Publicado em 25 de março de 2024 por Tribuna da Internet
Igor Gielow
Folha
Os previsivelmente desconexos e esvaziados atos da esquerda contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) neste sábado (23) são menos relevantes no contexto das potencialidades dos campos rivais da polarização brasileira, mas retratam um dilema colocado à frente de Lula (PT).
Desde que assumiu o governo, com a grande ajuda dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o presidente aposta sistematicamente na divisão do eleitorado para manter sua base de apoio magnetizada.
ESPANTALHO – Bolsonaro, mesmo tendo perdido os direitos políticos até 2030, é tratado como ameaça existencial. Com isso, o governo gira politicamente em torno da manutenção desse espantalho. Nada de novo aqui: o ex-presidente fez o mesmo com Lula ao longo de seu mandato.
Não só: ambos os líderes jogam uma partida de retroalimentação da importância do rival. O resultado fica evidente na constante polarização do país registrada pelo Datafolha, que na mais recente pesquisa mostrou o mesmo nível de divisão do eleitorado —no caso, 41% se dizem muito ou algo petistas, 30% o mesmo no registro bolsonarista.
Restam espremidos e órfãos 21% dos que se declaram neutros, exatamente o lago em que ambos os grupos terão de pescar votos nos pleitos futuros.
DECEPÇÃO – Lula tem decepcionado sequencialmente seus seguidores mais inflamados à esquerda, que vinham sendo alimentados pela influência da primeira-dama Janja na modulação mais agressiva do petista neste terceiro mandato. Da Ucrânia a Gaza, passando pela Lava Jato e a ditadura venezuelana, ele tocou violino para as franjas radicais.
Mas na hora de falar dos 60 anos do golpe militar que, no fim dos anos 1970, o viu ser gerado como ator político, Lula baixou a bola. O faz em nome de uma estabilidade tensa com os militares, já pressionados pelas investigações da trama golpista do bolsonarismo, e frustrou sua base.
Há o pragmatismo que sempre marcou Lula muito mais que qualquer esquerdismo no cálculo, mas talvez também a percepção de que a tática de usar a polarização tem favorecido mais Bolsonaro do que ele. Novamente, o Datafolha oferece uma bússola.
SINAL DE ALERTA – Na mais recente pesquisa, as curvas de aprovação e reprovação do presidente se aproximaram. Nenhuma tragédia, mas o sinal de alerta está ligado do ponto de vista estratégico, mirando o pleito de 2026.
Em um ano, o desgaste de um governo que traz bons indicadores econômicos, mas que tem se fiado mais numa querela com o rival do que em apresentar um programa que pareça ter sido feito nos anos 2020, se faz evidente.
Isso sugere a razão do abandono à própria sorte dos atos por Lula. O petista pode ter percebido que a obsessão mutuamente assegurada com Bolsonaro talvez não lhe seja mais tão vantajosa, enquanto mantém o encurralado ex-presidente com musculatura pública.
DIREITA NA RUA -Para piorar, há o fato inescapável de que a rua virou território da direita de classe média no Brasil desde que a energia liberada de forma descontrolada nos atos de 2013 virou combustível para o impeachment de Dilma Rousseff (PT) três anos depois. A esquerda, que vivia da fama de dominar esse território por meio de sindicatos e ONGs, nunca se recuperou.
Houve, claro, momentos em que as “Paulistas” ficaram vermelhas e, principalmente, o apoio a Lula o levou de volta à Presidência. Os autodeclarados petistas ainda são majoritários.
Mas o protesto pró-Bolsonaro de 25 de fevereiro foi um lembrete de que, se for disputar fotografia, a capilaridade de mobilização virtual ainda dá vantagem à direita. Enquanto resolve o que fazer, Lula arrisca ver sua base se desorganizar.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Excelente análise do Igor Gielow, ex-editor de Política da Folha. Lula não está bem. Sua confusão mental é visível. Se continuar assim, será bobagem tentar a reeleição. Como diz o professor e teólogo carioca Antonio Rocha, os três mandatos já estão de bom tamanho. (C.N.)