Ex-presidente provocou danos morais ao falar que “pintou um clima” com meninas e ao usar imagens de menores sem autorização, diz promotora
O Ministério Público do Distrito Federal pediu à Justiça que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) seja condenado a pagar uma multa de R$ 30 milhões por ter violado direitos das crianças em diferentes episódios da campanha eleitoral de 2022. Um dos eventos citados é a entrevista na qual Bolsonaro falou que “pintou um clima” quando encontrou crianças venezuelanas.
O pedido de condenação foi feito pela promotora Lúcia Helena Barbosa Brasileiro dos Passos, em uma ação civil pública, distribuída para a 1ª Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal. A coluna teve acesso ao processo. A Justiça não decidiu até agora se rejeita a ação ou se abre processo contra Bolsonaro por danos morais coletivos contra crianças e adolescentes.
Na ação, a promotora cita que Bolsonaro usou imagens de crianças, sem autorização dos pais, em peças de campanha e que estimulou menores a fazer o gesto da “arminha”. Também é mencionada a entrevista de Bolsonaro na qual ele diz que encontrou crianças venezuelanas no Distrito Federal e que “pintou um clima” quando falou com elas.
“Eu estava em Brasília, na comunidade de São Sebastião, se não me engano, de moto. (…) Parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três ou quatro, bonitas. De 14, 15 anos. Arrumadinhas, num sábado, numa comunidade. Vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei: ‘Posso entrar na tua casa?’ Entrei”, disse Bolsonaro na entrevista em outubro do ano passado.
Na mesma entrevista, o ex-presidente insinuou que as meninas venezuelanas se prostituíam para sobreviver: “Tinha umas 15 a 20 meninas, num sábado de manhã, se arrumando. Todas venezuelanas. Eu pergunto: meninas bonitinhas, 14, 15 anos se arrumando no sábado. Pra quê? Ganhar a vida!”, acrescentou o ex-presidente.
Ao citar o episódio na ação, a promotora argumenta que Bolsonaro estigmatizou “migrantes periféricas em situação de vulnerabilidade” e que expôs as adolescentes “a situações vexatórias e/ou de risco, diante da insinuação de que estariam disponíveis para programas ou encontros com finalidade sexual”.
“A par disso, a expressão ‘pintou um clima’, utilizada pelo Chefe de Estado, reforça o estigma da menina vulnerável disponível para serviços sexuais, o que deve ser rechaçado e extirpado do imaginário da sociedade brasileira, sobretudo de expressões empregadas por agentes e autoridades públicas”, argumenta na ação a promotora Lúcia Helena Barbosa Brasileiro dos Passos.
Além de pedir que Bolsonaro pague uma multa de R$ 30 milhões, a ser revertida para o Fundo da Infância e da Adolescência do Distrito Federal ou para Fundo Nacional equivalente, a promotora quer que a Justiça condene o ex-presidente a se abster de utilizar indevidamente imagens de crianças e adolescentes em campanhas eleitorais; a se abster de incitar crianças e adolescentes a reproduzir gestos violentos; e a se abster de reproduzir violência de gênero em falas estigmatizantes.
A promotora processou Bolsonaro depois de ser designada, no Ministério Público do Distrito Federal, a analisar duas denúncias de violações de direitos das crianças. As queixas foram feitas ao órgão em outubro do ano passado. Uma das denúncias foi feita pelo coletivo MP Transforma e outra foi protocolada pelo deputado estadual Fábio Felix (PSOL-DF).
A ação contra Bolsonaro foi um dos últimos atos da promotora Lúcia Helena na Vara da Infância e da Juventude. Em dezembro, ela pediu transferência para a promotoria responsável pela proteção do idoso, onde começou a trabalhar no dia 1º de fevereiro.
Juiz pede ratificação do procurador-geral a ação
Só que, no dia seguinte ao protocolo da ação civil, o juiz Redivaldo Barbosa, substituto da 1ª Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, publicou despacho para que o procurador-geral de Justiça do Distrito Federal, George Carlos Seigneur, ratifique a ação. O pedido foi considerado atípico por promotores entrevistados pela coluna. Essa mesma cobrança voltou a ser feita no dia 7 de março pelo juiz titular, Evandro Neiva de Amorim.
Procurado pela coluna, o juiz substituto alegou, pela assessoria de comunicação, que essa ratificação da ação seria necessária porque a promotora deixou de atuar na área da infância e juventude desde o dia 1º de fevereiro. A ação foi protocolada no dia 15 de fevereiro.
“O despacho do juiz é para que a Procuradoria-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios se manifeste quanto ao interesse da ação, que, em se confirmando, demandaria a indicação de outro membro do MPDFT com atuação na Justiça da Infância e da Juventude para propor a Ação Civil Pública ou pelo próprio Procurador-Geral de Justiça”, afirmou a assessoria da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal, em nota.
O magistrado ainda anexou no despacho duas decisões do ano passado da Corregedoria do Ministério Público do Distrito Federal, em que são abertos processos disciplinares contra a promotora. Um desses processos disciplinares foi aberto a pedido de um juiz da Vara da Infância e da Juventude, por alegações de que a promotora protelou o desfecho de processos de adoção ao insistir que fossem mantidos vínculos com a família biológica de crianças adotadas, mesmo em casos de destituição judicial do poder familiar.
Questionado pela coluna sobre o pedido de ratificação da ação, o Ministério Público do Distrito Federal informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que não recebeu notificação judicial em que tenha sido solicitado a endossar a ação da promotora contra Bolsonaro. Por isso, o procurador-geral disse que não poderia se manifestar sobre o caso neste momento.
Procurado, o ex-presidente ainda não se manifestou sobre a ação. Fábio Wajngarten, porta-voz de Bolsonaro, não respondeu aos pedidos de esclarecimentos sobre o caso. Já o advogado Paulo Cunha Bueno, que defende o ex-presidente em inquéritos, disse que não atua nessa ação.
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