Flávio Dino, ministro da justiça de Lula |
Não se pode usar ataque a Brasília para aprovar leis repressoras às pressas
O ataque bolsonarista de 8 de janeiro a Brasília despertou justificadas reações do meio político, das instituições públicas e da sociedade civil em defesa da democracia. A barbárie estimulou os Poderes, em especial o Executivo e o Judiciário, a adotar prontamente medidas com vistas a punir os envolvidos e evitar novas investidas.
O ativismo do Supremo Tribunal Federal aprofundou-se perigosamente, com prisões em larga escala e o afastamento do governador do Distrito Federal. Já Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fortalecido pelo apoio que recebeu, decretou intervenção na segurança pública brasiliense, trocou o comando do Exército e demitiu dezenas de militares, acertadamente.
O governo agora ensaia passos temerários com um conjunto de projetos apresentado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, para coibir a circulação nas plataformas digitais de conteúdos considerados contrários ao Estado de Direito, além de endurecer punições a condenados por crimes do tipo.
Como a Folha revelou, o pacote, ainda nebuloso, atribui às chamadas big techs o "dever de cuidado" para impedir a disseminação de mensagens que preguem o fim da democracia, estimulem a violência para a deposição de governantes e incitem animosidades entre as Forças Armadas e os Poderes.
Pretende-se ainda impor a apresentação de relatórios de transparência sobre moderação de conteúdos e reduzir o prazo para remoção deles após determinação judicial.
Cogita-se que parte das propostas de Dino, encaminhadas à apreciação de Lula, venha a ser objeto de uma medida provisória —alternativa em tudo inoportuna.
Compreende-se a preocupação com atividades antidemocráticas nas redes sociais —compartilhada, aliás, por muitos, em diversos países. Não convém, no entanto, valer-se de um momento de indignação para avançar de maneira açodada e irrefletida na regulação dessas ferramentas.
O tema já vem sendo debatido no Congresso Nacional há dois anos e envolve textos com escopo mais amplo, como o PL 2.630, o controverso projeto das fake news já aprovado pelo Senado, mas não à toa estacionado na Câmara.
Há inúmeras facetas a discutir, dentre as quais as instâncias que decidirão se determinada mensagem constitui de fato um ataque às instituições ou se situa-se no campo da liberdade de expressão.
Tratando-se de um presidente que insiste em propagar a tese partidária farsesca segundo a qual houve golpe de Estado no impeachment de Dilma Rousseff (PT), conduzido pelo Legislativo e pelo Judiciário, deveria estar claro o perigo de lidar às pressas com o direito à pluralidade de opiniões.
Folha de São Paulo