Pavimentação feita pela empreiteira Engefort apresenta grandes buracos na avenida Manoel Ribeiro, conhecida como anel viário, na cidade de Imperatriz (MA
Engefort obteve contratos com valores superiores aos de estados vizinhos; empreiteira e estatal dizem seguir lei
A empreiteira Engefort, campeã de contratos com a estatal Codevasf sob o governo Jair Bolsonaro (PL), ganhou concorrências de pavimentação em 2021 com valores quase o dobro maiores que os de licitações em estados vizinhos vencidas por outras empresas, segundo levantamento feito pela reportagem.
A Folha encontrou discrepâncias de 87% no Tocantins, 71% na Bahia e 31% em Minas Gerais.
Como a Folha revelou em abril, a Engefort tem conquistado a maioria das concorrências de pavimentação do governo Bolsonaro em diferentes licitações nas quais participou sozinha ou na companhia de uma empresa de fachada registrada em nome do irmão de seus sócios.
A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) é a estatal federal entregue por Bolsonaro ao centrão em troca de apoio político.
Turbinada por bilhões de reais em emendas parlamentares no atual governo, a Codevasf mudou sua vocação histórica de promover projetos de irrigação no semiárido para se transformar em uma estatal entregadora de obras de pavimentação e máquinas até em regiões metropolitanas.
As grandes disparidades têm como ponto de partida os próprios preços mínimos das licitações fixados pela Codevasf. As diferenças de valores indicam que a estatal não buscou aproveitar preços de suas próprias concorrências em estados vizinhos ou não fez cotações locais para buscar pagar menos.
Procurada pela reportagem, a Codevasf alega que usou um índice oficial de preços de insumos elaborado pela Caixa Econômica Federal chamado Sinapi, que é adotado em larga escala pela administração federal e recomendado pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
A estatal citou uma decisão do TCU de 2019 segundo a qual “o Sinapi deve ter primazia em relação às cotações efetuadas diretamente ao mercado”.
Porém, há outras decisões do próprio TCU que apontam a necessidade de priorizar a economia para os cofres públicos.
Em um caso da Codevasf de 2019, em que houve superfaturamento de 70% nos orçamentos nas obras com paralelepípedos em vias do Piauí, o TCU afirmou que o Sinapi deve ser afastado quando não estiver condizente com a realidade local.
A Engefort explodiu em verbas na atual gestão e, sob Bolsonaro, foge de sua tradição ao obter também contratos para asfaltamento longe de sua sede em Imperatriz (MA).
Até abril, o governo havia reservado cerca de R$ 620 milhões do Orçamento para pagamentos à empresa —o valor total quitado a ela já somava R$ 84,6 milhões.
A Folha analisou 99 pregões de pavimentação da Codevasf de 2021, e a Engefort venceu 53 delas.
No pregão para pavimentação com blocos de concreto no Tocantins, o preço vencedor da Engefort foi de R$ 144,40 por metro quadrado. Já na licitação similar do Piauí, vencida por outra empresa, o valor foi de R$ 77,34. Os dois estados fazem divisa, mas a diferença entre os preços foi de 87%.
Se o contrato do Tocantins tivesse usado o valor do Piauí, a pavimentação para 385 mil metros quadrados custaria cerca de R$ 30 milhões, e não R$ 55,5 milhões, como ocorreu na prática. Ou seja, a economia seria superior a R$ 25 milhões.
Já no pregão feito pela 2ª Superintendência da Codevasf na Bahia para asfalto do tipo CBUQ (Concreto Betuminoso Usinado a Quente), a Engefort ganhou com o preço de R$ 110,15 por metro quadrado. Em Sergipe, estado vizinho, uma concorrente levou o contrato oferecendo R$ 64,40. A diferença foi de 71%.
Caso o contrato na Bahia tivesse empregado o montante de R$ 64,40, a pavimentação para 448 mil metros quadrados teria custo de cerca de R$ 29 milhões, e não R$ 49 milhões, como efetivamente ocorreu.
Em Minas Gerais, o pregão referente a blocos de concreto na região da cidade de Unaí teve preço ganhador da Engefort de R$ 140,24 por metro quadrado, enquanto na licitação referente a Piumhí o valor vitorioso de uma adversária foi de R$ 106,72. O preço para Unaí foi 31% maior.
Houve grande diferença até mesmo em relação a um pregão de um lote no mesmo estado vencido pela própria Engefort. Na concorrência para a região de Bom Despacho, a Engefort obteve o contrato com a oferta de R$ 110,82. Ou seja, o preço referente a Unaí foi 26% maior.
Todos os pregões analisados foram realizados em datas próximas ou até no mesmo dia.
A diferença nos preços é criticada por Anderson Rolim, presidente do Ibraop (Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas), entidade que reúne profissionais da área de fiscalização de obras públicas.
“É difícil entender como a Codevasf deixa passar uma diferença de 90%, 70%, em contratos que ela mesmo faz. Não estamos falando do Governo de Sergipe contratando de um lado e do Governo da Bahia contratando de outro, estamos falando da Codevasf contratando nesses estados”, diz.
“Os valores do Sinapi não devem ser usados cegamente. É preciso ter um mínimo de controle e razoabilidade”, completa.
Para Michael Freitas Mohallem, consultor sênior da Transparência Internacional Brasil, “a formalidade não pode servir de escudo para o mau uso do dinheiro público. Há uma autorização para usar um índice, mas claramente não é a melhor opção. Não faz sentido que uma estatal siga nessa direção”.
“Essa disparidade de preços mostra que o sistema deixa de atender ao interesse público. Uma alternativa seria trazer produtos com preços mais baixos de um estado para outro. Imagino que um transporte, mesmo de volume significativo, não iria custar R$ 25 milhões [valor a mais pago pela Codevasf no Tocantins]”, afirma.
CODEVASF E ENGEFORT DIZEM QUE CONTRATAÇÕES OBSERVARAM A LEI
A Engefort nega qualquer favorecimento indevido nas licitações e afirma que sempre cumpriu rigorosamente o que determina lei.
A firma “não possui qualquer ingerência na formulação dos preços referenciais, que são utilizados pelos órgãos licitantes e variam conforme bases orçamentárias da região”, diz.
A Codevasf afirma que segue a lei e busca o menor preço nas licitações.
Segundo a estatal, “diferenças de preços devem-se a variáveis locais (inclusive em relação a tributos), como indicam as tabelas de referência dos sistemas Sinapi e Sicro. O principal insumo da pavimentação asfáltica, por exemplo, é o material betuminoso, cujos preços variam para cada região. O transporte de materiais igualmente influencia a composição de preços”.
“No caso de Minas Gerais, havia definição prévia sobre a localidade em que os serviços seriam realizados —por essa razão foi possível a obtenção de preços por localidade, com observância do valor máximo indicado no Sinapi”, afirma.
“O número de participantes dos pregões, o nível de competitividade e o percentual de desconto oferecido estão relacionados a circunstâncias de mercado, sobre as quais a Codevasf não tem influência”, completa.
POR FLÁVIO FERREIRA
FolhaPress / Daynews