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quarta-feira, novembro 25, 2020

Eleita vereadora, viúva de Marielle diz que seu compromisso é “enfrentar o bolsonarismo”

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A arquiteta foi a terceira mulher mais votada na capital fluminense

Ana Luiza Albuquerque
Folha

Desde que sua mulher não voltou para o jantar, a arquiteta Monica Benicio viaja o mundo lutando por respostas para uma pergunta que se repete há quase três anos: “Quem matou Marielle Franco?”. A partir de janeiro, o ringue será outro: a Câmara Municipal do Rio.

Recém-curada da Covid-19, que a impediu de ir às ruas na reta final da campanha, Monica, 34, recebeu a Folha em seu apartamento, na Zona Sul do Rio. Eleita vereadora pelo PSOL com quase 23 mil votos, sendo a terceira mulher mais votada na cidade, a arquiteta afirma que seu primeiro compromisso será o enfrentamento ao bolsonarismo, ao qual atribui uma política de “ódio à vida das mulheres”.

INVESTIGAÇÕES – Monica afirma que o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, mostraram desinteresse nas investigações do assassinato de Marielle até que o próprio presidente foi citado no inquérito – não há, até o momento, indícios de que Bolsonaro tenha tido envolvimento com o crime.

Você foi a terceira mulher mais votada. Imaginava esse resultado? Qual foi a sua reação?
Eu tinha uma expectativa muito grande que a gente fosse fazer uma votação expressiva, o próprio partido fez um grande investimento, considerando que eu fosse puxadora de legenda. Para além de uma sensação de euforia, te confesso que fiquei bem preocupada. Foi uma sensação parecida com a que senti quando a Marielle foi eleita.

A gente faz um trabalho buscando esse resultado, mas na hora você fala assim ‘ih caramba, e agora?’. Há a expectativa de fazer um grande trabalho pela frente. A cidade está muito abandonada, o [Marcelo] Crivella conseguiu fazer a pior gestão da história do Rio.

Você prefere fazer oposição ao Crivella ou ao Eduardo Paes?
Vou fazer oposição aos dois, acho que é indiscutível a péssima gestão que o Crivella fez, mas não podemos esquecer também que o Eduardo Paes transformou a cidade num balcão de negócios, apoiou as máfias dos ônibus. Mas o Crivella representa o fundamentalismo na política, faz uma das piores coisas que é utilizar a fé das pessoas para fazer projeto de poder. É fundamental que a gente esteja construindo o segundo turno para que ele não se reeleja.

Parte da esquerda tem dito nas redes sociais que, como pessoa branca, você não teria legitimidade para dar seguimento ao legado da Marielle. O que você sente quando lê essas críticas?
Bom não é, mas vou confessar que já me preocupei mais. Eu sei o que faço, qual o meu compromisso. Estou preocupada em fazer um trabalho excelente, que transforme essa cidade num lugar mais justo, numa sociedade mais igualitária.É óbvio que é muito doloroso, não só do meu campo pessoal, mas acho profundamente desrespeitoso com a memória da Marielle. Marielle escolheu construir a família dela comigo, foi uma decisão que ela tomou em vida. Não acho que dê para falar de preservação de memória sem respeitar o que aquela mulher quis construir como família dela.

Não costumo ler [comentários nas redes], em geral sempre foram muito mais positivos do que negativos. Mas já foi de tudo, oportunista foi uma das coisas mais generosas que já ouvi. Minha vida é um caos, a única coisa tranquila é a minha consciência. Soube que até a Mariellinha, uma bonequinha de pano que eu usava nas viagens, uma forma que eu tinha de homenagear, de lidar com meu luto, foi atacada esses dias.

As pessoas também apontam que você não assinou a agenda Marielle [série de práticas com as quais se comprometeram alguns candidatos, organizada pela família da vereadora]. Por que essa decisão?
Qualquer pessoa que esteja duvidando se eu tenho compromisso com as agendas da Marielle não entendeu muita coisa do que está acontecendo. Acho um projeto legítimo que o instituto fez, mas não acho que eu tenha que assinar nenhum tipo de agenda para provar que tenho compromisso com a memória da Marielle. Não tenho nenhuma crise de consciência.

Setores da esquerda dizem que o PSOL privilegiou candidatos brancos, como você, o Tarcisio Motta, o Chico Alencar, em detrimento de candidaturas negras. Entre os sete eleitos para a Câmara, há apenas uma mulher negra. O partido falhou?
Essa decisão foi tirada de forma coletiva, e houve investimento em candidaturas de mulheres negras, como a Monica Cunha [candidata a vereadora]. Nossa candidata a prefeita foi uma mulher negra [Renata Souza], assim como seu vice. Então não entendo que o partido não tenha feito esse investimento. O cálculo político era dos puxadores de legenda serem muito bem votados, inclusive para a gente conseguir ampliar as cadeiras, que foi o que aconteceu.

Na última quinta-feira (19) seguranças do Carrefour espancaram e mataram um homem negro, João Alberto Freitas, o que resultou em uma série de protestos pelo país. O que esse crime representa? Como fazer frente ao racismo?
É inaceitável, é barbárie, e não se trata de um fato isolado. É emblemático que no Dia Nacional da Consciência Negra tenhamos acordado com mais essa tragédia em nossa história. Casos como esse reacendem o urgente debate sobre o racismo estrutural que é comumente relativizado em nossa sociedade. E encontra cúmplices no executivo federal, seja pelo silêncio do atual presidente, seja pela declaração insana de Hamilton Mourão, que afirma não existir racismo no Brasil.

É preciso que setores da sociedade se unam em um pacto real de combate ao racismo. Precisamos de políticas públicas que deem conta de reverter definitivamente esse quadro. E isso engloba conscientização, reparação e garantia de direitos básicos. Essa luta, protagonizada pelos movimentos negros, precisa estar no centro do debate sobre uma sociedade mais justa e deve fazer parte do nosso dia a dia enquanto compromisso antirracista.

Quais serão as prioridades do seu mandato?
A gente fez uma campanha pautada principalmente no eixo de mulheres, LGBT e direito à cidade. Um dos projetos que a gente precisa pautar logo de cara é justamente o que fala sobre atendimento humanizado, com segurança, para mulheres que estão na situação de fazer o aborto legal. Foi um dos projetos que a Marielle apresentou, o “Se é legal, tem que ser real”.A gente tem hoje uma retirada de direitos das mulheres que vem avançando a passos largos. Acho que a política bolsonarista se mostra muito forte nesse lugar de ódio à vida das mulheres.

Considera seu mandato uma extensão do da Marielle?
Acho que é quase impossível não olhar para esse futuro mandato como não sendo, em alguma medida, uma continuidade. Além de companheira, a gente tinha muita afinidade política.

Não se trata de dar continuidade às pautas dela, mas de um projeto político que eu acredito porque tenho afinidade. A expectativa é que a gente traga de volta os projetos que a Marielle apresentou e que não foram aprovados, e que dê continuidade a esse trabalho dela que foi interrompido.

Como você enxerga os próximos anos? Pensa em ir mais longe na política?
A gente tem um compromisso seríssimo em 2022 de derrotar o bolsonarismo e tirar o Bolsonaro do Planalto. Eu brinquei recentemente numa entrevista, [que gostaria de alcançar] “o Senado”. Isso tomou uma proporção que eu falei “Meu Deus, tenho que parar com essas coisas”.

Tenho uma dificuldade de me ver como figura pública, você fala um negócio e matéria não tem tom, né. Pensar nesse enfrentamento do bolsonarismo é meu primeiro compromisso agora, e ver como a gente consegue amadurecer esse caminho.

Como vai ser conviver com o Carlos Bolsonaro na Câmara?
Desprazer acho que é a palavra mais educada que eu consigo utilizar para você.

Já faz mais de dois anos e meio que Marielle foi assassinada. Você acredita que a investigação será capaz de apontar os mandantes?
Acredito, e tenho o compromisso de seguir acompanhando, com o Ministério Público, com o novo delegado [da Polícia Civil, Allan Turnowski], que está muito comprometido com o caso. Com a troca do delegado, tem que se atualizar, tem o volume do inquérito que está muito grande… Então acredito que não consiga chegar no resultado esse ano, mas sem dúvida nenhuma a gente vai chegar.

Você foi contra a federalização das investigações. Seu posicionamento ainda é o mesmo?
Sem dúvida. Foi uma posição tomada baseada na postura que o Bolsonaro teve diante das investigações, de não ter apresentado nenhum tipo de compromisso. Mas bastou aquela confusão do porteiro [que disse que Bolsonaro autorizou a entrada em seu condomínio de um dos supostos assassinos] e ele rapidamente se mostrou interessado em fazer a federalização.

Assim como o [ex-ministro da Justiça] Sergio Moro, que eu tinha encontrado dias antes, para pedir que ele se posicionasse publicamente dizendo que esse caso deveria ser respondido. Ele também não tinha demonstrado nenhum interesse.

Bolsonaro chegou a dizer que ele tinha uma cópia do interrogatório [com Ronnie Lessa, acusado do assassinato], que ele pediu para a Polícia Federal fazer. Não tinha nenhuma condição de entregar as investigações a essa Polícia Federal, que o Bolsonaro queria controlar.

Por que Bolsonaro teria interesse em controlar a investigação?
O nome dele foi mencionado, haveria uma possível relação do filho mais novo com a filha do Ronnie Lessa. Nada nas investigações hoje comprovam ou apontam participação da família Bolsonaro, então também não entendi o porquê da preocupação dele.

Como foi a sua conversa com o Moro?
Já havia terminado a investigação da investigação, que a Polícia Federal cuidou para ver se estava havendo interferência. Ele apresentou os resultados, me perguntou se eu tinha interesse na federalização, eu disse que não, expliquei os motivos. Não há argumento técnico que justifique o deslocamento de competência. Por mais que possa parecer muito tempo, e é, não existe uma demora indevida, que não se justifique. Pelo contrário, infelizmente foi um crime muito sofisticado, muitíssimo bem executado.

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