Alta do PIB naquele ano foi 3%, e desemprego, segundo menor da série
Por Cristiano Romero (foto)
Quando as “Jornadas de Junho” levaram milhões de brasileiros às ruas, em meados de 2013, a taxa de desemprego estava em torno de 7%. Na média daquele ano, foi de 7,3%, a segunda menor da série histórica apurada pelo IBGE. Embora a Grande Recessão (2014-2016) já estivesse "contratada", em consequência das mudanças feitas pelo governo Dilma Rousseff no arcabouço macroeconômico que vigorava no país desde o início do segundo mandato (1999-2002) do presidente Fernando Henrique Cardoso, a maioria absoluta dos cidadãos não tinha razões objetivas para se queixar da situação.
Naquele momento, com exceção de analistas independentes (que não dependem do governo para viver) e de setores da imprensa, ninguém imaginava o tamanho da crise que vinha pela frente. Como sempre ocorre no Brasil, quem tem coragem de, no auge da festa, alertar para os ricos de turbulência é logo acusado de impatriota, desonesto, senão, ignorante ou burro mesmo. A estes observadores da cena política e econômica nacional, um conselho: mantenha-se honesto intelectualmente porque alguém, em algum lugar deste imenso país, está aprendendo com seus alertas.
Entre 2004 e 2013, o Produto Interno Bruto (PIB) do país avançou, em média, 4,04% ao ano. No índice, está incluído o ano de 2009, quando o PIB recuou 0,9%, em decorrência da crise financeira mundial, conhecida como a “Grande Recessão”. Trata-se desempenho bem razoável quando comparado ao da década anterior, embora, no mesmo período, nossos pares do mundo em desenvolvimento e dos mercados emergentes tenham crescido num ritmo maior.
No primeiro ano (2011) do mandato da presidente Dilma, a economia nacional diminuiu o passo, mas, ainda assim, cresceu 4% - segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), bem abaixo da média das emergentes e em desenvolvimento (6,4%), mais que o dobro das economias avançadas (1,8%) e em linha com a média mundial (4,3%). No ano seguinte, tudo piorou, aqui e no mundo: o Brasil cresceu apenas 1,9%, seus pares, 5,4%, os ricos, 1,2%, e o planeta, na média, 3,5%.
Dilma começou a mudar em agosto de 2011 a política econômica que herdou de Luiz Inácio Lula da Silva. É fastidioso tocar nesse ponto novamente, mas foi aquela política que, ao controlar a inflação, dar sustentabilidade às finanças públicas, criar espaço para o aumento dos gastos com assistência social (o Bolsa Família foi criado, desenvolvido e consolidado naqueles anos) e praticamente dobrar a velocidade de crescimento da economia, tornou Lula, talvez, o maior líder popular da história, superando, inclusive, o “pai dos pobres”, Getúlio Vargas.
É importante observar pelo menos dois fatores que distinguem os maiores líderes populares do Brasil entre 1930 e 2018. Getulio Vargas comandou o país por quase 20 anos, mas só foi eleito pelo povo uma vez, para o mandato iniciado em 31 de janeiro de 1951 e interrompido em 24 de agosto de 1954, quando ele cometeu suicídio no Palácio do Catete. Chegou ao poder por meio da chamada "Revolução de 1930". De 1930 a 1934, foi chefe do "governo provisório". Em 1934, foi escolhido presidente em eleição indireta promovida pela Assembleia Constituinte que elaborou nova Constituição. Em 1937, golpeou a democracia, tornou-se ditador e, assim, ficou no poder até 1945.
Getúlio foi um populista clássico, no sentido de prometer à população aquilo que o Estado não tem como atender - e, se o faz, desorganiza as finanças, semeando crises que, adiante, prejudicam principalmente os mais pobres, público-alvo das promessas inexequíveis. É evidente que não se pode resumir Getúlio Vargas apenas à figura de populista. Sem justificar suas vicissitudes, lembremo-nos de que os tempos eram outros, a democracia era bem mais frágil, portanto, a complexidade da política nacional, maior. Uma das frases antológicas de Getúlio é prova disso: “No Brasil não basta vencer a eleição, é preciso ganhar a posse!”. O getulismo - e, portanto, o antigetulismo - dominou a disputa pelo poder entre 1930 e 1989.
Em 1989, ao superar Leonel Brizola no primeiro turno da eleição, ganhando o direito de decidir o pleito com Fernando Collor de Mello, Lula marcou o fim do getulismo, uma vez que passou a ser o protagonista do campo político (a esquerda e a centro-esquerda) antes dominado por Getúlio e seus herdeiros políticos. O petista disputou cinco eleições diretas e venceu três. Candidatos escolhidos pessoalmente por ele concorreram em três oportunidades, tendo vencido em duas.
Apesar dos arroubos de alguns correligionários, Lula não ameaçou a ordem institucional, não quis mudar as regras do jogo para estender sua permanência no poder e não pode ser acusado de ter sido um populista per se. Muitas vezes, pode ter discursado como um populista, mas, na prática, as decisões respeitaram os limites impostos pelas leis - ao contrário do que fez a sua sucessora. No segundo mandato, Lula começou a flexibilizar a política econômica, porém, manteve os compromissos fiscais e a autonomia informal do Banco Central (BC).
Com 85% de aprovação em 2010, último ano do segundo mandato, o petista escolheu, sem ouvir a opinião sequer de seus conselheiros no PT, o candidato para disputar a sucessão. Até então desconhecida da população, Dilma, portanto, foi eleita graças ao sucesso da política econômica de seu antecessor.
Dilma implantou em etapas, desde agosto de 2012, o que ficou conhecido como "Nova Matriz Econômica (NME)". Primeiro, acabou com a autonomia do BC de decidir a taxa de juros e também a variação da taxa de câmbio. O outro pilar do tripé - a política fiscal - foi sendo alterado a partir dos efeitos de juros e câmbio na atividade.
Diante da NME, empresários e consumidores começaram a ficar pessimistas, mas a crise real, aquela que se sente no bolso, só se materializou mesmo em 2014. Por que, então, os protestos difusos das "Jornadas de 2013" foram tão ruidosos, a ponto de transformar o governo Dilma e o PT seus principais alvos ao longo das manifestações? (Esta série continua na próxima semana)
Valor Econômico