Marcus André Melo
Folha
Há expectativas crescentes quanto à eventual decretação da inelegibilidade de Bolsonaro pelo Judiciário. Considerando o enorme impacto do assalto à praça dos Três Poderes junto à opinião pública e as vulnerabilidades que provocou no campo bolsonarista, atores políticos e analistas enxergam uma janela de oportunidade para “cortar o mal pela raiz”. Ou para o retorno à “normalidade”.
A análise positiva, não normativa, da questão sugere que há um cenário alternativo igualmente plausível.
DE VOLTA AO PASSADO – O primeiro cenário é que, ao ser impedido de disputar eleições, Bolsonaro deixaria de ser ameaça. Retornaríamos assim ao padrão de disputa anterior vertebrado por uma competição entre PT e o centro ou centro-direita.
Este cenário seria francamente desfavorável ao PT que se alimenta do aguçamento da polarização exacerbada pelo bolsonarismo. Lula viabilizou-se como alternativa ao status quo; sua vitória foi produto não de uma frente ampla, mas de uma maioria eleitoral negativa contra Bolsonaro.
O cenário seria radicalmente distinto do vigente sob Lula 1 e 2, e que favoreceu Lula e o PT, por duas razões. Primeiro, o partido e a esquerda em geral encolheram: detêm menos de 25% da Câmara e menos de 12% do Senado.
BANDEIRA DA MUDANÇA – Segundo argumentam Leiras, Stefanoni e Malamud em “Por qué retrocede la izquierda?”, o fenômeno é mais amplo: a esquerda perdeu o domínio das ruas e de capacidade de mobilização; a direita detém hoje a bandeira da mudança, a esquerda do status quo.
Mas aqui entra outra variável crucial: o PT não se renovou, mantendo a mesma liderança há 43 anos, fenômeno inédito como apontou Timothy Power, o que é crítico para o partido.
O declínio de sua base sindicalista é similar ao observado nos partidos socialistas europeus que reflete a queda da participação da indústria no PIB por lá; entre nós, ela despencou 60% entre 1986 e 2021, passando de 27% para 11%. Mas aqui o problema se agravou com a abolição do imposto sindical.
VITIMIZAÇÃO – O segundo cenário é que uma eventual inelegibilidade criaria intensa vitimização no bolsonarismo, mantendo-o mobilizado, o que viabilizaria a transferência do capital eleitoral de Bolsonaro para outro candidato.
A reação à inelegibilidade culminaria com uma candidatura alternativa, como aconteceu com o próprio Lula em 2018, o que acabaria beneficiando o lulismo. A “campanha perpétua” que já se anuncia como estilo de governança neste primeiro mês de governo se instalaria, mudando apenas o sinal.
Neste segundo cenário, a chave será o comportamento da economia. Problemas aqui poderão dissipar os ganhos políticos para o novo governo, que resultaram da debacle do “assalto ao Capitólio”, e alimentar o bolsonarismo.