Publicado em 28 de janeiro de 2023 por Tribuna da Internet
Frederico Vasconcelos
Quando presidiu o Conselho Nacional de Justiça, o ministro Joaquim Barbosa dizia que “resortes não combinam em nada com o trabalho intelectual sério”. Cidades que atraem turistas talvez se enquadrem no mesmo conceito.
Os recentes encontros nas universidades de Pisa e Siena, na Toscana, a título de debater a Constituição e o papel de juízes e promotores na crise democrática podem confundir o cidadão. Por que discutir a tentativa de golpe bolsonarista na região turística da Itália?
VEJAM OS GASTOS – Integrante do Conselho Nacional do Ministério Público, o juiz Daniel Carnio foi inspirador dos eventos. Ele obteve autorização do procurador Augusto Aras para participar de um “curso de alta formação em justiça constitucional” na Universidade de Pisa. Foram emitidas passagens (R$ 38,7 mil) para embarque em 13/1 e retorno em 23/1 (R$ 25,2 mil em diárias).
O fórum em Pisa aconteceu no dia 16/1. Carnio foi um dos palestrantes. Ele e o juiz do TRF-1 Hugo Abas Frazão, doutorando naquela universidade, organizaram o encontro.
O CNMP informou que “durante os cinco dias úteis que esteve na Itália o conselheiro não se afastou das funções do gabinete”.
APENAS OITO PESSOAS … – O debate em Siena aconteceu no dia 24/1. Foi uma programação acadêmica improvisada, numa sala com oito pessoas. A transmissão online registrou 14,9 mil inscritos. Houve vários elogios.
O desembargador Antonio Souza Prudente, do TRF-1, e o juiz Frazão, dois expositores, estavam havia dias na Itália, pois participaram do evento em Pisa. Frazão sugeriu aquela reunião em Siena.
“Hugo nos animou a tratar do tema”, disse a professora Tania Groppi, da Universidade de Siena. “Ele foi o motor desse evento”, disse Nelson Ribeiro, presidente da Ajufe. A entidade pagou parte da inscrição dos associados. Em vídeo, Carnio pediu desculpas: “Não tivemos tempo suficiente para organizar a tradução simultânea”.
IMAGEM E AGENDA – Daniel Carnio é juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de SP. Foi coordenador acadêmico do Instituto Brasileiro de Administração Judicial, lobby de escritórios de advocacia, leiloeiros judiciais, pecuaristas, empresas do agronegócio, administradores judiciais e firmas de recuperação de créditos.
O instituto formava novos administradores judiciais, que substituíram os antigos síndicos de massa falida. Juízes viam o risco de reserva de mercado e tráfico de influência. Certificados do Ibajud, instituição privada, facilitariam a nomeação de administradores judiciais.
“O Ibajud não oferece nenhum retorno de lobby aos seus patrocinadores”, disse em 2018 a advogada Rosely Cruz, fundadora do instituto.
OUTROS “EVENTOS” – Em 2017, o Instituto levou o ministro do STF Alexandre de Moraes para dar palestras sobre recuperação judicial na Califórnia (EUA).
O Fórum Ibajud Algarve 2022, em Portugal, foi encerrado com jantar e show em um cassino. Durante evento em Porto, Carnio lançou o livro (em coautoria) “Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências”.
Carnio tem boa imagem entre empresários. Em 2018, foi eleito o jurista do ano pela Ordem dos Economistas do Brasil. Participou da elaboração da reforma da Lei de Falências e Recuperações Judiciais. Na magistratura, critica-se sua longa permanência fora da atividade judicante. O juiz de falências e recuperações judiciais foi juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça (2018/2020) e juiz auxiliar da presidência do STJ (2020/2022). O STJ o indicou para o CNMP.
VIAJA DEMAIS – O juiz Carnio também é criticado por viajar muito. No próximo dia 30, visitará a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em San Jose, na Costa Rica. Em 2022, foi a vários eventos no exterior. Participou do seminário “Direito pós-pandemia”, na Universidade de Valladolid, na Espanha.
Foi eleito presidente do Comitê Judicial do “International Insolvency Institute”, no Canadá. Foi a curso na Itália sobre proteção de vítimas criminais. Proferiu palestra no Senado, em Roma, sobre a pandemia da Covid-19.
Em Paris, participou do “1er Rencontre de Droit des Affaires”. Encerrou o ano na Argentina, falando sobre “Globalização, Crise Econômica e insolvência empresarial”.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Com esse tipo de magistrado, pode-se dizer a Justiça brasileira vai longe, muito longe, mas com as despesas turísticas pagas pelo cidadão-contribuinte-eleitor, como dizia Helio Fernandes. E parodiando Ataulfo Alves, a desfaçatez dessa gente é uma arte. (C.N.)