Se as manobras financeiras irresponsáveis do presidente serão suficientes para reelegê-lo, só o eleitor poderá responder
A conta das despesas eleitorais do presidente Jair Bolsonaro não para de crescer e se aproxima dos R$ 300 bilhões. Ontem, o senador Fernando Bezerra, então relator da PEC dos Combustíveis, apresentou um pacote maior do que os R$ 29,6 bilhões previstos para furar o teto de gastos, para zerar a fila (1,7 milhão, pelos números oficiais) das pessoas que aguardam ingresso no Auxílio Brasil. A soma foi a R$ 38,7 bilhões, com o contrabando de um estado de emergência que legalmente não para em pé em ano eleitoral. Para tentar eximir-se de possíveis responsabilidades pelo esforço eleitoreiro questionável, o presidente atribuiu à Advocacia Geral da União a tarefa de dizer o que pode ou não pode em relação aos dispositivos legais que regem finanças públicas e eleições.
Não é a primeira vez que Bolsonaro utiliza a AGU para defender interesses pessoais e não os da União. Recentemente, dispôs da AGU para a defesa de Wal do Açaí, funcionária fantasma de seu gabinete durante 15 anos, quando ele era deputado, que trabalhava em seus negócios com a fruta em Angra dos Reis, e nunca foi a Brasília. A situação agora é mais grave: o presidente, em campanha desesperada pela reeleição, pretende usar como escudo contra as leis outra instituição do Estado.
Os R$ 38,75 bilhões fora do teto podem não ser a última investida contra o limite de gastos, especialmente se vier junto com um matreiro estado de emergência feito sob medida. Na ausência de ideias produtivas para amenizar o impacto da alta internacional dos preços dos combustíveis, Bolsonaro e os líderes do Centrão, que o sustentam, resolveram distribuir dinheiro país afora para ver se melhoram as chances do chefe em outubro.
Bezerra deixará de lado a PEC dos Combustíveis para alterar a PEC 1/2022, do senador Carlos Favero, de mesmo objetivo, com o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A manobra também tenta apagar a responsabilidade de Bolsonaro em criar gastos eleitorais proibidos, ao buscar vender o mesmo pacote da PEC dos Combustíveis em outra PEC e carimbá-la como uma iniciativa do Legislativo.
O governo aproveita-se do crescimento da arrecadação (9,9% reais até maio), bem maior do que o dos gastos (5,8% reais no período) para fazer o “bem” e ao mesmo tempo proclamar que não prejudica as contas públicas. O governo central, porém, não tem superávit primário. O déficit previsto antes do pacote é de R$ 65,5 bilhões e maio cravou rombo de R$ 34 bilhões, o segundo maior da série histórica. A erosão fiscal vem pela conta dos juros, que está disparando - o Tesouro paga em novas emissões 11,69% em 12 meses, com viés de alta. Despesas com juros subiram a 6% do PIB, mas não são contabilizadas no déficit primário. A situação fiscal conta com a ajuda equívoca da inflação. O denominador da relação dívida/PIB é o PIB nominal, que deverá fechar o ano em 11,7% (segundo a Instituição Fiscal Independente), reduzindo obviamente o resultado.
No curto prazo, a precariedade deste equilíbrio pode ser camuflada. Mas não passa desapercebida nos mercados, que têm elevado os juros, nem ao BC, que os aumenta para conter a demanda enquanto o governo a estimula, retardando os efeitos da enorme carga de aperto monetário já realizada.
Uma conta aproximada do estímulo fiscal/parafiscal mostra que não é pouco dinheiro. O ano eleitoral começou com duas emendas constitucionais que driblaram o teto e abriram espaço para gastos de R$ 113 bilhões. O adiantamento do 13º salário para aposentados antecipou R$ 34,6 bilhões à disposição do consumo antes das eleições. O corte do IPI de 35% reduziu receitas em R$ 7,6 bilhões este ano (segundo a IFI). A liberação do FGTS trouxe para a economia mais R$ 30 bilhões. Os Estados deixarão de arrecadar (logo, o consumidor não pagará) algo entre R$ 50 bilhões a R$ 65 bilhões este ano com a redução de tarifas de energia, combustíveis, telecomunicações e transportes a 17% - os Estados alegam que a conta é maior. A redução do PIS-Cofins sobre combustíveis adiciona outros R$ 17,6 bilhões. E por fim o pacote de Bezerra, elevado a R$ 38,7 bilhões.
Ainda que o cálculo seja aproximado, há injeção direta de cerca de R$ 300 bilhões ou 3,3% do PIB. As previsões do PIB para 2022 saíram de 0,3% para a casa dos 1,5% rapidamente. Se as manobras financeiras irresponsáveis do presidente serão suficientes para reelegê-lo, só o eleitor poderá responder. As pesquisas até agora não se moveram desde março e não são favoráveis a Bolsonaro.
Valor Econômico