Felipe Bächtold
Folha
Uma missão de observadores da OEA (Organização dos Estados Americanos) que acompanhou as eleições municipais no primeiro turno elogiou os esforços para a realização do pleito no Brasil em plena pandemia, mas fez uma série de críticas à Justiça Eleitoral em pontos como acompanhamento público do uso do fundo eleitoral e a análise jurídica das candidaturas.
Os 14 observadores, de nove nacionalidades, estiveram em seções eleitorais pelo país, entrevistaram autoridades responsáveis e publicaram um relatório prévio sobre os temas analisados na quarta (18). Foi a segunda vez que a entidade, que reúne 35 países das Américas, fez esse trabalho no Brasil —a primeira havia sido em 2018.
HOUVE ELOGIOS – Apesar das falhas que atrasaram a divulgação de resultados e que provocaram instabilidade em aplicativo do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), de maneira geral o grupo parabenizou o trabalho de organização da eleição e o compromisso de realização do pleito em uma complexa situação como a provocada pelo coronavírus.
Em relação a um dos principais temas da organização das eleições, o uso da urna eletrônica, os diplomatas não levantaram dúvidas sobre a confiabilidade do sistema e destacaram a tradição de agilidade na apuração dos votos, embora na semana passada, após o primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro tenha voltado a questionar a segurança do modelo de votação brasileiro.
AUDITORIA E FISCALIZAÇÃO – Em seu trabalho de observação, a equipe da OEA recomendou que sejam ampliadas ocasiões públicas de auditoria, de forma a “dar garantias à população”, e também sugeriu mais presença de partidos políticos na fiscalização das urnas.
Um dos procedimentos públicos citados é a chamada “votação paralela”, demonstração na qual técnicos fazem um teste público de alguns dos equipamentos no dia da votação.
Em entrevista à Folha, por e-mail, o chefe da missão, o uruguaio Agustín Espinosa, disse: “Na democracia, há espaço para todas as opiniões, mas o importante é que esse debate ocorra mais a nível técnico do que a nível político. Que os questionamentos tenham consistência e que as respostas esclareçam as dúvidas”.
ATRASO NA APURAÇÃO – O atraso na divulgação dos resultados, na noite do domingo (15), foi mencionado pelos diplomatas no informe, que elogia o que considerou ser a maneira transparente com a qual o TSE, presidido pelo ministro Luís Roberto Barroso, comunicou o problema à população.
O custo de organização da eleição foi estimado em outubro em R$ 647 milhões. Outros R$ 2 bilhões de recursos públicos foram destinados ao financiamento dos candidatos.
Para o grupo de observadores, há ineficiência na fiscalização dos recursos destinados aos candidatos e faltam funcionários em número suficiente para o volume de trabalho de acompanhamento das prestações de despesas dos partidos.
ANÁLISE DE CONTAS – O relatórios também diz que não foi concluído um sistema eletrônico de análise automática de contas, como era previsto.
Ainda dentro desse assunto, os diplomatas consideraram positivas as cotas para financiamento de candidaturas de mulheres e negros, mas citaram que o critério racial foi definido já durante a campanha, sem regulamentação. Disseram ainda que faltam punições para as agremiações que não respeitam essas normas.
Os diplomatas também se mostraram contrariados com o fato de milhares de candidaturas terem ficado pendentes de julgamento às vésperas do pleito.
13 MIL PENDENTES – O relatório afirma que dois dias antes do pleito ainda havia 13 mil casos de registro de candidaturas à espera de decisão final nas cortes eleitorais e que, com as várias instâncias de apelação, os processos são alongados, em que pese proporcionar mais garantias aos envolvidos.
Julgamentos após a votação podem provocar reviravolta nos resultados das urnas e até novas eleições.
À Folha o chefe da missão citou duas propostas apoiadas pela equipe: criar um pré-registro das candidaturas na Justiça Eleitoral, o que ampliaria o tempo disponível para análise e julgamento, e antecipar o período de registro sem modificar o restante do calendário eleitoral. “O importante é que exista um debate amplo sobre estas duas recomendações”, afirmou ele.
FAKE NEWS – Outro problema marcante das eleições recentes no país, a desinformação e as notícias falsas, também foi abordado no relatório preliminar. O grupo de observadores disse que o impacto dessas ações foi minimizado neste ano com medidas como colaboração com plataformas digitais e com agências de checagem de notícias.
“O problema agora é investigar a relação de financiamento que existe entre os grupos interessados em disseminar notícias falsas”, disse Agustín Espinosa à reportagem.
Os observadores acompanharam a votação nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia e Valparaíso de Goiás.