José Casado
Veja
O Brasil ainda não sabe o que fazer com o lixo nuclear depois de sete décadas produzindo urânio. A Agência Internacional de Energia Atômica e a Comissão Nacional de Energia Nuclear debatem “possíveis soluções” para os rejeitos mantidos em barragens e depósitos da empresa estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB).
Os lixões atômicos estão no meio de áreas residenciais dos bairros de Interlagos, na zona sul de São Paulo, e de Botuxim, em Itu (SP), e na periferia da cidade de Poços de Caldas, em Minas Gerais.
EM ÁREAS URBANAS – É crescente a resistência à manutenção dos depósitos de detritos nucleares em zonas urbanizadas, mas a empresa do governo federal ainda não sabe o que fazer com a escória atômica acumulada. Também não consegue convencer comunidades vizinhas aos depósitos e governos locais da “inexistência” de riscos ao meio ambiente e à saúde pública.
A estatal INB é a herdeira do legado do programa nuclear brasileiro. Na prática, foi iniciado no governo Getúlio Vargas quando o empresário, editor e poeta Augusto Frederico Schmidt e o químico austríaco Kurt Weill criaram no bairro do Brooklin, em São Paulo, uma empresa privada de produção de urânio extraído de areias monazíticas.
A história dessa parceria do poeta com o químico, com o discreto aval do almirante Álvaro Alberto, patrono do programa atômico, está documentada no livro “Cobaias da Radiação”, da jornalista Tânia Malheiros.
CONTAMINAÇÃO NEFASTA – A jornalista ilumina outro aspecto, ainda mais obscuro, da bilionária aventura nuclear brasileira: a contaminação por radiação de dezenas de trabalhadores, durante décadas. Primeiro, na empresa de Schmidt e Weill, a Orquima, dos anos 40 a 70. Depois, na sucessora estatal Nuclemon, criada no Acordo Nuclear com a Alemanha, que em 1988 foi substituída pela INB no organograma da administração pública.
Restam algumas dezenas de sobreviventes com a vida e famílias aprisionadas em situações dramáticas de saúde — variações de câncer, silicose, doenças respiratórias, auditivas e reumatismo, entre outros. Lutam nos tribunais para obter do governo federal garantia de assistência médica vitalícia.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – A assistência médica é pouco, muito pouco. Merecem indenização e pensão, como têm sido concedidas aos que enfrentaram a ditadura militar, inclusive muitos que nunca realmente o fizeram. Frederico Schmidt era um grande poeta e intelectual, foi assessor do presidente Juscelino Kubitschek, mas tinha uma vocação de empresário da pior espécie, movido pelo lucro e que não se preocupava com seus empregados. Morreu aos 58 anos, nem teve tempo de aproveitar a fortuna que já acumulara. (C.N.)