Deu em O Globo
O presidente Jair Bolsonaro semeou discórdia durante a cúpula do Brics, na última terça-feira, ao dizer que apresentaria, nos próximos dias, uma lista de países que criticam o Brasil por desmatamento e compram madeira extraída ilegalmente da Amazônia. Segundo Bolsonaro, a PF desenvolveu uma técnica que permite rastrear a origem do produto apreendido. “Creio que, depois dessa manifestação, essa prática diminuirá e muito nessa região.” Na quinta-feira, desistiu da lista e citou apenas a França.
O discurso, diante dos líderes de Rússia, Índia, China e África do Sul, não poderia ser mais patético. Primeiro, por tentar exportar um problema que é seu, fruto de sua política ambiental desastrosa. Segundo, porque é uma confissão constrangedora de que não consegue conter o desmatamento na Amazônia, ao permitir que parte da madeira seja levada para o exterior.
SEM FISCALIZAÇÃO – A questão fica ainda pior quando se sabe que a política ambiental tóxica do ministro Ricardo Salles afrouxou a fiscalização e facilitou a exportação de madeira de origem ilegal. Há até uma ação, movida por ONGs, pedindo o restabelecimento das normas anteriores.
Pelas novas regras, os documentos são emitidos pelas próprias madeireiras. É um convite à fraude. Essa foi apenas mais uma, entre tantas “boiadas” passadas por Salles nestes quase nove meses de pandemia.
O discurso de Bolsonaro na cúpula apenas chamou a atenção para o absurdo. O trabalho de desmonte da legislação e dos órgãos ambientais — hoje totalmente aparelhados pelo bolsonarismo — tem sido conduzido com esmero por Salles, o ministro incendiário escolhido para o Meio Ambiente.
VISÃO DESTRUTIVA – A bem da verdade, Bolsonaro nunca escondeu sua visão destrutiva. Mesmo antes de tomar posse, deixou claro que sua pólvora estava reservada para os órgãos ambientais, não para madeireiros e garimpeiros clandestinos. “Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como o ICMBio. Essa festa vai acabar”, disse ele em fins de 2018.
Antes de fazer discursos infantis, Bolsonaro deveria usar as técnicas avançadas da PF para rastrear o desmatamento ilegal na Amazônia e punir os responsáveis. Até porque, pelas estimativas disponíveis, 80% desse material abastecem o mercado interno. Só 20% são exportados, principalmente para Europa e Estados Unidos.
Por que, se a PF sabe quem compra madeira ilegal, não autua quem vende? Porque combater a prática, que devasta a imagem do país no exterior, desagradaria a um nicho eleitoral relevante: grileiros, madeireiros e garimpeiros que destroem a Amazônia. Bolsonaro acha que o inimigo está lá fora. Está aqui mesmo.