Por: João Mellão Neto, jornalista, no Estadão
Caro ministro, sempre tive grande respeito por você. Desde meus tempos de universitário ouvia dizer que você, depois do grande Waldir Troncoso Peres, era um dos melhores advogados criminalistas de São Paulo. Já tive a oportunidade de entrevistar o dr. Waldir, quando eu trabalhava na TV Record, na década de 1980, e um aspecto nele me marcou profundamente. Mesmo quando não concordava com as idéias que ele desenvolvia, eu não conseguia rebatê-las à altura, tal o seu poder de argumentação e persuasão. Na saída do programa, já fora do ar, dei-lhe os parabéns e lhe perguntei como é que ele conseguia defender algumas teses em total contradição com o senso comum e, mesmo assim, ao menos no primeiro momento, convencer e seduzir os telespectadores. Ele me disse que devia sua retórica à experiência de meio século de incontáveis júris populares. Não foram poucas as vezes em que ele mudou a convicção dos jurados e logrou absolver réus, contra todas as evidências. Para provocá-lo indaguei-lhe se não sentia um certo desconforto ético ao salvar da prisão pessoas que ele sabia serem culpadas. Respondeu-me, com um sorriso maroto, que Deus lhe "concedera a graça de só defender inocentes..." Pois é, ministro, aprendi muito com o "príncipe dos advogados" e passei a entender um pouco como funciona a cabeça dos causídicos da área penal. Pouco importam as evidências. Para todos os crimes existe uma explicação atenuante, uma justificativa plausível, uma interpretação diferente e convincente. Os grandes mestres do júri são indivíduos extremamente sagazes e criativos, que conseguem elaborar versões fantásticas e verossímeis para todo e qualquer tipo de delito. Meu caro dr. Bastos, ao mesmo tempo em que o felicito por seu brilhantismo como advogado, só tenho a lamentar o fato de você, na condição de ministro, vir empenhando o seu inegável talento forense na defesa de atos e fatos políticos injustificáveis. Enquanto defensor de réus no Tribunal do Júri, é aceitável e até mesmo louvável que se valha de todos os argumentos possíveis para safar seus clientes. Mas na área pública é diferente. O seu compromisso, enquanto titular da pasta da Justiça, não é com os eventuais réus, mas sim com todo o povo brasileiro. Cabe-lhe defender, acima de tudo, a verdade, a transparência e o vigor das instituições democráticas. Você, infelizmente, está misturando as funções. Às vezes pontifica como um verdadeiro ministro, às vezes se comporta como um advogado qualquer. Os analistas políticos são unânimes em afirmar que é de sua autoria a genial versão do "caixa 2". Em vez de "mensalão" - que representa um grave crime de corrupção -, você teria tramado com o PT para que todos alegassem que aquela formidável movimentação de dinheiro não passou de "quitação de dívidas de campanha não contabilizadas". Um mero delito eleitoral, um crime leve, banal e já prescrito. Como estratégia de defesa, é impecável. Mas, lamentavelmente, aí, você confundiu a sua função de ministro com o seu ofício de advogado. Ao advogado, nota 10, com louvor. Ao ministro, nota zero, principalmente no quesito ética. Confesso que deixei de admirá-lo por conta dessa pantomima. Prestou um inestimável serviço advocatício ao partido, é verdade. Só que, ao fazê-lo, abdicou por completo de sua honorável condição de ministro da Justiça. Esta, com certeza, não foi a primeira nem a única vez em que você, como ministro de Estado, abriu mão da grandeza de seu cargo para se travestir de advogado criminalista. Os dois ofícios são respeitáveis, sem dúvida, porém em nada dignificam aqueles que pretendem exercê-los simultaneamente. De qualquer forma, eu ainda mantinha uma leve e respeitosa simpatia por sua eficiência e presteza. Não mais como ministro, é verdade, mas sim por seu trabalho a frente da Polícia Federal, que vem apresentando excelente desempenho. Mas eis que seu nome volta às manchetes, agora no escabroso caso da quebra do sigilo do caseiro Francenildo. Conforme noticiou a imprensa, você se teria reunido com Palocci e um renomado colega de profissão para engendrar uma versão fantasiosa que livrasse a cara do ex-prefeito de Ribeirão Preto e garantisse, assim, a permanência dele no ministério. Segundo a revista Veja, foi até cogitado o pagamento de R$ 1 milhão para que algum funcionário da Caixa Econômica Federal se dispusesse a assumir o papel de bode expiatório. O decoro que seu cargo requer não lhe permitiria jamais que, ciente da culpa do então ministro da Fazenda no episódio, ao invés de repudiá-lo, corresse até ele para oferecer os seus préstimos de criminalista. O fato de a Polícia Federal, responsável primeira pela investigação do ocorrido, estar sob seu comando agrava ainda mais a sua circunstância. Mais uma vez, o advogado-ministro deixou de ser ministro para ser apenas advogado. Na semana que vem você terá a oportunidade de participar do maior júri de sua vida. Irá ao Congresso Nacional tentar convencer 81 gabaritados jurados-senadores de sua total inocência. Sem dúvida, como brilhante causídico que é, você logrará deixá-los todos na dúvida... Se me permite a liberdade, eu vou dar-lhe uma sugestão. No início do atual governo, você declarou, em tom de lamúria, que para exercer o cargo de ministro estava abrindo mão de mais de R$ 250 mil mensais, que era quanto o seu escritório lhe rendia. Pois eis aqui a solução! Deixe o ministério e reassuma a sua banca de advocacia! Todos ganharão com isso! Você, os tribunais, os clientes e, principalmente, o Brasil! Quosque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? (*)Basta, Bastos! Se for por falta de até logo, adeus! (*) Até quando abusarás, Catilina, de nossa paciência? Cícero
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