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terça-feira, fevereiro 01, 2022

Rússia x Ucrânia: a tensão em região que enfrenta guerra desde 2014

 




Maria está na linha de frente oriental da Ucrânia. 'Estamos firmes', diz

Por Orla Guerin

As trincheiras do leste da Ucrânia estão cobertas de neve e as armas seguem silenciosas. Mas franco-atiradores estão alojados neste deserto branco de inverno.

Tropas ucranianas que se esquecem de ficar abaixadas em suas trincheiras, ao estilo da Primeira Guerra Mundial, arriscam levar uma bala na cabeça.

O conflito por aqui está congelado desde 2014, quando separatistas, apoiados pela Rússia, tomaram partes da região de Donbass. Pelo menos 13 mil pessoas foram mortas, tanto combatentes quanto civis.

Agora, os líderes ocidentais estão alertando para algo muito pior: uma invasão russa em grande escala da Ucrânia. Se vier, a frente oriental seria um lugar fácil para começar, com os rebeldes pró-Rússia abrindo o caminho.

Maria tenta não se estressar com tudo isso. A soldada de 26 anos, falante e franzina, estava em sua trincheira, armada com um fuzil Kalashnikov. Ela faz parte da 56ª brigada de infantaria da Ucrânia. O exército nos pediu para divulgar apenas o primeiro nome dela, para evitar perseguições nas mídias sociais.

"Eu tento evitar a política e não assistir televisão. Também tento não ficar muito preocupada", diz. "Mas estamos prontos. Treinamos muito. Entendo que não será como um exercício de treinamento, será difícil para todos. Mas nosso moral está alto e estamos firmes".

Maria tem vários irmãos. Dois serviram na guarda nacional da Ucrânia. Seu irmão mais novo logo estará na linha de frente, como artilheiro dos tanques. Em casa, os pais aposentados estão cuidando do filho dela, de quatro anos.

"Foi muito difícil deixá-lo", conta. "Mas desde que eu tinha seis anos meu sonho era entrar para o exército. Eu não achava que acabaria na linha de frente, mas não me arrependo de estar aqui." Perto, um de seus companheiros cortava madeira com um machado. O frio é uma ameaça constante, com os separatistas a cerca de um quilômetro de distância.

Maria caminhou por um labirinto de túneis até seu quarto longe de casa, um beliche abaixo do solo. Desenhos infantis de cores vivas estão colados nas paredes de barro. "Estes vêm de diferentes escolas, como agradecimento", revela. "Isso ajuda a aumentar o nosso moral."

A guerra de Maria é sobre o futuro de sua terra natal, mas pode existir muito mais em jogo do que o destino da Ucrânia. A Rússia está traçando linhas de batalha em uma nova Guerra Fria. A questão agora é o futuro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a política de segurança estabelecida na Europa.

'Guerra de informação'

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, alertou para uma "possibilidade" de que a Rússia invada a Ucrânia em fevereiro e, ao fazê-lo, "mude o mundo". O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, invocou os horrores da Chechênia e da Bósnia. Mas a crescente preocupação internacional está em desacordo com o que se ouve de alguns ucranianos.

"Não acredito que os russos venham", diz uma assistente social do leste, que pediu para não ser identificada na reportagem. "Acredito nos meus olhos e ouvidos. Na verdade, está mais quieto aqui agora do que no mês passado. Esta é apenas uma guerra de informação." O bordão "nada para ver por aqui" é repetido regularmente pelo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

Mas alguns também estão com medo. "Toda vez que ouço um barulho, meu coração bate forte", confessa Ludmilla Momot, uma bisavó de 64 anos que carrega uma ponta de ouro em um de seus dentes da frente.

Momot sabe muito bem o que Moscou e seus aliados podem fazer. A casa onde ela morou por 30 anos, na vila de Nevilske, foi destruída em novembro passado durante os bombardeios separatistas. Ela voltou para Nevilske, transformada numa cidade fantasma, para nos mostrar os destroços.

"Esta é uma ferida que vai durar pelo resto da minha vida", diz ela, entre lágrimas, ao olhar para o buraco onde costumava ficar a porta da frente da casa. "Eu tive que rastejar sobre os escombros em minha camisola. Meus pés estavam sangrando. É o oitavo ano da guerra, por quanto tempo nosso sofrimento vai continuar?", questiona.

'Civis convivem com a guerra desde 2014. 'Por quanto tempo o sofrimento pode continuar?'

Civis como Ludmilla Momot convivem com a guerra desde 2014. 'Por quanto tempo nosso sofrimento pode continuar?', questiona

A reportagem da BBC perguntou à leiteira aposentada se havia algo que ela gostaria de dizer ao presidente da Rússia, Vladimir Putin. "Faça as pazes", resumiu. "Cheguem a um acordo. Todos vocês são adultos educados. Façam as pazes para que as pessoas possam viver livremente, sem lágrimas e sem sofrimento."

Na versão moderna de guerra e paz, o jogo final do líder russo permanece incerto. Será que ele concentrou cerca de 100 mil soldados ao longo da fronteira ucraniana para forçar concessões da Otan — e principalmente dos Estados Unidos — ou para tomar outro pedaço do país vizinho?

Um cenário possível é uma incursão limitada, com forças enviadas apenas para o leste da Ucrânia. O Kremlin provavelmente tentaria se apresentar como "mantenedor da paz", protegendo os portadores de passaporte russo. Moscou está ocupada emitindo centenas de milhares de passaportes em território controlado pelos separatistas.

As tropas ucranianas insistem que, se os russos realmente vierem, a tarefa não será tão fácil quanto foi anexar a península da Crimeia em 2014. "Estamos mais bem preparados desta vez", responde Alyona, um soldado que também está na porção leste. "Duvido que os russos invadam. Eles querem criar pânico e usá-lo como barganha", aposta.

Mesmo que não aconteça uma invasão terrestre — e Moscou insiste que não acontecerá — o dano já está feito. O coro internacional de preocupação com uma possível invasão conseguiu desestabilizar a Ucrânia.

O presidente Putin já obteve uma vitória, sem disparar um tiro, enfraquecendo o país vizinho que ele cobiça, ao mesmo tempo que força a comunidade internacional a aguardar e reagir a cada palavra que diz.

Mas muitos líderes ocidentais temem que ele não fique satisfeito apenas com isso.

BBC Brasil

As principais revelações de relatório que pode selar o futuro de Boris Johnson como premiê




Relatório recém-publicado diz que houve um "fracasso de liderança" diante de festas que ocorreram durante o lockdown

Foi tornada pública nesta segunda-feira (31/1) a investigação civil em torno das confraternizações promovidas na sede do governo do Reino Unido em um período em que a população do país estava em lockdown. Os desdobramentos desse relatório podem selar o futuro de Boris Johnson como premiê, embora até o momento ele tenha resistido à pressão para renunciar.

O chamado relatório Sue Gray atribuiu a um "fracasso de liderança e de julgamento" o fato de festas terem sido promovidas em Downing Street nos momentos mais rígidos de restrição ao distanciamento social.

A servidora pública Sue Gray investigou as circunstâncias de 16 eventos - dos quais três ainda não tinham chegado ao conhecimento do público - entre maio de 2020 e abril de 2021. Todas aconteceram em Downing Street ou nos gabinetes ministeriais, além de uma que ocorreu dentro do Departamento de Educação.

Esses eventos incluem um encontro com drinques no jardim de Downing Street - ao qual Johnson compareceu - em 20 de maio de 2020 e também uma comemoração do aniversário de Johnson, no chamado Cabinet Room (sala de reuniões ministeriais), em 19 de junho de 2020.

Desse total, 12 estão sendo agora apurados criminalmente pela Polícia de Londres. Nos demais quatro casos, a conclusão é de que não há motivo para investigação criminal.

Diante do Parlamento, o premiê voltou a se desculpar pelos episódios. "Peço desculpas pelas coisas em que não acertamos e pelo modo como o assunto tem sido lidado. Não adianta dizer que as coisas foram feitas dentro das regras e não adianta dizer que as pessoas (de Downing Street) estavam trabalhando duro. Esta pandemia tem sido difícil para todos. Pedimos às pessoas que fizessem sacrifícios extraordinários e entendo a raiva do público. Mas não basta pedir desculpas. Temos de nos olhar no espelho e aprender. (...) Aceito as descobertas feitas por Sue Gray por completo e sua recomendação de que aprendamos e ajamos agora".

"Estamos fazendo mudanças na forma como Downing Street e os gabinetes ministeriais funcionam, para que possamos seguir com o trabalho a que fui eleito a fazer", concluiu.

Em resposta, o líder da oposição, Keir Starmer, liderou o pedido - apoiado por alguns membros do próprio partido de Johnson - para que ele renuncie.

"O primeiro-ministro nos tratou como tolos", afirmou Starmer, acrescentando que ele é "um homem que não tem vergonha" por não ter oferecido sua renúncia e dizendo que Johnson estaria "se escondendo atrás" da investigação policial em curso.

O Partido Trabalhista (oposição) também afirmou que "não há dúvidas de que o primeiro-ministro é alvo de uma investigação criminal", uma vez que as evidências apontam que ele esteve presente em ao menos três dos eventos que estão na mira da polícia (Johnson se recusou a dizer se estava presente a um quarto evento, que teria ocorrido em seu apartamento).

Johnson reagiu dizendo que "o relatório não tem absolutamente nada que embase a bobagem que ele (Starmer) acabou de falar".

'Além de relatório de Sue Gray, há uma investigação criminal em andamento na polícia'

"Tenho total confiança na polícia e espero que eles concluam seu trabalho", acrescentou o premiê.

As críticas do relatório

"Sob o contexto da pandemia, quando o governo pedia que cidadãos aceitassem restrições amplas em suas vidas, alguns dos comportamentos ao redor desses encontros são difíceis de serem justificados", escreveu Sue Gray em seu relatório.

"Ao menos alguns dos encontros em questão representam um sério fracasso em se observarem não apenas os altos padrões esperados de quem trabalha no coração do governo, mas também os padrões esperados de toda a população britânica naquela época."

Ela também concluiu que "parece que se pensou muito pouco a respeito do que estava acontecendo no país ao se avaliar se essas confraternizações eram apropriadas, (quanto ao) risco que representavam à saúde pública e como elas poderiam ser vistas pelo público".

A conclusão mais forte é que "houve fracassos de liderança e julgamento por diferentes partes do Número 10 (uma forma de se referir à sede do governo) e pelos gabinetes ministeriais em diferentes momentos. Alguns desses eventos não deveriam ter podido acontecer. Outros não deveriam ter podido evoluir como evoluíram."

Gray também apontou que o consumo excessivo de álcool em algumas das confraternizações "não é apropriado em um ambiente profissional em momento algum".

A investigação

Sue Gray e sua equipe entrevistaram 70 indivíduos, mas nenhum deles teve seu nome divulgado.

A investigação também examinou e-mails, mensagens de WhatsApp e de SMS, fotografias e registros de entrada e saída nos gabinetes e escritórios.

O relatório não detalha quanto a se eventos individuais (entre os 12 destacados) estiveram dentro das regras estipuladas do lockdown, uma vez que os episódios ainda estão sendo investigados pela polícia. É possível que mais detalhes sejam tornados públicos posteriormente.

Nas entrevistas, Gray afirmou ter descoberto que membros da equipe governamental queriam ter podido levantar críticas aos comportamentos que presenciaram, mas se sentiram incapazes de "desafiar essas má condutas".

Ela também apontou que muitas pessoas estavam tendo de trabalhar presencialmente, apesar de o governo ter feito um apelo para que a população trabalhasse de casa durante os meses de lockdown.

Sob a Lei do Coronavírus imposta pelo governo, más condutas são passíveis de multa no Reino Unido.

O que vai acontecer com Johnson?

Antes da fala do premiê nesta segunda-feira, um porta-voz do mandatário afirmou que Johnson não acha que desrespeitou a lei.

Johnson também tem deixado claro que não pretende renunciar.

Mas se a pressão do escândalo crescer, é possível que parlamentares de seu próprio partido, o Conservador, tentem removê-lo, especialmente se a investigação policial se mostrar muito danosa.

Antes mesmo do relatório desta segunda, diversos membros de alto escalão do Partido Conservador haviam pedido a remoção de Johnson - o que pode levar eventualmente a um voto de não confiança no premiê.

Numa votação desse tipo, Johnson precisaria de uma maioria simples de votos de seu partido para permanecer no poder.

Essa votação pode ser requisitada se ao menos de 15% dos parlamentares conservadores eleitos escreverem uma carta dizendo que não têm mais confiança no premiê.

Considerando que há atualmente 359 conservadores no Parlamento, seria necessário que 54 deles assinassem o pedido.

Na noite desta segunda-feira (horário local), após reuniões com o Partido Conservador, um parlamentar ouvido pela BBC afirmou que ainda se está distante dessas 54 assinaturas.

A BBC apurou que Johnson prometeu aos correligionários relações muito mais próximas entre o governo e os parlamentares do partido e de que publicaria o teor completo do relatório de Sue Gray (uma vez que, por conta da investigação policial, apenas uma parte das descobertas foram reveladas). Um parlamentar afirmou considerar que que Boris Johnson está, no momento, em "liberdade condicional".

A antecessora de Johnson, Theresa May, sobreviveu a uma votação de não confiança em dezembro de 2018, mas acabou renunciando seis meses depois.

BBC Brasil

Apodrecimento político




Houve uma completa evacuação das noções de bem coletivo e de colocação dos verdadeiros problemas do País

Por Denis Lerrer Rosenfield* (foto)

A tessitura política brasileira tem hoje laços tênues com a arte de governar. Instalouse um desgoverno, voltado apenas para a reeleição do atual titular e para a defesa dos grupos encastelados no Poder. Os privilégios dos mais diferentes tipos são mantidos e, mesmo, fortalecidos, enquanto o País padece do desemprego, da ausência de expectativas, da baixa renda e da miséria visível nas ruas. A narrativa presidencial e governamental, procurando velar o que acontece, se compadece na criação de fatos midiáticos, quando não fantasiosos, de modo que a discussão se faça dentro de uma bolha artificialmente criada e propagandeada pelas redes sociais “amigas”.

Vacinas e campanhas de vacinação não deveriam, a rigor, ser objeto de discussão, salvo evidentemente as científicas, segundo seus critérios e protocolos. Aliás, o ambiente da sociedade é particularmente propício para que isto aconteça, visto que há adesão maciça da população à vacina, apesar de todas as tentativas governamentais para desacreditá-la. Vacinar não é um problema, salvo para pessoas em postos de comando que tergiversam sobre tudo, inclusive sobre a verdade. Mentiras ganham corpo no espaço público, produzindo o estilhaçamento do bem coletivo. O presidente empenha-se contra a vacinação de crianças, chegando inclusive a dizer que crianças não morreram devido à covid, quando os números oficiais remontam a mais de 300, uma enormidade. Isto é insano!

O ministro da Saúde, obediente, não segue os critérios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), empenhando-se em criar audiências públicas inúteis para retardar esse processo. Seu ministério chega a divulgar documento declarando que a vacina não está cientificamente comprovada, enquanto a hidroxicloroquina teria passado por todos os testes, como se fosse comprovadamente eficaz no combate a essa doença. É melhor dizer com todas as letras: trata-se de um crime contra a saúde pública, que deveria ser devidamente julgado. Um ministro médico não honra o seu título. Ciência e saúde não podem ser objeto de politicagem.

A aprovação do Orçamento da União é mais uma amostra do apodrecimento da política. Preliminarmente, em sua elaboração, houve o calote dos precatórios para supostamente haver atendimento de necessidades sociais, sobretudo em tempos de pandemia. O que se viu, no entanto? A abertura de espaço orçamentário para novas emendas parlamentares, o tal do orçamento secreto que, de tão sigiloso, não pode nem ser visto pela sociedade e pelos órgãos de controle. Bilhões faltam para a saúde e a educação, mas os parlamentares amigos têm todos os seus apetites saciados. Chegam a babar de tão satisfeitos, enquanto imensa parte da população vive de migalhas. Claro, nem poderia faltar o atendimento de interesses corporativos caros ao presidente, como os policiais federais, aos quais aumento de salários foi prometido. Condizente com tal postura, novas categorias da elite do funcionalismo pedem isonomicamente o mesmo tratamento, deixando ao léu os estratos inferiores. O País vive no teatro do horror.

A tradução de uma política capenga é sua progressiva judicialização. Ou seja, como o governo e autores e partidos políticos não conseguem negociar entre si, incapazes que são de equacionarem os seus próprios problemas e, ainda pior, os do País, recorrem incessantemente às instâncias jurídicas, em particular ao Supremo. Na verdade, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi politizado pelos próprios políticos. Resultado: os ministros tomaram gosto de ser provocados, passando a se manifestar sobre qualquer assunto, muitos deles agindo nos bastidores, externando suas preferências partidárias e atuando publicamente como se políticos fossem. O círculo tornou-se propriamente vicioso. De última instância constitucional, o STF veio a ser uma espécie de outra instância da luta política. Discute-se quem será um novo ministro, não em virtude de sua competência, de sua probidade, de seu saber, mas em função de a quais interesses estaria disposto a atender. E tudo isto em conivência com o Senado, que se mostra incapaz de atuar conforme a sua missão.

Talvez um dos piores legados do atual governo seja este empobrecimento da política, a sua completa evacuação das noções de bem coletivo, de equacionamento de conflitos, de colocação dos verdadeiros problemas do País. Tudo é motivo de tergiversação, de criação de bolhas digitais, de invenção de falsos problemas. A articulação política tornou-se meramente uma negociação de cargos, emendas e outras coisinhas mais. Se isto ainda se fizesse visando à aprovação de projetos importantes para o País, seria uma contribuição que o vício pagaria à virtude. Mas não! Servem apenas para projetos eleitorais, tendo como único mote a manutenção do status quo, com a garantia de que nada mude. Ministros se honra tivessem já deveriam ter abandonado os seus cargos, como alguns fizeram, dando o exemplo de que as coisas podem ser diferentes, sempre e quando haja vontade de mudar.

*Professor de filosofia na UFGRS

O Estado de São Paulo

Se Putin é conservador, melhor você ser outra coisa.




Ao tratar Putin como ícone conservador, Bolsonaro exemplifica o que comentei no último artigo sobre as diferenças entre as ideias de intelectuais como Edmund Burke (e os movimentos políticos inspirados por elas) e discursos tipicamente bolsonaristas como a pregação antivacina. 

Por Alexandre Borges 

Na última quinta-feira (27), um apoiador do cercadinho perguntou a Jair Bolsonaro se o presidente russo era "gente da gente". Sem hesitar, responde: "Ele é conservador", num dos momentos mais curiosos do seu mandato. No panteão dos vilões soviéticos, é provável que um ex-chefe da KGB esteja no topo da lista, o que não impediu o presidente brasileiro, um autodeclarado anticomunista, de se referir a ele com admiração e afeto. De tédio, com certeza, um analista político não morre por aqui.

Vladimir Vladimirovitch Putin, 69 anos, comanda seu país com mão de ferro desde a renúncia do antecessor em 1999 e concentra tanto poder que faria um antigo czar russo parecer o Rei Momo. Ele não apenas preside seu país, Putin é a Rússia. A força, a estabilidade e a longevidade do seu poder é o que gera tantos suspiros em candidatos a autocrata no mundo inteiro.

De origem humilde, o menino de São Petersburgo fascinado por filmes de espionagem que queria ser agente secreto foi muito mais longe que seu sonho de infância mais delirante. Aos 15 anos, bateu na porta da KGB pedindo para ingressar na corporação, mas foi aconselhado a estudar direito e voltar depois de formado. Aos 23 anos, já advogado, foi aceito no mais temido serviço secreto do mundo, onde fez carreira e terminou como diretor-geral em 1998. Apenas um ano depois, o fraco e debilitado presidente Boris Yeltsin (1931-2007) aponta o desconhecido burocrata como primeiro-ministro e o povo se pergunta: "quem é Putin?" Hoje não há um russo que não saiba a resposta.

O país mais extenso do mundo é uma democracia de fachada, na prática uma ditadura que não reconhece qualquer limite para controlar o destino da população. Putin acredita em dirigir a Rússia manipulando de forma arbitrária e personalista todas as instituições de governo e da sociedade civil, incluindo a igreja e a imprensa, perseguindo e eliminando adversários e dissidentes quando necessário, fazendo do resultado das eleições o mais previsível possível. Na Rússia, não há surpresa quando as urnas são abertas.

Assim como no período soviético, Putin e seu círculo íntimo acreditam que o país deve ser comandado por um clube fechado de patriotas não-eleitos e suficientemente treinados para identificar, localizar e eliminar supostas ameaças à segurança nacional. A economia também não foge à regra.

A Rússia tem um capitalismo de compadrio, tão corrupto quanto se pode imaginar, baseado em óleo e gás, lembrando países como Arábia Saudita e Venezuela, tão distante quanto possível das economias de livre mercado. Se você quer ter uma ideia de como a corrupção está incrustada na máquina estatal russa, veja o ótimo documentário original da Netflix "Icaro".

Putin, forjado na cultura paranoica da KGB, acredita que qualquer oposição ao regime é suspeita e, provavelmente, organizada por espiões a serviço de inimigos externos. Jornalistas, intelectuais, empresários e ativistas foram perseguidos, presos, exilados e alguns mortos durante seu governo. Em vez da violência em massa dos tempos de Stálin, o atual regime russo investe em ações localizadas e direcionadas que eliminam alvos específicos e geram o terror no resto da população.

O atual líder russo também acredita firmemente em influenciar diretamente o destino dos países vizinhos que formavam a ex-URSS. Uma das declarações mais famosas de Putin foi classificar o fim da União Soviética como a maior catástrofe geopolítica do século passado. Sua obsessão por tutelar a Ucrânia faz parte desta visão que tem como principal ideólogo o sinistro Alexandr Dugin, uma espécie de Rasputin redivivo.

Ao visitar a Rússia num momento de tamanha tensão regional, Bolsonaro espera sinalizar para seus apoiadores que não está isolado no mundo e que, ao menos, há uma afinidade de algumas de suas pautas com a de outros líderes "conservadores", na versão bem particular que o presidente brasileiro, seus ideólogos e propagandistas dão ao termo e que nada tem a ver com o conservadorismo de raiz britânica que fingem admirar.

Ao tratar Putin como ícone conservador, Bolsonaro exemplifica o que comentei no último artigo sobre as diferenças entre as ideias de intelectuais como Edmund Burke (e os movimentos políticos inspirados por elas) e discursos tipicamente bolsonaristas como a pregação antivacina.

Quem suspira por Putin diz mais sobre si do que sobre o super czar do século XXI. Putin não é apenas o malvado favorito da vez, ele foi onde todo governante com pendor antidemocrático e antiliberal sonharia ir. A história não será simpática com nenhum deles.

Gazeta do Povo (PR)

Coreia do Norte testou míssil mais poderoso desde 2017

 




Armamento de médio alcance seria capaz de atingir a base americana na ilha de Guam, no Oceano Pacífico. Esse foi o sétimo exercício militar com armas pelos norte-coreanos apenas de janeiro.

A Coreia do Norte confirmou nesta segunda-feira (31/01) que testou seu mais poderoso míssil desde 2017. O lançamento ocorreu neste domingo e, segundo a Agência Central de Notícias do país, a intenção era comprovar a eficácia e precisão do Hwasong-12, desenvolvido pelas forças militares norte-coreanas.

O país também divulgou que o objeto, classificado como de médio alcance, foi lançado em direção às águas da costa leste em ângulo elevado, o que teria evitado o sobrevoo sobre outros territórios nacionais.

Conforme avaliações feitas por especialistas sul-coreanos e japoneses, o míssil atingiu uma distância de 800 quilômetros e uma altitude de 2 mil quilômetros, antes de cair no oceano entre a Península Coreana e o Japão.

A partir dessas informações, autoridades concluíram que o míssil é o mais potente testado pela Coreia do Norte desde 2017, quando lançou os chamados Hwasong-14 e Hwasong-15, de longo alcance, a fim de comprovar capacidade de ataques nucleares até mesmo ao território dos Estados Unidos, além de bases militares americanas localizadas no nordeste da Ásia e no Pacífico.

Em trajetória padrão, o Hwasong-12, testado neste domingo, pode alcançar até 4,5 mil quilômetros de distância. Na prática, portanto, seria possível atingir a base americana localizada em Guam, no Oceano Pacífico.

A Agência de Notícias da Coreia do Norte publicou uma série de imagens que seriam do lançamento do míssil, além de outras mostrando o país e territórios vizinhos, vistos do espaço por uma câmera instalada no armamento.

Lee Choon Geun, especialista em mísseis e pesquisador honorário do Instituto Político de Ciência e Tecnologia da Coreia do Sul, confirma que as imagens podem ter sido feitas do espaço. Embora seja difícil acoplar uma câmera a um projétil, Geun acredita que a Coreia do Norte teve a intenção de exibir avanço tecnológico tanto para a própria população quanto para o exterior.

'Exercício militar teria sido o sétimo lançamento de míssil somente em janeiro de 2022
'
Testes foram constantes em janeiro

Os lançamentos de mísseis por parte do governo em Pyongyang foram constantes nos últimos meses. Somente em janeiro, foram sete rodadas de mísseis testados, além de outras armas, a exemplo de um míssil hipersônico.

Os testes realizados pela Coreia do Norte durante o mês de janeiro são vistos como um distanciamento ainda maior da moratória que prevê a suspensão dos testes nucleares por parte da Coreia do Norte, negociada em 2018 entre o então presidente americano Donald Trump e Kim Jong-un. Este afirma ter abandonado o acordo em janeiro de 2020.

Para o analista Cheong Seong-Change, do Instituto Sejong, na Coreia do Sul, o Norte continuará com os testes, se os EUA lhe impuserem novas sanções ao país.

Podem ser executados até testes nucleares, uma vez que os norte-coreanos já indicaram publicamente que têm a intenção de produzir mísseis balísticos intercontinentais dotados de ogivas nucleares mais poderosas. Isso inclui mísseis de maior alcance e precisão, além de um satélite-espião e uma ogiva superdimensionada, extremamente letal.

'Teste feito norte-coreano foi divulgado e criticado nos países vizinhos, como na Coreia do Sul'

Ação é criticada por EUA, Japão e Coreia do Sul

O governo americano classificou o teste deste domingo como uma escalada nas provocações que têm se tornado preocupantes nos últimos meses.

A administração do presidente Joe Biden pretende responder ao lançamento do míssil nos próximos dias, demonstrando comprometimento com a segurança dos aliados da região.

Washington diz considerar o teste em questão como a mais recente numa série provocações, nos últimos meses, com que a Coreia do Norte espera obter um afrouxamento das sanções.

O gabinete de Biden pediu que os norte-coreanos retomem as negociações, mas ressalvou que não consegue vislumbrar um encontro pessoal com seu homólogo Kim, como fez Trump.

Autoridades sul-coreanas e japonesas condenaram a ação deste fim de semana, acusando Pyongyang de violar as resoluções do Conselho de Segurança da ONU que proíbem o país de testar mísseis e armas nucleares.

Deutsche Welle

EUA e Rússia trocam farpas na ONU ao discutir sobre Ucrânia




Washington diz que o envio dos soldados russos à fronteira com a Ucrânia é "ameaça à paz e segurança internacionais". Kremlin chama cúpula de "golpe de relações públicas" e acusa a Casa Branca de provocar "histeria".

A Rússia e os Estados Unidos trocaram acusações nesta segunda-feira (31/01), durante reunião do Conselho de Segurança da ONU, em Nova York, convocada para discutir o acúmulo de tropas de Moscou na fronteira com a Ucrânia.

Washington disse que o envio dos soldados russos era uma "ameaça à paz e segurança internacionais", enquanto um porta-voz do Kremlin chamou a cúpula da ONU de "golpe de relações públicas" e acusou a Casa Branca de criar "histeria".

Os EUA disseram que a Rússia planeja aumentar sua presença militar em Belarus para 30.000 soldados nas próximas semanas, para se somar aos mais de 100.000 que mantém próximo à fronteira com a Ucrânia.

Belarus, por sua vez, negou que esteja sendo usada como palco para uma invasão russa à Ucrânia.

A Rússia viu como intromissão em assuntos internos do país os EUA convocarem uma reunião aberta para discutir a questão e negou que mantenha cerca de 100.000 soldados próximo à fronteira com a Ucrânia.

Rússia tenta barrar reunião

Antes do início do encontro, os Estados Unidos conseguiram convencer 10 dos 15 membros do Conselho de Segurança a apoiarem a reunião pública desta segunda-feira, frustrando uma tentativa russa de interromper o encontro.

No entanto, qualquer ação formal do Conselho de Segurança da ONU é considerada extremamente improvável, dado o poder de veto da Rússia e seus laços com outros membros do grupo, incluindo a China, que apoiou a tentativa de Moscou de bloquear uma reunião aberta.

"Este é realmente o momento certo para uma diplomacia silenciosa", disse Zhang Jun, enviado de Pequim à ONU.

Troca de farpas

Os EUA e a Rússia trocaram farpas, com o enviado de Moscou, Vassily Nebenzia, acusando os EUA de instalar "nazistas puros" no poder em Kiev.

A embaixadora dos EUA, Linda Thomas-Greenfield, respondeu que a crescente força militar da Rússia ao longo da fronteira com Ucrânia é "a maior mobilização" na Europa em décadas, acrescentando que houve, também, um aumento nos ataques cibernéticos e na desinformação russa.

"Eles estão tentando, sem qualquer base factual, pintar a Ucrânia e os países ocidentais como os agressores para fabricar um pretexto para o ataque", disse ela.

Nebenzia, então, acusou o Ocidente de hipocrisia. "Nossos colegas ocidentais estão falando sobre a necessidade de 'desescalada' [nas tensões]. No entanto, em primeiro lugar, eles mesmos estão provocando tensões e retórica e estão provocando uma escalada".

Ele deixou a reunião antes que o embaixador ucraniano, Serhiy Kyslytsia, tivesse a chance de falar. Kyzlytsia enfatizou que Moscou ainda não forneceu explicações críveis para suas ações militares. 

No início da reunião, o presidente dos EUA, Joe Biden, pediu uma solução diplomática para o conflito. Se a Rússia "decidir sair da diplomacia e atacar a Ucrânia, assumirá a responsabilidade e enfrentará consequências rápidas e sérias", alertou.

Diplomacia paralisada

Apesar das negociações em andamento, Rússia e EUA não conseguiram chegar a nenhum acordo nas últimas semanas para aliviar as tensões. Embora Moscou afirme que não tenha planos de invadir a Ucrânia, exige que a Otan prometa que não vai permitir a adesão de Kiev à Aliança Atlântica, que recue suas forças na Europa Oriental e que acabe com o envio de armas perto das fronteiras da Rússia.

Tanto a Casa Branca quanto a Otan recusaram os pedidos, chamando as exigências de "impossíveis". Os EUA ameaçaram fortes sanções econômicas caso Moscou continue sua postura militar na fronteira.

Os esforços diplomáticos entre o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e seu colega russo, Sergey Lavrov, não produziram resultados, nem telefonemas entre os presidentes Joe Biden e Vladimir Putin.

Nesta terça-feira, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, deve viajar para Kiev para conversar com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, que acusa o Ocidente de criar "pânico" e prejudicar a economia de seu país com conversas sobre guerra.

Deutsche Welle

3 fatores que explicam por que Ucrânia é tão importante para Rússia

 




Rússia está preocupada com ascensão do nacionalismo na Ucrânia

Por Ángel Bermúdez 

Alguns acreditam que se trata de uma obsessão pessoal do presidente russo, Vladimir Putin. Outros argumentam ser uma tentativa de retornar a uma espécie de nova Guerra Fria.

As tensões entre a Rússia e a Ucrânia dispararam alarmes em todo o mundo, face à possibilidade cada vez mais real de uma guerra entre esses dois países.

Os temores foram alimentados pelos mais de 100 mil soldados russos posicionados ao longo da fronteira ucraniana e por uma série de demandas apresentadas por Moscou em meados de dezembro.

Algumas delas são: o compromisso de que a Ucrânia nunca se junte à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), limitações às tropas e armas que podem ser implantadas nos países que aderiram a essa aliança após a queda da União Soviética (URSS) e a retirada da infraestrutura militar instalada nos estados do Leste Europeu após 1997.

"Eles realmente querem retornar às fronteiras existentes na Europa Oriental durante a Guerra Fria", diz George Friedman, fundador da empresa internacional de previsão e análise Geopolitical Futures, resumindo as demandas de Moscou.

Washington, que fala de uma ameaça "iminente" da Rússia à Ucrânia, colocou cerca de 8,5 mil soldados em alerta para serem enviados ao Leste Europeu, deslocou navios de guerra ao Mar Negro e ordenou a evacuação dos parentes de seus diplomatas em Kiev, a capital da Ucrânia.

Por outro lado, o governo do presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, pediu calma, afirmando que essa crise começou com a invasão russa da península da Crimeia e a ocupação por grupos pró-russos na região de Donbass, no leste da Ucrânia, onde desde 2014 quase 14 mil pessoas morreram.

'Em 2014, Rússia anexou península ucraniana da Crimeia'

Essas ações levaram a sanções contra Moscou e sua crescente alienação do Ocidente. Mas por que a Rússia dá tanta importância à Ucrânia? A BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, explica três fatores para isso.

1. Zona de segurança

"A Rússia está seguindo essas políticas no momento porque percebe que um país que está perto de sua fronteira está se tornando uma plataforma para uma aliança militar ameaçadora. Portanto, tem a ver com a possibilidade de a Ucrânia se tornar membro da Otan e assim passar a armazenar mísseis e tropas dessa aliança", diz Gerald Toal, professor de Relações Internacionais da Universidade Virginia Tech, nos EUA, à BBC News Mundo.

George Friedman, da Geopolitical Futures, lembra que o território da Ucrânia serviu como "zona tampão" para Moscou desde a época da invasão napoleônica de 1812.

"A Ucrânia é a fronteira ocidental da Rússia. Quando os russos foram atacados pelo oeste durante a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, foi o território da Ucrânia que os salvou. Inimigos tinham que percorrer mais de 1,6 mil quilômetros para chegar a Moscou. Se a Ucrânia cair nas mãos da OTAN, Moscou estaria a apenas 640 quilômetros deles. Foi a Ucrânia que salvou os russos de Napoleão. Portanto, se trata de uma zona de segurança que eles querem manter", ressalta.

Na visão de Toal, há uma percepção por parte de Moscou de que a Rússia está sendo cercada por uma aliança inimiga, algo que gera preocupação nas grandes potências.

Ele lembra que, no início dessa crise, o vice-chanceler russo se referiu à crise dos mísseis de 1962 e que posteriormente Moscou chegou a aventar a possibilidade de implantar forças militares em Cuba e na Venezuela.

"Eles fizeram alusão a isso para enfatizar que os Estados Unidos têm sua própria Doutrina Monroe, suas próprias ansiedades sobre a presença de forças hostis perto de seu território e, nesse sentido, é um argumento válido", diz ele.

"Mas a resposta para Moscou é que isso acontece porque a Rússia está ameaçando a Ucrânia e tomou parte de seu território. Do ponto de vista da segurança nacional da Ucrânia, eles buscam ajuda, buscam aliados contra um Estado que veem como muito perigoso e que já lhes tomou parte de seus territórios reconhecidos internacionalmente", acrescenta.

2. Ligações históricas, religiosas e culturais

Em 12 de julho de 2021, em um longo artigo sobre as relações com a Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, denunciou que a nação vizinha estava caindo em um jogo perigoso destinado a transformá-la em uma barreira entre a Europa e a Rússia, em um trampolim contra Moscou.

Putin não se referia apenas à dimensão de segurança e geopolítica, mas sobretudo aos laços históricos, culturais e religiosos entre a Rússia e a Ucrânia, e sobre os quais escreveu extensivamente.

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O presidente russo relembrou, entre outras coisas, o antigo povo rus, considerado o ancestral comum de russos, bielorrussos e ucranianos, e destacou os muitos marcos da história comum para defender sua visão de que russos e ucranianos são "um só povo".

Toal, da Universidade Virginia Tech, destaca que vários elementos que misturam história, cultura e identidade estão envolvidos nessa ideia.

"A Rússia não vê a Ucrânia como apenas mais um país. A visão dominante do nacionalismo russo é que a Ucrânia é uma nação eslava irmã e, além disso, o coração da nação russa. Essa é uma ideologia muito poderosa, que faz da Ucrânia um elemento central da identidade russa", diz ele.

"Portanto, há sentimentos muito fortes quando a Ucrânia como nação se define em oposição à Rússia. Isso causa muita raiva e frustração na Rússia, que se sente traída por um irmão. E isso tem a ver com a incapacidade da visão dominante entre os russos de reconhecer a identidade nacional ucraniana como algo separado da Rússia", acrescenta.

George Friedman, da Geopolitical Futures, descarta a importância que a Ucrânia poderia ter para a Rússia do ponto de vista cultural ou histórico e garante que a real preocupação de Moscou é geopolítica.

"Sim, os dois países compartilham uma história comum. Historicamente, a Ucrânia foi dominada e oprimida pelos russos. Durante o período soviético, eles sofreram uma grande fome, em que milhões de pessoas morreram, porque a Rússia queria exportar os grãos que produziam. A grande unidade entre o povo russo e ucraniano é um absurdo", argumenta ele.

3. O legado de Putin

Em entrevista à BBC News Mundo em dezembro passado, Kadri Liik, analista-chefe do Conselho Europeu de Relações Exteriores especializado na Rússia, disse que, em sua opinião, a questão da Ucrânia é aquela em que as próprias emoções de Putin entram em jogo, então, às vezes, suas posições podem não parecer muito racionais.

Gerard Toal aponta haver um argumento segundo o qual Putin foi pessoalmente humilhado pelo que aconteceu com a Ucrânia durante seu mandato, quando seus esforços recorrentes para instalar líderes pró-russos em Kiev não renderam os frutos esperados.

'De acordo com visão e discurso de Putin, Rússia e Ucrânia são "um só povo"

"O argumento geral é que ele está lutando com esse problema há algum tempo, sente que é um negócio inacabado que faz parte de seu legado e precisa ser corrigido de uma vez por todas", destaca.

"Putin acredita que o Ocidente transformou a Ucrânia em uma plataforma antirrussa e que isso é algo que ele precisa resolver", acrescenta.

Toal, no entanto, considera arriscado analisar a crise na Ucrânia de uma perspectiva emocional.

"Muitos analistas fazem isso e penso que é uma abordagem perigosa. Quando olhamos para os argumentos emotivos da crise na Ucrânia, tendemos a reduzi-los a ideias como a de que Putin está chateado e zangado. Nós o transformamos em uma espécie de louco, que toma decisões irracionais. Isso é um erro. Essas emoções são genuínas e fazem parte da cultura geopolítica da Rússia, então qualquer líder daquele país teria que lidar com elas e decidir se afirmá-las ou deixá-las de lado", explica.

"Acredito que as políticas de Putin têm muito a ver com sua personalidade e sua história como ex-agente da KGB (agência de inteligência da URSS) que foi treinado na era soviética e que tem um anseio particular por um Estado forte. Todas essas coisas são extremamente importantes. Um líder da geração mais jovem provavelmente abordaria essas questões de maneira diferente, mas essas emoções são genuínas e não podemos dizer que são apenas elementos da personalidade de Putin."

Brasil e Ucrânia

Em outro desdobramento, em telefonema com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, o chanceler brasileiro, Carlos França, defendeu uma "solução diplomática" para o conflito.

"O Ministro Carlos França recebeu hoje telefonema do Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken. Ao abordarem a situação na Ucrânia, os ministros concordaram na necessidade de desescalada das tensões e de uma solução diplomática para a crise. Reconheceram a importância do Conselho de Segurança nesse processo", diz o comunicado do Itamaraty.

Neste ano, o Brasil voltou a ocupar um assento não-permanente no Conselho de Segurança da ONU.

BBC Brasil

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