Por: Siro Darlan
Presidente do Conselho Estadual de Defesa da Criança e membro da Associação de Juízes para a Democracia
Pode ter sido seu pai e sua madrasta. Pode ter sido também a nossa negligência. Porque enquanto todos os cidadãos discutem indignados essa novela dramática da vida real muitas outras Isabellas estão sendo assassinadas silenciosamente pela violência de sua própria família ou pela negligência dos governantes que em franco e reiterado descumprimento da máxima constitucional que prescreve criança como prioridade absoluta insistem em fazer letra morta.
No Rio de Janeiro já se aproxima de uma centena o número de mortos vítimas da falta de respeito ao direito á saúde e nem o prefeito, nem o governador foram pessoalmente responsabilizados por essa mortandade coletiva. Há seis anos dorme na gaveta do governador do Estado o projeto que cria e coloca em funcionamento o Centro de Atendimento às Crianças Vítimas de Violência. O local está aparelhado graças á insistência do medido responsável pela implantação do projeto e ao desejo de colaboração de algumas empresas.
O custo orçado para a manutenção de pessoal não passa dos quarenta mil reais e mesmo assim o governador, que em diversas ocasiões manifestou o interesse no funcionamento determinando seus auxiliares diretos de por em funcionamento, não foi capaz de dar vida a esse projeto que visa proteger as crianças dessa onda covarde de violência. Quantas Isabellas serão ainda sacrificadas até que o poder público acorde para a necessidade de proteger as crianças?
O Conselho Estadual de Direitos da Criança também não consegue funcionar porque lhe falta uma mínima dotação de pessoal para que possa cumprir sua função constitucional de deliberar políticas públicas de proteção á infância no Rio de Janeiro. Também já foi solicitado ao governador providências e nada foi atendido.
Enquanto isso, 80 mil crianças vivem abandonadas em abrigos públicos por todo o Brasil e 80% delas foram parar nos abrigos devido à violência doméstica e a negligência de seus pais, segundo dados do Ipea. Afirma-se que de cada 100 crianças vítimas de violência doméstica 60 são revitimizadas e 10% delas morrerão. O Laboratório de Estudos da Criança da USP, terra onde Isabella foi imolada, revelou que 159.754 crianças com até 14 anos foram vítimas de violência doméstica entre os anos 1999 e 2007.
O Centro de Atendimento a Crianças Vítimas de Violência (Cacav) pretende capacitar professores, conselheiros tutelares e de direito, profissionais de saúde e outros para cumprirem as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente que impõe a todos a obrigação de denunciar aos conselhos tutelares qualquer suspeita de maus-tratos contra crianças e adolescentes, além de acompanhar e assessorar os órgãos de proteção e aos familiares na tarefa de proteção à infância.
Diante da tragédia que envolveu a pequena Isabella todos se perguntam se é possível que um pai cometa tamanha violência contra sua própria filha indefesa. Nós que trabalhamos nessa área há quase vinte anos podemos testemunhar com tristeza, que infelizmente há homens e mulheres capazes de cometerem essas e outras covardias contra indefesas crianças, ainda que sejam seus próprios filhos. Poderíamos citar inúmeros casos de violência semelhante. E o que é pior há uma cooperativa da maldade que se propõem a proteger e defender esses agentes de violência.
Há um grupo de advogados e psicólogos que se juntaram para dar respaldo e essa forma hedionda de violência contra crianças e que se dedicam à tarefa de desmoralizar os agentes proteção como conselheiros tutelares, membros do ministério público, advogados, terapeutas e até magistrados. O objetivo é dar amparo para que permaneçam impunes os agentes dessa covarde prática de violência.
O preço que a sociedade paga por essa negligente conivência é muito alto porque se sabe que crianças alimentadas no viveiro da violência, quando resistem a tal prática, tornam-se reprodutoras, e alimentam a espiral de violência a cada dia.
O melhor presente que o governo poderia dar às crianças no dia 13 de julho, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente completa sua maioridade, seria melhor aparelhar os conselhos tutelares e de direitos e assim propiciar a ampliação da malha de proteção integral as crianças e adolescentes brasileiros.
Fonte: JB Online