Publicado em 26 de abril de 2023 por Tribuna da Internet
Elio Gaspari
O Globo/Folha
O ministro interino do Gabinete de Segurança Institucional, Ricardo Cappelli, disse que “com a liberação das imagens [do Palácio do Planalto invadido no dia 8 de janeiro] vai ficar demonstrado que não há qualquer possibilidade de ilação com relação à conduta do general, que, inclusive, de forma muito honrosa, fez questão de se afastar das suas funções para que não houvesse dúvida sobre a lisura da conduta dele”.
Cappelli exonerou o general Gonçalves Dias de qualquer responsabilidade na mazorca dias antes da criação da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigará a tentativa de golpe de Estado daquele domingo. Esse tipo de atitude levará água para o terraplanismo bolsonarista que pretende associar o governo à invasão do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
TUDO ERRADO – No apagão da segurança de Brasília, misturaram-se inépcia, tolerância e cumplicidade das forças civis e militares encarregadas de garantir a segurança da praça dos Três Poderes. Os limites de cada conduta serão investigados pela CPI. Pulando na frente, o governo atira-se numa armadilha.
Em seu depoimento à Polícia Federal, o general da reserva Gonçalves Dias, afastado da chefia do GSI, disse que nas mensagens captadas entre os dias 2 e 7 de janeiro “não havia informações relevantes”.
Havia. Os golpistas mobilizavam-se para a “festa da Selma”, e às 17h24 do dia 5 um integrante do Supergroup avisava: “amanhã parece que será falada uma data para a festa da Selma”. Nesse dia, outra mensagem falava em três “trincheiras”, uma no Planalto, outra no Congresso e a terceira no Alvorada.
FESTA DA SELMA – Às 20h23 do dia 7 um deles informava: “O QG de Brasília é apenas para hospedagem e concentração dos convidados que estão chegando. Lá vai ser combinado o horário e a data para a festa da Selma”.
Segundo o próprio Gonçalves Dias, “no dia 8 pela manhã constavam pessoas fazendo discursos exaltados, ameaçando invadir prédios públicos da República”, mas “o compilado de mensagens não pode ser considerado tecnicamente um relatório de inteligência para produção de conhecimento para assessorar a decisão do gestor”.
Sabe-se lá o que o general acha que vem a ser inteligência, mas às 9h30 do dia 8 uma mensagem informava: “Não vão invadir nada a não ser na hora certa de comer bolo da festa da Selma”.
GRANADA DE GÁS – Às 11h58 o Supergroup falava em máscaras de gás, rádios e aconselhava: “Ao ver uma granada de gás lacrimogêneo, não corra para pegá-la”. Em seguida, ensinava o momento certo para atirá-la de volta.
O bolo foi comido na tarde do dia 8. O Congresso, o Supremo Tribunal e o Planalto foram invadidos, aproximadamente, entre as 14h45 e as 15h10. Gonçalves Dias só chegou ao Planalto às 16h. Os vídeos conhecidos mostram que as cenas de cordialidade do GSI com os golpistas são quase todas anteriores à sua chegada.
O apagão foi além do GSI. Até hoje não se explicou a longa inércia do Batalhão da Guarda Presidencial, criado há 200 anos para proteger o presidente e seus palácios. A questão que fica para a CPI é a demarcação do que separa a inépcia da tolerância ou mesmo da cumplicidade. O governo não tem (ou ainda não mostrou) elementos suficientes para incriminar ou exonerar quem quer que seja.