Publicado em 11 de abril de 2021 por Tribuna da Internet
Leandro Prazeres, Aguirre Talento, Daniel Gullino, Marlen Couto e João Paulo Saconi
O Globo
Especialistas ouvidos pelo O Globo avaliam que as constantes mudanças de postos centrais no Ministério da Justiça e Segurança Pública contribuem para a descontinuidade de políticas públicas e projetos na área.
Nos últimos cinco anos, por exemplo, nos governos Dilma Rousseff, Michel Temer e Bolsonaro, os ministros da pasta foram trocados, em média, a cada sete meses. Com a saída dos titulares, a tradição é que sejam alterados nomes no segundo escalão, em órgãos como a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
TROCA – Ontem, depois de receber o aval do presidente Jair Bolsonaro e no mesmo dia em que tomou posse no cargo, o ministro da Justiça, Anderson Torres, anunciou a troca do diretor-geral da Polícia Federal (PF). O delegado Paulo Maiurino assume no lugar de Rolando de Souza, que estava no comando da corporação desde 2020.
O novo titular do posto, nos últimos anos, estava distante da rotina de investigações — ele ocupava desde setembro o cargo de assessor da presidência do Conselho da Justiça Federal e havia passado por governos estaduais em anos anteriores. Também foi anunciado o nome do novo diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques.
Diretora do Instituto Igarapé, Melina Risso destaca que a segurança pública é um campo sempre deixado de lado pelo governo federal e que a situação se agrava pela falta de consolidação de uma política de longo prazo para o setor. Um exemplo da ausência de continuidade, segundo a pesquisadora, é o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), aprovado em 2018, que não saiu do papel no governo Bolsonaro.
PLANOS DIFERENTES – “A questão da Segurança Pública se agrava pela falta de consolidação desta política pública. Cada ministro que entrou propôs um plano diferente para a Segurança, e o que a gente viu foi que nenhum deles foi implementado”, afirma Melina Risso.
O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, concorda que os governos federais de modo geral não costumam ter um plano para a área, com algumas exceções, e também chama a atenção para a falta de definição sobre quais são as prioridades de atuação.
“A descontinuidade é a regra desde sempre no governo federal, porque ele nunca chamou para si o tema da segurança pública. Independentemente dos nomes que ocupam os cargos, há um problema, além da descontinuidade, que é a falta de prioridade. Uma coisa é falar que deu mais dinheiro, mas deu para quê? Para fazer mais do mesmo, operações que são importantes, mas que não mudam nada. A mudança substantiva ocorre no momento em que você chama para si a responsabilidade, tenta alterar a forma de fazer segurança e articula todos os atores envolvidos”, avalia Lima.
INTERFERÊNCIA NA PF – A gestão Bolsonaro tem sido marcada por acusações de tentativa de interferência política na PF. Esse foi o argumento utilizado pelo ex-juiz Sergio Moro ao deixar o Ministério da Justiça. A Polícia Federal atua em dois casos relacionados a filhos do presidente. O primeiro é um inquérito eleitoral, no Rio, que apura se o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) cometeu os crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral ao declarar seus bens para a Justiça Eleitoral.
O segundo caso tem como alvo Jair Renan Bolsonaro, que atua como empresário, e foi instaurado no Distrito Federal. O objetivo é apurar se o filho do presidente cometeu o crime de tráfico de influência. A suspeita é de que ele tem atuado para marcar reuniões e abrir portas no governo federal para empresas privadas, conforme O Globo revelou em março.
SURPRESA – A troca no comando da PF pegou delegados da cúpula da corporação de surpresa. A expectativa era que houvesse mudança, mas só nos próximos meses. “As mudanças são naturais. E a gente sabe que todas as mudanças que você efetuará no seu ministério, é para melhor adequá-lo ao objetivo que você traçou”, afirmou Bolsonaro na solenidade de posse de Torres, que foi fechada à imprensa.
Ao tomar posse, o novo ministro afirmou que as forças de segurança precisam garantir um “ir e vir sereno e pacífico” e disse que o ministério fará isso. O discurso está alinhado com o de Bolsonaro, que costuma atacar medidas restritivas tomadas por alguns governadores e prefeitos para diminuir o contágio do novo coronavírus.
“Neste momento, a força da segurança pública tem que se fazer presente garantindo a todos um ir e vir sereno e pacífico. Contem com o Ministério da Justiça e Segurança Pública para dar essa tranquilidade”, disse Torres, ao assumir o posto de André Mendonça, que voltou para a Advocacia Geral da União (AGU).
EFEITOS ECONÔMICOS – Também repetindo o discurso de Bolsonaro, o ministro se mostrou preocupado com os efeitos econômicos das medidas restritivas e disse que sua pasta vai “ajudar a superar” isso, sem explicar como:
“Nós precisamos dar um upgrade nesse momento, nós precisamos trazer de volta a economia desse país, a gente precisa colocar as pessoas para trabalhar. Esse país precisa girar para a gente poder sair dessa pandemia. Tenho muito medo de crises maiores decorrentes de fome, desemprego e outros problemas nesse sentido. Nós vamos ajudar a superar tudo isso”, afirmou.
Torres afirmou ainda que dará destaque para a pauta da segurança: “A segurança pública foi uma das principais bandeiras da sua eleição. E ela voltará a tremular alta e imponente, isso eu posso garantir à Vossa Excelência. Estejam certos disso”.
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ROTATIVIDADE NA JUSTIÇA E NA PF
Wellington Cesar Lima e Silva (Março de 2016)
Assumiu no lugar de José Eduado Cardozo, no fim do governo Dilma Rousseff, por apenas 11 dias. O procurador foi impedido de exercer o cargo pelo STF. A Corte entendeu que ele precisava renunciar ao posto no M P, o que Lima e Silva não aceitou.
Eugênio Aragão (Março de 2016)
Alexandre de Moraes (Maio de 2016)
Assumiu declarando que a Lava-Jato seria prioridade.
José Levi (Fevereiro de 2017)
Osmar Serraglio (Março de 2017)
Torquato Jardim (Maio de 2017)
Especialista em direito eleitoral, assumiu às vésperas do julgamento da cassação da chapa Dilma-Temer no TSE.
Fernando Segovia/PF (Novembro de 2017)
O ex-diretor da PF do governo Temer ficou 111 dias no cargo. Ele se desgastou após declarar não haver indícios de crime cometido pelo então presidente no inquérito dos portos. A fala gerou reação no STF e no Planalto, que avaliou que o possível arquivamento do processo ficaria mais difícil.
Sergio Moro (Janeiro de 2019)
Deixou o governo acusando Bolsonaro de tentar interferir na PF.
Maurício Valeixo/PF (Janeiro de 2019)
Nome de confiança do então ministro Sergio Moro, o diretor-geral da PF foi demitido por Bolsonaro em abril do ano passado. A demissão levou Moro a também deixar o governo. O ex-ministro afirmou que Bolsonaro queria “colher” informações dentro da corporação, como relatórios de inteligência.
André Mendonça (Abril de 2020)
Sua gestão foi marcada pela abertura de inquéritos contra críticos de Bolsonaro com base na LSN.
Anderson Torres (Março de 2021)
Paulo Maiurino/PF (Abril de 2021)