Carlos Newton
Circulam várias versões sobre a decisão tomada pelo presidente Jair Bolsonaro, que desistiu de prestar depoimento no inquérito que investiga suas tentativas de interferir nos trabalhos da Polícia Federal, conforme denúncia feita a 24 de abril pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.
A versão mais curiosa, plantada pelo Palácio do Planalto, alega que o presidente fez um cálculo pragmático ao se recusar a depor, porque ele teria preferido “um pequeno desgaste político” do que enfrentar o risco jurídico do prosseguimento do inquérito, que a Advocacia-Geral da União está tentando arquivar.
ESTRATÉGIA ARRISCADA – É um direito constitucional do réu ficar em silêncio, para não se comprometer ao depor. Mas essa estratégia é um risco, porque quase sempre é considerada uma confissão de culpa, sobretudo quando o silêncio vem acompanhado de um pedido de arquivamento do inquérito.
No caso, a recusa de depor é ainda mais comprometedora, porque existe nos autos uma declaração do presidente, feita espontaneamente na reunião ministerial de 22 de abril, na qual ele demonstra claramente sua intenção de proteger a família e os amigos, ao pretender acompanhar os inquéritos contra eles na PF.
A decisão desconsiderando o pedido de arquivamento foi tomada imediatamente pelo ministro Alexandre de Moraes, que não tem poupado a família Bolsonaro e o Gabinete do Ódio nos processos das fakes news, além de ter tomado a iniciativa de fazer o STF restaurar a autonomia do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e da Receita Federal, que havia sido cerceada em manobra conjunta do presidente e dos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli.
POR ORDEM DE BOLSONARO – Ao decidir esse importantíssimo caso, Alexandre de Moraes certamente vai levar em conta que o inquérito foi aberto por determinação do próprio presidente da República, que se julgou ofendido pelas declarações de Sérgio Moro ao deixar o Ministério. Na petição inicial, assinada pelo procurador-geral Augusto Aras, o ex-ministro Moro é acusado de denunciação caluniosa e mais seis crimes.
Com a apresentação da defesa de Moro e a exibição do vídeo da reunião ministerial, em que há a confissão tácita de Bolsonaro, aconteceu algo jamais visto no Supremo. Como se sabe, o autor do pedido de inquérito foi Bolsonaro, e o investigado era Moro. Mas no site do Supremo é o presidente da República que passou a aparecer como investigado, e os nomes de Moro e de seu advogado até deixaram de constar na capa do inquérito, que se nada tivessem a ver com o feito.
É um erro brutal da Secretaria do Supremo. O inquérito foi aberto tendo Bolsonaro como “vítima”, jamais como “investigado”. Isso significa que ele poderia responder por escrito ao depoimento, ao contrário do que o bestial Celso de Mello afirmou.
POR QUE PAROU? – É o caso de se perguntar a esse tão elogiado ministro aposentado Celso de Mello: Por que parou o inquérito sob alegação de que Bolsonaro não podia depor por escrito, por ser o investigado, se na verdade o investigado é Moro?
Tecnicamente, até agora Bolsonaro não foi nem se tornou investigado. Portanto, seu nome deveria constar no Supremo como suposta vítima de denunciação caluniosa e outros seis crimes. Se no decorrer do inquérito surgiram provas de que Bolsonaro é culpado dos oito crimes a ele atribuídos pela defesa de Moro, isso não tira do ex-ministro a condição de “investigado” e de Bolsonaro ser a suposta “vítima”.
Essas denominações só podem mudar em fase posterior, se for aberto o processo, no qual então Bolsonaro figurará como “réu” e Moro como “vítima”.
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P. S. – É isso que o ministro Alexandre de Moraes vai julgar proximamente, ao decidir se aceita a denúncia contra Bolsonaro, que transformará o inquérito em processo e poderá fundamentar o impeachment, enquanto la nave va, cada vez mais fellinianamente. (C.N.)