É incrível que, neste Brasil, não se admita nem se tente corrigir uma visão de política econômica já testada e fracassada
Por Carlos Alberto Sardenberg (foto)
Se ao menos fossem erros novos... Inevitável esse pensamento diante das propostas de política econômica que vão surgindo nas diversas esferas do governo Lula. Dirão: um erro é um erro, não importa se novo ou velho. Certo, na teoria. Na prática, não é bem assim. Um erro novo pode resultar de uma sincera tentativa de mudança. Não diminui o erro, mas diminui a culpa do autor. Pode ser admitido e corrigido. Mas é incrível que, neste Brasil, não se admita nem se tente corrigir uma visão de política econômica já testada e fracassada.
Por exemplo: agora estão falando em elevar a meta de inflação para facilitar... o combate à inflação! O argumento tem um disfarce. Sustenta que perseguir uma meta muito baixa exige taxa de juros muito elevada, o que atrapalha o crescimento. Não se define o que seja muito baixa ou alta, mas a ideia por trás é a mesma de quase 40 anos atrás, quando se fez, com o Cruzado, a primeira tentativa de criar uma moeda estável: tolerância com a inflação.
É verdade que alguma inflação sempre haverá, mesmo em países com histórico de estabilidade. Deflação, queda acentuada e persistente de preços, pode resultar em redução dos investimentos. Isso ocorre quando o empresário desiste de ampliar sua produção ou de lançar produtos porque teme não conseguir elevar seu preço para ter mais margem ou cobrir custos novos.
Mas isso tudo é diferente de tolerância com a alta persistente de preços. Nesse caso, entende-se que a inflação é um meio de crescimento. Até pode ser por algum momento, mas, se crescer significa aumento da renda e do emprego em ambiente estável, então a inflação é o mal a extirpar.
O Brasil tem muita experiência, negativa, nesse quesito. A inflação prejudica os mais pobres, ao reduzir o salário real. Na corrida entre preços e salários, os preços sempre tomam a dianteira. Queda do salário significa menos mercado e consumo e, pois, menos investimentos. Sim, é simples assim. Se inflação alta e crônica fosse meio de crescimento, o Brasil seria rico há muitos anos.
Em outras palavras, o que atrapalha a economia brasileira hoje não é o combate à inflação. É o gasto público muito elevado e pouco eficiente, financiado com dívida. Déficits frequentes e dívida em expansão geram inflação, combatida com elevação da taxa de juros pelo Banco Central. Mais exatamente, o problema atual é a total contradição entre a política fiscal, de expansão do gasto público (da demanda) e a política monetária, restritiva, com juros reais altos o suficiente para esfriar consumo e investimentos. Cada uma puxando para um lado, o resultado é menos crescimento e tempo maior para debelar a inflação. Isso significa juros mais altos por mais tempo.
O que está fora de lugar é a política fiscal. Em vez de admitir esse erro muito, muito antigo, o governo Lula cisma com o Banco Central, com sua independência e com suas metas de inflação. Quer reduzir as metas. E, quando o próprio governo anuncia que vai tolerar inflação mais elevada, é lógico que os preços sobem mais depressa.
Outro erro velho em via de ser cometido está no BNDES. Só nesta semana, o presidente Lula prometeu que o banco financiará obras na Argentina e noutros países amigos do Sul. Também disse aos governadores que o BNDES pode ajudar estados a compensar perdas de receita provocadas pela redução de impostos sobre a gasolina e energia. Mais: garantiu que o banco ampliará financiamentos às estatais e à indústria brasileira.
Pergunta-se: o BNDES pode perder dinheiro nisso, como já perdeu? A resposta: não perderá, pois os empréstimos têm garantia. De quem? Do Tesouro brasileiro, alimentado pelo contribuinte brasileiro.
Ora, seria mais correto gastar aqui mesmo o dinheiro do contribuinte. E não dar empréstimo baseado em ideologia, mas sim na análise do crédito do financiado. Simples assim.
Outro erro velho iminente? A condução da Petrobras.
E assim vamos. Para trás.
O Globo