Carlos Newton
Já dissemos aqui na “Tribuna da Internet” que um dos maiores problemas do Brasil foi a perda da simplicidade. Em algum ponto fora da curva, nós saímos do caminho correto e mergulhamos nesse vale de ilusões, em que as pessoas bem sucedidas se internacionalizaram, é preciso viajar sempre para o exterior, ter casa em Miami, Nova York, Londres ou Paris, abrir conta na Suíça ou em paraíso fiscal. Nesse delírio tropicalista, as elites brasileiras passaram a viver num mundo do faz-de-conta ou na terra do nunca-jamais, imitando o genial personagem Peter Pan.
Mas a vida real é muito diferente, não se pode viver como Alice no País das Maravilhas, nem adianta morar num bairro sofisticado como Ipanema, se as balas perdidas já se instalaram lá, junto com moradores de rua e crianças abandonadas.
MISÉRIA E RIQUEZA – O fato concreto é que não pode haver convivência pacífica entre a miséria absoluta e a riqueza total, são situações que não devem se misturar, mas o capitalismo à brasileira persiste nesse erro, que somente cabe ao governo resolver, porque o famoso mercado não se preocupa com esse tipo de problema, o importante é o lucro, não há tempo a perder com detalhes, a liberdade democrática só tem sido usada como argumento na hora de acumular dinheiro, sejamos francos.
Na verdade, o Brasil nem pode ser considerado um país capitalista ortodoxo, pois vivemos sob um sistema muito louco, no qual foi montada uma máquina estatal gigantesca e inútil, que explora a população e o empresariado, como se essa prática fosse viável e sustentável.
VALE DOS REIS – Brasília é o grande retrato da distorção nacional. Tornou-se uma espécie de versão moderna do Vale dos Reis, onde os faraós egípcios construíram as pirâmides. Tudo no planalto central é grandioso e inoperante. São prédios gigantescos e suntuosos, construídos com recursos públicos que não foram fruto de arrecadação tributária, mas oriundos do crescimento da dívida pública.
Há cerca de 15 anos eu frequentava muito o Tribunal Superior Eleitoral, fiz amigos entre seus auditores, acompanhava as prestações de contas dos partidos, escrevia reportagens sensacionais, acabei processado pelo Partido Verde por denunciar as falcatruas de sua direção, que ainda é a mesma, tanto tempo depois. Fui defendido pelo grande advogado paulista Luiz Nogueira, que venceu em todas as instâncias, mas o PV não aprendeu nem mudou nada.
DIFERENÇAS – O prédio do TSE, no centro de Brasília, era modesto, tinha poucos servidores. Hoje é um palácio imenso, com mais de mil funcionários efetivos muito bem remunerados, que não têm o que fazer, e cerca de outros dois mil terceirizados.
O mesmo fenômeno expansionista ocorreu no Tribunal de Contas da União, no Superior Tribunal de Justiça, no Supremo Tribunal Federal, na Procuradoria-Geral da República, no Superior Tribunal Militar, nos órgãos ligados a ministérios civis ou à própria Presidência, como a Advocacia-Geral da União, que funcionava no anexo do Planalto e ganhou um prédio enorme para chamar de seu.
Essa gastança desenfreada, que contaminou os três poderes, ocorreu nos governos do PSDB e do PT, que consumiram recursos oriundos da dívida pública para bancar esses delírios de grandeza e aumentar o número de funcionários, de cargos comissionados e de empregados terceirizados, tornando incontrolável a corrupção buroctática.
EXEMPLO PARLAMENTAR – O Congresso Nacional é uma piada de mau gosto. Os gabinetes dos deputados são mínimos, apenas duas salinhas e um banheiro privativo, mas podem contratar 25 assessores. Os senadores têm mais conforto, mas sem exagero. Então, por que cada senador passou a ter direito de contratar 55 assessores? Não há explicação.
Como não é possível alojar essa tropa no gabinetes da Câmara, onde só cabem seis funcionários, no máximo, o Congresso então criou os escritórios externos, que cada parlamentar (deputado ou senador) tem direito de montar em seu Estado de origem, à custa do Tesouro Nacional, vejam só q ue esculhambação.
POBREZA ENDIVIDADA – O Brasil é pobre, até mesmo paupérrimo, mas nos Três Poderes a administração pública é rica e farta, seja federal, estadual ou municipal, porque todas elas – direta ou indiretamente – acabam sendo alimentadas pela crescente dívida pública, a fonte luminosa que abastece o desperdício e a corrupção.
A perda da simplicidade é uma deformação que ninguém discute, embora seja o maior problema nacional. Esse injustificável gigantismo é um buraco de sugar recursos públicos, porque os prédios imensos têm de ser ocupados e mantidos. E esse superdimensionamento se reproduziu nas sucursais de órgão federais (confiram as instalações , do Banco Central de São Paulo) e foi seguido pelos governos estaduais e municipais no país inteiro.
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P.S. 1– Não adianta fingir de rico, gastando verbas que não existem e se transformam em dívidas, a serem pagas no futuro, como fizeram Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva, os dois presidentes roedores que corromperam as finanças de um país que seria altamente viável, mas determinados políticos parecem fazer questão de inviabilizar.
P.S. 2 – O pior é saber que não existe solução. O Supremo já reconheceu os “direitos adquiridos” dessa nomenklatura tropicalista, que inclui os militares, que se livraram da reforma da Previdência e depois ganharam aumento de salários, para acabar de inviabilizar o país.
P.S. 3 – Quanto à dívida pública, que sustenta essa maluquice, a mídia e o governo não dizem uma só palavra, apenas se calam, respeitosamente. E sem equacionar a dívida, o país é totalmente inviável. E sem parar com a gastança estatal, jamais se equacionará a questão da dívida. Mas quem se interessa? (C.N.)