Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Autoridade é valor que se conquista com muito tempo e muito esforço, mas que se perde em questão de minutos. Está o governo Lula diante de grave decisão: ou mantém o funcionamento das instituições ou verá posta em frangalhos a obra que, até contra as impressões gerais, conseguiu erigir em mais de cinco anos de governo.
Porque está em xeque a autoridade do presidente da República, responsável maior pelo fato de o Brasil afirmar-se como nação organizada, independente e aberta aos desafios do novo século.
Falamos do abril vermelho que nos assola, mais abril do que vermelho, aliás, porque o socialismo verdadeiro nada tem a ver com baderna e truculência. Num crescendo iniciados anos atrás, o Movimento dos Sem Terra vem ampliando sua ação de desmoralizar e erodir as instituições e os valores responsáveis por nossa sobrevivência como nação organizada.
Vejam bem, nenhuma crítica se faz à formação de acampamentos e às invasões onde se concentram centenas de milhares de miseráveis em busca de um pedaço de chão para viver com o mínimo de dignidade que a sociedade lhes nega. Da mesma forma, não haverá que opor restrições ao apoio que o governo dá ao movimento, parte integrante da reação nacional ao domínio das elites e à predominância dos poderosos sobre as massas. Aliás, o MST surge como o movimento político mais importante verificado no mundo desde a ascensão do neoliberalismo.
Agora, não dá para aceitar como centenas de sem-terra, na madrugada de quarta-feira, ocuparam a sede da Caixa Econômica Federal, em Brasília, até utilizando métodos dignos das hordas bárbaras da Idade das Trevas, ou seja, colocando na frente dos invasores montes de velhos, mulheres e crianças.
O que tem a Caixa Econômica a ver com a reforma agrária, reivindicação mais do que justa da imensa maioria da população? Deve conceder crédito para a aquisição de terras e a construção de casas, é certo, mas se sua atividade for interrompida ou obstada, quem perde em toda a história? Ao mesmo tempo, ainda quarta-feira, voltou a interditar rodovias, como a Rio - São Paulo e a Paraná - Rio Grande do Sul.
Obstruíram ferrovias no Norte e assaltaram os prédios do Ministério da Fazenda e da Secretaria de Agricultura no Rio Grande do Sul. Como há pouco vinham fazendo de forma isolada, até mesmo depredando parte da Câmara dos Deputados, agora deram um passo adiante. Agem em uníssono. É o abril vermelho.
Enquanto isso faz o quê o governo? Continua leniente, mesmo com sua autoridade arranhada e contestada, porque a preservação da ordem significa a maior premissa para a conquista e a preservação da liberdade. Gente de má índole começa a comentar que tudo faz parte de um jogo de cartas marcadas, que o presidente Lula, por baixo do pano, estimula o MST a avançar até a criação do caos, de onde emergiria uma nova ordem. Não haverá que acreditar nesses presságios funestos. Mas é preciso crer que um governo organizado e até progressista dispõe de instrumentos para preservar-se, e não hesitará em utilizá-los. Ou não?
O grave é que o problema continua. Transformam-se em milícia da baderna os seguidores de João Pedro Stédile. Cuidam menos da reforma agrária do que da própria manutenção como tropa organizada, pronta para invadir, ocupar e demolir. Não será para restabelecer o comunismo, utopia perdida nos desvãos do autoritarismo. Para quê, então?
Senado, adeus...
Semana passada o senador Pedro Simon pronunciou um dos mais contundentes discursos não só da presente Legislatura, mas de muitas anteriores. Falou da impunidade que grassa no País, na necessidade de a nação reorganizar-se e de as instituições se reciclarem de acordo com os desafios do mundo moderno. Conseguiu, até mesmo, prender as atenções do plenário durante quase duas horas, num desabafo onde clamou pelo fortalecimento das representações políticas. Não dá para o País acomodar-se sequer à indignação, que isolada não leva a coisa alguma.
Pois bem, algum jornal publicou sequer um resumo? Umas poucas linhas de um dos maiores diagnósticos feitos sobre a realidade nacional?
Os frades não mentem
Santo Thomaz de Aquino provocava os escolásticos de seu tempo com o refrigério da razão, demonstrando ser possível à Igreja valer-se dos ensinamentos de Aristóteles. Quase respondeu aos tribunais da Inquisição, mas livrou-se pela inteligência. No mosteiro, eram poucos os frades que conseguiam acompanhá-lo. Certa feita resolveram vingar-se.
Durante uma refeição, levantaram-se subitamente, foram à janela e avisaram: "Venha ver, Thomaz, um boi voando!".
Foi, e enfrentou tremendas gargalhadas. Perguntaram-lhe como podia acreditar que um boi voava. Era o mesmo que acreditar no acoplamento de Aristóteles com a Igreja. Resposta que calou todo mundo: "Eu só não acredito, mesmo, que frades possam mentir...".
O PT bem que poderia utilizar essa historinha para concluir que Ricardo Berzoini rejeita o terceiro mandato...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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