Ricardo Della Coletta
Folha
Em uma nova defesa do voto impresso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que as eleições para a presidência da Câmara dos Deputados ocorrem no “papelzinho”, quando na verdade o processo de escolha é eletrônico desde 2007.
“O que é comum na Câmara, não sei como está agora. As eleições na Mesa [Diretora], para presidente, é no papelzinho. Não sei como vai ser esta agora”, disse o presidente nesta segunda-feira, dia 28, ao receber um grupo de apoiadores no Palácio da Alvorada. As declarações de Bolsonaro foram transmitidas por um site bolsonarista.
SISTEMA ELETRÔNICO – Apesar da afirmação de Bolsonaro, as eleições para a presidência da Câmara e para os demais cargos de comando da Casa ocorrem de forma eletrônica há mais de uma década, sendo que o próprio presidente —à época deputado federal— foi candidato em algumas ocasiões.
O sistema eletrônico para a escolha dos postos de chefia na Câmara foi instituído por uma resolução de 2006. Dessa forma, a primeira vez que ele foi usado foi no ano seguinte, quando os deputados elegeram o petista Arlindo Chinaglia (SP) para liderar a Casa naquele biênio. A justificativa para a adoção da votação eletrônica foi justamente o tumulto e a longa espera registrados nas eleições em papel. O requerimento propondo a mudança foi apresentado em 2003.
“Na recente eleição para a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados verificou-se, além do tumulto no processamento eleitoral, um enorme lapso de tempo —mais de duas horas— entre a constituição da Mesa apuradora, a constrangedora fila indiana e a apuração”, escreveu o então presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP).
ARCAICO – “Esse sistema de votação por cédula, escrutínio secreto e contagem manual dos votos é superado, porque arcaico, quando a própria Casa dispõe de sofisticado sistema eletrônico que poderá ser adaptado a qualquer tipo de eleição”, prosseguiu o petista.
As regras atuais da Câmara estabelecem que a escolha do presidente da Casa ocorrerá por cédula apenas na hipótese de falha do sistema eletrônico. Desde a eleição de Chinaglia, em 2007, houve sete processos de escolha de presidente da casa legislativa. O próprio presidente Bolsonaro foi candidato em 2011 (recebeu nove votos) e 2017 (4 votos).
Na conversa com apoiadores nesta segunda-feira, Bolsonaro deu a informação falsa para advogar novamente pela adoção do voto impresso no Brasil. Ele disse esperar que, após a eleição para os comandos da Câmara e do Senado, em fevereiro, seja aprovada uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF).
OBRIGATORIEDADE – A proposição da parlamentar insere um parágrafo no artigo 14 da Constituição para determinar que, na votação e apuração de eleições, plebiscitos e referendos, seja obrigatória a expedição de cédulas físicas, conferíveis pelo eleitor, “a serem depositadas em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”.
“Acabando as eleições [no Legislativo], tem uma PEC da Bia Kicis. E a gente conversar com os dois presidentes para levar avante essa PEC, para ver se a gente aprova o voto impresso. E se aprovar vai ser voto impresso em 2022”, declarou Bolsonaro. Ele também defendeu a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para o comando da Câmara e criticou a aliança feita por Rodrigo Maia (DEM-RJ) com partidos da oposição para tentar eleger seu sucessor.
“Teremos eleições agora [para a presidência da Câmara]. Uma das chapas é Rodrigo Maia, PT, PC do B e PSOL. E tem outra chapa [de Lira], eu estou nessa outra. Não vou nem discutir: quem está do lado de PT, PC do B, PSOL e Rodrigo Maia eu estou do outro lado”, concluiu Bolsonaro.No início deste ano, Bolsonaro disse que teria provas de que a eleição de 2018 foi fraudada, mas nenhum indício disso foi apresentado até agora.
PRIMEIRO TURNO – Em 9 de março, o presidente disse que deveria ter sido eleito no primeiro turno. Afirmou ainda acreditar ter feito mais votos no segundo turno do que foi contabilizado, quando venceu Fernando Haddad (PT). Bolsonaro teve 57,8 milhões de votos (55% dos votos válidos), ante 47 milhões de Haddad (45%).
O presidente afirmou que iria apresentar as provas brevemente, mas ainda não o fez. Quando questionado sobre o assunto, tem desconversado. Já o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e a Vice-Procuradoria-Geral eleitoral afirmam que nunca houve fraude em urna eletrônica.
Em relação às provas de fraude, até pessoas próximas de Bolsonaro afirmam que ainda não as viram. A tese que ele tem apresentado a correligionários não envolve nenhum elemento material e faz referência à apuração do primeiro turno.
RECIBO – Quando deputado, Bolsonaro foi o autor da proposta que determinava que as urnas emitissem um recibo com as escolhas de cada eleitor. A iniciativa ficou conhecida como voto impresso. Na semana passada, em férias em São Francisco do Sul (SC), Bolsonaro disse para seus apoiadores esquecerem a eleição presidencial de 2022 caso o Congresso Nacional não aprove a lei que institua o voto impresso.
O presidente passou cerca de 25 minutos cumprimentando apoiadores, quando um deles questionou: “Falta muito para chegar 2022, para apertar [o botão da urna eletrônica] de novo, presidente”? Poucos segundos após a pergunta, Bolsonaro respondeu: “Se a gente não tiver voto impresso, pode esquecer a eleição”.
Em seu site, o TSE afirma que, em 24 anos de urnas eletrônicas, as suspeitas de fraude foram frequentes, mas que “nenhum caso, até hoje, foi identificado e comprovado” e que órgãos como o Ministério Público e a Polícia Federal “têm a prerrogativa de investigar o processo eleitoral brasileiro e já realizaram auditorias independentes”.
AUTENTICIDADE – Uma auditoria ocorre no dia da eleição, quando o TSE promove um sorteio de urnas eletrônicas que serão fiscalizadas. A ação é para verificar a autenticidade e demonstrar a integridade do processo eleitoral “para eleitores sem conhecimentos específicos em tecnologia”, como afirma o site do órgão.
As urnas sorteadas são encaminhadas para os tribunais regionais eleitorais, onde é feita uma simulação de voto. “Cédulas em papel são preenchidas e depositadas em uma urna de lona, para que os participantes digitem esses votos tanto na urna eletrônica quanto em um sistema específico que computará os votos consignados em paralelo”, explica o TSE.
Também no dia da eleição, cada urna eletrônica emite um comprovante com os votos recebidos, chamado de BU (Boletim de Urna). Esse documento é impresso pelos mesários e se torna público logo após o fim da votação –qualquer pessoa pode verificá-lo, inclusive no celular, com o aplicativo Boletim na Mão, desenvolvido pelo TSE.