Jussara Martins
O economista Celso Furtado foi intelectual de prestigio internacional e um dos mais importantes economistas do século XX. Em sua vitoriosa carreira, Furtado interpretou e agiu sobre o Brasil. Criou a Sudene, durante o governo JK, para atacar as mazelas que impediam o desenvolvimento do Nordeste. Depois, foi ministro extraordinário do Planejamento no governo João Goulart, cargo criado para que pudesse solucionar os desequilíbrios que contextualizaram a crise pré-golpe militar de 1964.
Perseguido pela ditadura, o brasileiro manteve, no exílio, o prestígio internacional, passando a ser interlocutor do senador Bob Kennedy e de intelectuais como Erich Fromm e Martin Luther King.
MUITOS CONVITES – Em 1964, no dia seguinte à sua cassação política pelo Ato Institucional nº 1, recebeu convites para trabalhar no Instituto Latino-Americano para Estudos de Desenvolvimento, no Chile, e também para lecionar em três prestigiadas universidades dos Estados Unidos: Harvard, Columbia e Yale, para onde depois acabaria indo. Um ano depois, em 1965, o presidente francês de direita, Charles de Gaulle, autorizou sua contratação para a maior universidade de seu país.
Consagradora, a passagem pela Sorbonne duraria 20 anos. O período representou um doloroso hiato para o economista acostumado à dupla função de intelectual e estadista. “Ele ficava com a cabeça no Brasil”, lembra a jornalista e tradutora Rosa Freire d’Aguiar, viúva de Furtado. Era difícil estar exilado para quem, até pouco, formulava políticas prioritárias de governo.
FORMAÇÃO PRIMOROSA – Nascido em Pombal, no sertão paraibano, em 26 de julho de 1920, Celso Furtado se tornou doutor em Economia pela Universidade de Paris (Sorbonne) em 1948, com a tese “L’économie coloniale brésilienne”.
Fez pós-graduação na Universidade de Cambridge, Inglaterra (1957), sendo Fellow do King’s College. Antes, foi técnico de Administração do governo brasileiro (1944-45), economista da Fundação Getúlio Vargas (1948-49).
De 1949 a 1958, integrou a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) sediado em Santiago, no Chile, contribuindo de forma decisiva, ao lado do economista argentino Raúl Prebish, para a formulação do enfoque estruturalista da realidade socioeconômica da América Latina.
VISÃO DO MUNDO – Imortal da Academia Brasileira de Letras, Furtado ocupou a cadeira número 11 e tomou posse em 31 de outubro de 1997. No discurso proferido na solenidade, ele revelou:
“Quando, finalmente, aos 26 anos de idade, comecei a estudar Economia de maneira sistemática, minha visão do mundo já estava definida. Assim, a Economia não chegaria a ser mais que um instrumental, que me permitia com maior eficácia tratar problemas que vinham da observação da História ou da vida dos homens em Sociedade. Pouca influência teve a Economia, portanto, na conformação do meu espírito. Nunca pude compreender a existência de um problema “estritamente econômico”. Por exemplo, a inflação nunca foi, em meu espírito, outra coisa senão a manifestação de conflitos de certo tipo entre grupos sociais. Da mesma forma, uma empresa nunca foi outra coisa senão a materialização do desejo e poder de um ou vários agentes sociais, em uma de suas múltiplas formas”.
SUBDESENVOLVIMENTO – Autor de livros como “Formação econômica do Brasil” (1959) e “Criatividade e dependência na civilização industrial” (1978), entre muitos outros títulos, Furtado revolucionou a teoria ao propor que o subdesenvolvimento não era uma “etapa” do desenvolvimento capitalista, mas uma posição das economias periféricas frente às centrais e que não seria superado apenas pela livre atuação do mercado.
Ele não se via como um “homem de letras”, mas um “homem de pensamento”. E assim é considerado pelos críticos e estudiosos de economia, visto que sua obra vai além de outras interpretações da realidade brasileira, porque foi escrita em ação, pois Furtado explicou e construiu o Brasil em seus dias.
Durante toda a década de 1970, dedicou-se intensamente a atividades docentes e à publicação de livros. Foi beneficiado pela anistia decretada em agosto de 1979.
COM TANCREDO NEVES – Em 1981 filiou-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Participou intensamente da campanha de Tancredo Neves às eleições indiretas para a presidência da República e da comissão destinada a elaborar o Plano de Ação do Governo de Tancredo.
Com José Sarney empossado presidente, foi nomeado embaixador do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia, sediada em Bruxelas, na Bélgica. De volta ao Brasil, em fevereiro de 1986, tomou posse como Ministro da Cultura, elaborou a primeira legislação de incentivos fiscais e fez a defesa da identidade cultural brasileira. Em agosto de 1988 transmitiu o cargo.
Foi casado com a argentina Lucia Tosi, com quem teve dois filhos. E depois teve uma duradoura união com a jornalista e tradutora Rosa Freira d’Aguiar, a curadora da obra de Furtado, uma guardiã do monumental legado cultural.
PRESTAR SERVIÇO – “Para ele, o conhecimento só servia se fosse para prestar serviço à comunidade”, comenta o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Furtado olhava as formas como a economia se relacionava com a vida social, para pensar em que medida poderia beneficiar a vida das pessoas em sociedade. Sua vida sempre se confundiu com a história da sociedade brasileira”, diz
Em comemoração aos cem anos do nascimento do economista agora, em 2020, Rosa Freire D’Aguiar está fazendo a compilação das cartas dele, para registrar em livro a comunicação de Furtado com cerca de trinta intelectuais e políticos brasileiros, além de mais vinte estrangeiros. Antonio Callado, por exemplo, troca ideias com ele logo depois de ter escrito “Quarup”. E Carlos Lacerda escreve ao economista fazendo um convite para que entre na Frente Ampla contra a ditadura militar.