesas já traçado desde a fundação da TV Globo do Rio, em 1965, a organização está colhendo os frutos da linha de jornalismo independente adotada há alguns anos, quando os irmãos Marinho admitiram que o apoio do pai à ditadura militar tinha sido um erro.
EM QUEDA – Ao abandonar a velha política de apoiar qualquer governo, não importa qual seja, a Globo começou a perder os privilégios oficiais, digamos assim, e a queda do faturamento veio se agravar devido à crise econômica que atinge o país desde o governo Dilma Rousseff.
Com a vitória de Jair Bolsonaro, havia a expectativa de um governo de inspiração militar que colocasse o país em ordem, mas foi só uma ilusão à toa. Quase um ano após a posse, o Brasil vive uma esculhambação institucional jamais vista e ninguém sabe qual dos três Poderes é o mais nefasto.
Nesse clima sinistro, vai se desenrolando o rompimento da Globo com o governo, que veio a culminar com o caso do porteiro do condomínio “Vivendas da Barra”. Na cobertura, o Jornal Nacional conseguiu informações sigilosas e as colocou no ar, numa reportagem bombástica, mas desde o início esclarecendo que havia um erro na declaração do porteiro, que julgara estar falando com Jair Bolsonaro e dera depoimentos nesse sentido.
CONTRA-ATAQUE -O presidente respondeu com todas as suas armas, ameaçou cortar a publicidade e exercer rigor total na renovação da concessão da emissora, um processo que Bolsonaro não sabe, mas é cheio de furos, a partir da indefensável ilegalidade da concessão da TV Paulista, hoje TV Globo de São Paulo, responsável por mais de 50% do faturamento da rede.
E o inesperado aconteceu, diria o compositor Johnny Alf. Ao invés de demonstrar altivez e independência, a Globo pediu logo arrego e na quarta-feira, dia 30, mudou o foco da matéria, sem nem mesmo contestar a desfaçatez das promotoras, que se apressaram a afirmar que o porteiro mentiu, e esses excessos agora comprometem a atuação delas no caso, deveriam se declarar suspeitas, na forma da lei, e ir procurar sua turma.
Na verdade, a suposta má fé do porteiro não se sustenta nos fatos. Ele preencheu normalmente a ficha do visitante. Seu único erro foi pensar ter falado com Jair Bolsonaro (JB, na ficha), um engano passível de ocorrer, pois as ligações de interfone, mesmo por computador, não são nada perfeitas, às vezes há interferências que dificultam a identificação da voz.
QUESTÃO PRINCIPAL – A Globo não levantou também a principal questão. Que interesse teria esse porteiro para mentir contra um morador poderoso, que na época era deputado federal e tinha duas casas no condomínio?
Com toda certeza, a procuradora Simone Solibio se excedeu ao dizer que o porteiro mentiu, porque os depoimentos dele são confirmados pela ficha que ele mesmo preencheu no momento da visita, cuja imagem a TV Globo exibiu terça-feira. A única informação estaria (?) errada foi sobre quem atendeu ao interfone. Todas as demais estão corretas, inclusive o fato de não estar registrada a saída do ex-PM Élcio Queiroz (será parente do famoso sargento Queiroz, das rachadinhas?), pois o carro dele ficou no condomínio e ele saiu no veículo Chevrolet Cobalt usado no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.
A TV Globo medrou geral, como se diz atualmente, porque também não se interessou em explorar o fato de o registro de visitantes ter sofrido manipulação, com a planilha digital alterando a ficha original preenchida pelo porteiro. Nesta nova versão digitalizada, exibida por Carlos Bolsonaro, a casa visitada teria sido a 65,do sargento PM Ronnie Lessa, e não a 58 de Bolsonaro.
HISTÓRIA MAL CONTADA – Há muitos pontos nebulosos. Na quarta-feira, quando Carlos Bolsonaro colocou nas redes sociais a nova versão digitalizada, que sofreu manipulação, foi indagado como teve acesso a ela tão rapidamente. E ele respondeu: “Porque sou morador”. É muito estranho, não acham?…
Aliás, tem muito mais coisa estranha nisso. Dizem que o sistema de interfone é por computador, que conecta o interfone do porteiro aos telefones fixos das casas do condomínio. Se ninguém atender, o sistema transfere automaticamente a ligação do porteiro para o celular do morador. Ou seja, se não havia ninguém na casa 58, a ligação do porteiro teria batido no celular de Bolsonaro lá em Brasília. Mas a TV Globo não explorou nada disso, preferiu culpar o empregado do condomínio.
Se na matriz USA foi descoberto que excluíram da gravação da Casa Branca trechos da conversa entre Donald Trump e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, por que não se pode levantar a hipótese de que na gravação da portaria do condomínio “Vivendas da Barra” possa ter sido excluída a conversa do porteiro com o interlocutor da casa 58?
A FOLHA APUROU – A TV Globo recuou na quarta-feira, mas no dia seguinte a Folha correu atrás das denúncias da Tribuna da Internet sobre manipulação da planilha e possibilidade de fraude na gravação, publicadas às 06h15m. E às 15h14m a Folha publicava o resultado da reportagem baseada na TI, mas sem nos citar, é claro…
E na noite desta mesma quinta-feira a TV Globo ressuscitou e reproduziu a reportagem da Folha em longa matéria no Jornal Nacional, citando o jornal paulista, é claro, como se fosse a origem das denúncias exclusivas da Tribuna da Internet.
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P.S. 1 – Talvez a Folha e a TV Globo acordem e decidam hoje apurar como funciona o sistema de interfone do condomínio. Se for por computador, como o jornalista Luís Nassif afirmou em seu site, isso significa que o porteiro pode ter ligado para o telefone da casa 58, onde não havia ninguém, e a ligação foi rebatida automaticamente para o celular de Bolsonaro, que lá de Brasília então autorizou a entrada do ex-PM Queiroz, digo Élcio Queiroz, para não confundir com o famoso sargento Fabricio. Seriam parentes?
P.S. 2 – Como diz o jornalista Vicente Limongi, “botar a culpa no mordomo é coisa do passado, agora quem paga o pato é o porteiro”. (C.N.)