Carlos Chagas
Vale começar com a diretriz que o então chefe da Quinta Frota da Marinha dos Estados Unidos, no Pacífico, enviou aos navios sob seu comando: “A GUERRA COM O JAPÃO TERMINA ÀS 12 HORAS DO DIA 15 DE AGOSTO DE 1945. É POSSÍVEL QUE DEPOIS DISSO OS KAMIKASES ATAQUEM A FROTA, NUMA ARREMETIDA FINAL. QUALQUER AVIÃO INIMIGO QUE ATAQUE A ESQUADRA DEVE SER DERRUBADO DE MANEIRA AMIGÁVEL.”
Aplica-se a lição para o confronto verificado entre o PT e o PSDB, quer dizer, entre os partidários de José Serra e de Dilma Rousseff. Derrota, propriamente, não houve de nenhum dos lados, a batalha final só será travada em outubro. Mas assessores de lá e de cá, aproveitando as Festas de Natal e Ano Novo, celebraram uma espécie de cessar fogo nas baixarias. Nem o governador aproveitará para desancar o governo Lula, nem a chefe da Casa Civil centralizará sua campanha nas omissões do governo Fernando Henrique. Ambos, ao menos no plano das intenções, deverão voltar-se para o futuro, ou seja, pedir votos relacionando programas a desenvolver e objetivos a alcançar. Tudo muito bonitinho, a ver se acontece mesmo.
O problema é que importante cacique do PT, preocupado, procurou o ainda presidente do partido, Ricardo Berzoini, para saber como reagir se algum tucano atabalhoado, á maneira dos kamikases, investir com virulência sobre o presidente Lula e seus ministros. A resposta foi muito semelhante à do comandante da Quinta Frota: “amigavelmente, pau nele!”
A gente fica pensando até quando o espírito natalino presidirá as preliminares da campanha eleitoral, mas, ao menos até agora, tanto Serra quanto Dilma dão a impressão de respeitar o armistício.
Um novo governo Lula?
Não dá para entender o tal decreto do Plano Nacional dos Direitos Humanos, que o presidente Lula assinou sem ler. Porque a leitura detalhada do texto revela a divulgação de um novo e monumental plano de governo. Se quiserem, até mesmo de um anteprojeto de revisão da Constituição, tantas e tamanhas as propostas enunciadas, aliás, jamais sugeridas ou implementadas nos últimos sete anos. Uma revolução do tipo Hugo Chavez.
O decreto transcende olimpicamente a questão dos direitos humanos. Vai além da necessidade de revisão da Lei de Anistia e da punição para torturadores, inclusive dos tempos do regime militar.
Prega a criação de empecilhos à outorga e renovação das concessões para empresas de rádio e televisão, subordinando-as a “critérios de acompanhamento editorial”, isto é, aos interesses políticos de quem estiver detendo o poder. Ressuscita a taxação de grandes fortunas, estabelecendo um novo imposto a ser lançado conforme visão específica do governo federal. Diferencia os regimes de fiscalização de empresas brasileiras e de empresas multinacionais. Agride a competência do Congresso, que até hoje não quis aprovar o financiamento público das campanhas eleitorais. Pretende vulgarizar a realização de plebiscitos, referendos, leis de iniciativa popular e vetos populares, novamente atropelando as prerrogativas parlamentares. Reconhece o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Altera o papel das Polícias Militares, atingindo a autonomia dos governos estaduais.
Em suma, o governo define inovações daquelas possíveis apenas por ação do poder constituinte originário, das Assembléias Nacionais Constituintes, ou derivado, dos Congressos. Seria esse decreto um programa para Dilma Rousseff? Ou um plano que o presidente Lula não poderia executar apenas nos meses que lhe restam de mandato, abrindo as portas, assim, para… (cala-te, boca).
Pode também não ser nada disso. Só fantasias de algum aloprado.
Tempo quente
Vai esquentar o tempo, aqui em Brasília, menos porque o governador Arruda perdoou e espera ser perdoado, mais porque o presidente da Câmara Legislativa está reassumindo suas funções. Grupos sindicais e estudantís preparam, nesta segunda-feira, manifestação para ninguém botar defeito. Vão para as ruas em protesto ao retorno do deputado Prudente, aquele do dinheiro nas meias. Afinal, será ele a conduzir a tramitação dos pedidos de impeachment do governador, bem como as investigações sobre colegas igualmente flagrados recebendo altas somas em espécie.
A Polícia Militar parece haver tomado juízo, recolhendo a cavalaria depois do primeiro entrevero com a população, mas se os manifestantes também não puderem conter os seus radicais, as coisas irão repetir-se ou ficar ainda piores. Renunciar por conta do vexame, ninguém renuncia, a começar por José Roberto Arruda.
Fonte: Tribuna da Imprensa