Na Celac, o presidente uruguaio pediu, como todos, mais integração e democracia. Mas lembrou, como poucos, que para tanto é preciso que a Celac não aja como confraria ideológica
No encerramento da 7.ª Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, defendeu mais integração entre os 33 membros e entre a região e o mundo. Seria uma fala meramente protocolar, se ele não tivesse lançado um alerta: essa integração depende de que as autoridades dessas nações se mostrem capazes de integrar palavras e atos.
Com efeito, o documento final, com mais de 100 tópicos e quase 30 páginas, é eivado de propósitos grandiloquentes de “solidariedade” e “cooperação” em temáticas diversas, como a recuperação pós-pandêmica, segurança alimentar e energética, saúde, meio ambiente, ciência, tecnologia, infraestrutura e, claro, a democracia. A Cúpula também ratificou a decisão de realizar uma reunião com a União Europeia em 2023 e com a China em 2024.
Mas, realisticamente, o desafio da cooperação se dá num contexto de múltiplas crises internas nos países latinoamericanos, com protestos no Peru, Bolívia e Venezuela. Além disso, a nova “onda rosa” dos governos de esquerda marca, na prática, uma Cúpula com tendências mais orientadas ao protecionismo. Como se sabe, o Uruguai vem promovendo uma cruzada pela abertura e a associação de livre comércio com outros mercados e, compreensivelmente, vê na Celac reflexos de um tempo em que tratados como a Aliança do Pacífico ou o Mercosul promoviam grandes cúpulas deliberativas, mas sem resultados concretos. O Mercosul, por exemplo, não logra uma resolução econômica ou comercial efetiva desde 1998.
“Não será o momento de impulsionar desde a Celac uma zona de livre comércio?”, perguntou Lacalle Pou, alertando que, para tanto, ela não pode ser um “clube de amigos ideológicos”: “Na variedade, na mudança e na alternância, estará a força desta organização”. Exemplificando o pragmatismo que advoga, o presidente uruguaio citou as propostas de seu homólogo colombiano, Gustavo Petro, um esquerdista, de estratégias para agregar reservas de água doce, oceanos e criação intelectual. No dia seguinte, recebeu o presidente Lula no Uruguai e desde o ano passado vem promovendo conversas com o ex-presidente José Mujica, líder da oposição de esquerda, para concertar consensos.
Lacalle Pou fez coro às muitas condenações na Cúpula aos atentados antidemocráticos no Brasil, mas criticou uma “visão hemiplégica” – em referência à doença que paralisa metade do corpo. “Fala-se de respeito à democracia, de respeito aos direitos humanos e de cuidado com as instituições, mas claramente há países aqui que não respeitam nem a democracia, nem os direitos humanos, nem as instituições”, disse, sem citar expressamente, por ser desnecessário, Venezuela, Cuba ou Nicarágua. De fato, enquanto Lula ou o presidente argentino, Alberto Fernández, alardeavam ameaças “neofascistas”, evitaram qualquer crítica a essas ditaduras de fato. Atribuindo todas as mazelas desses povos aos EUA, só as abordaram com palavras vazias, como “carinho” ou “diálogo”.
Já outros líderes da esquerda se mostraram capazes de sobrepor princípios fundamentais às suas afinidades ideológicas. O esquerdista colombiano Petro, por exemplo, defendeu um “pacto democrático” para que “direitas e esquerdas” não creiam que quando chegam ao poder “é para eliminar seus adversários fisicamente”. Como ele, o presidente chileno, Gabriel Boric, outro esquerdista, defendeu a volta da Venezuela aos fóruns multinacionais, mas pediu abertamente, citando a carta da Celac, eleições “livres, justas e transparentes” na Venezuela e conclamou os outros presidentes a exigir a liberação dos presos políticos na Nicarágua.
São atitudes que refletem o apelo de Lacalle Pou: “Pratiquemos com a ação o que dizemos em nossos discursos, porque, para que esse tipo de fórum subsista no tempo, tem de gerar esperança, e a esperança se gera sobre o caminho andado, sobre a palavra posta em prática na ação”. No fundo, a advertência de Lacalle Pou é – ou deveria ser – apenas uma obviedade: para que os países latino-americanos extraiam concretudes de suas grandiosas teorias da integração, é indispensável que seus líderes demonstrem mais integridade.
O Estado de São Paulo