Depois de afirmar que decisão do conflito no Leste Europeu "foi tomada por dois países", presidente voltou a condenar invasão russa em viagem à Europa
Por Lucas Schroeder
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retornou ao Brasil na última quarta-feira (26) após seis dias na Europa, em uma viagem que teve como um dos destaques a posição do Brasil sobre a guerra na Ucrânia.
Durante compromissos em Portugal e na Espanha, Lula foi provocado diversas vezes a comentar o conflito no Leste Europeu.
Em entrevista nos Emirados Árabes Unidos no último dia 16, o presidente afirmou que “a decisão da guerra foi tomada por dois países [Rússia e Ucrânia]”. No dia seguinte, a União Europeia (UE) e a Casa Branca contestaram a afirmação do petista.
Peter Stano, porta-voz principal para Assuntos Externos da UE, disse que e a Rússia é a “única responsável” pela escalada da violência no continente. Ele embasou sua argumentação nos ataques conduzidos por Moscou a civis ucranianos e à infraestrutura do país.
Já o porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, destacou que Lula “está reproduzindo propaganda russa e chinesa”. Ainda segundo ele, os comentários foram “simplesmente equivocados”.
A CNN ouviu especialistas para compreender a posição do Brasil em relação à guerra na Ucrânia e as implicações das recentes declarações de Lula.
Para Thiago de Aragão, diretor da Arko Advice e especialista em geopolítica, quando o presidente fala de improviso, o resultado pode não sair como esperado.
“A correção de rumo foi muito importante porque inicia o processo de colocar o Brasil dentro da esfera da sensatez, quando se interpreta as causa iniciais da guerra na Ucrânia”, aponta Aragão.
Segundo ele, a mudança no discurso de Lula pode ser explicada por uma autoanálise sobre o que foi dito anteriormente nos Emirados Árabes Unidos. Além disso, o impacto negativo da afirmação “deve ter assustado e levado à revisão das falas”.
'Em política externa, Lula deve compreender que as falas dele possuem um peso e um processo de interpretação diferente das coisas ditas no âmbito doméstico'. - Thiago de Aragão, diretor da Arko Advice e especialista em geopolítica
O professor de Política Internacional da UERJ Paulo Velasco classifica como “infeliz” a fala de Lula na viagem anterior, ao Oriente Médio.
“Não faz sentido tentar equiparar Rússia e Ucrânia em sentido de responsabilidade pelo conflito”, destaca Velasco.
“Lula viu que a escolha de palavras e o modo como sua fala foi apresentada foi equivocado”, acrescenta.
'Lula temperou as palavras e voltou atrás, o que não deixa de ser um ato de nobreza'. - Paulo Velasco, professor de Política Internacional da UERJ
Velasco salienta que o Estado brasileiro tem condenado a invasão da Ucrânia desde seu início, em fevereiro de 2022.
Na avaliação de Regiane Nitsch Bressan, professora de Relações Internacionais da Unifesp, a aparente alteração de posicionamento do petista é inerente às relações entre países.
“Não conseguimos negociar e obter vantagens em relações hostis, não cordiais. O Brasil continua tentando adotar uma postura mais imparcial, pela paz”, ressalta Bressan.
'Lula nunca mudou de postura. O que ele fez foi usar da diplomacia para obter os interesses para o Brasil. Tudo isso faz parte do jogo político'. - Regiane Nitsch Bressan, professora de Relações Internacionais da Unifesp
Ainda de acordo com ela, caso o Brasil se coloque em posição muito próxima àquela adotada pelo Ocidente, “pode haver algum desgaste com a Rússia”.
Visita de Celso Amorim à Ucrânia
O assessor especial da Presidência da República e ex-chanceler brasileiro, Celso Amorim, deve viajar em breve à Ucrânia, segundo o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, afirmou na semana passada.
“Por determinação do presidente da República, o assessor especial para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, vai a Kiev para um encontro com o presidente Volodymyr Zelensky. A pedido do presidente Lula, que o Brasil está empenhado em contribuir para a promoção do diálogo e da paz, e o fim deste conflito”, disse Macêdo, membro da comissão de Lula em Portugal.
No início do mês, Amorim viajou para Moscou e esteve no Kremlin para discutir a guerra. À CNN, ele explicou na ocasião que não estão “totalmente fechadas” as portas para uma negociação de paz com a Rússia.
De acordo com Thiago de Aragão, a ida de Amorim a Kiev “é uma forma de remediar o que já foi feito”.
“O erro foi feito e não tem como escapar disso. A ida a Kiev é o mínimo esperado para corrigir o rumo em relação não só à Ucrânia, mas em relação à Europa”, reforça Aragão.
Segundo Regiane Nitsch Bressan, a visita de Amorim deve servir para o Brasil “tentar esclarecer, amenizar, diluir essa tensão” no que diz respeito ao conflito.
“O Brasil vai tentar, nessa conversa com a Ucrânia, diluir essa tensão, mas isso não significa que o país está totalmente a favor da Ucrânia”, examina Bressan.
Paulo Velasco corrobora a visão dos outros especialistas. Ele aponta que a viagem de Amorim é para “aparar arestas”.
“No diálogo com o governo de Zelesnky, Amorim deve mostrar que o Brasil quer uma postura equilibrada e que o fato da frase do Lula ter provocado polêmica não significa, em hipótese alguma, que o Brasil esteja apoiando a invasão russa”, completa.
Brasil tem condições de mediar o conflito?
Em discurso ao lado do premiê espanhol, Pedro Sánchez, em Madri, Lula pediu a criação do “G20 da paz” na última terça-feira (25). O presidente teceu críticas ao Conselho de Segurança da ONU, que conta atualmente com cinco membros permanentes: Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China.
Os três especialistas consultados pela CNN ratificam que o Brasil, sozinho, não tem condições no momento de mediar tratativas de paz entre Rússia e Ucrânia.
“O Brasil tem condições, e deveria, resolver a situação fronteiriça entre Venezuela e Guiana e focar em ser líder na sua região” avalia Thiago de Aragão.
Conforme explica, a posição do Brasil como mediador isento está minada. “Quando [Sergey] Lavrov (ministro das Relações Exteriores da Rússia) diz que a visão do Brasil está alinhada com os interesses russos, aí as coisas foram para o brejo”.
Na visão de Regiane Nitsch Bressan, apesar de o país estimular diálogos de paz entre Moscou e Kiev, “não vai ser o Brasil que vai acabar com a guerra”.
“O Brasil, nesse sentido, tem que se poupar um pouco para evitar grandes tensões com qualquer um dos lados”, frisa.
Paulo Velasco cita que, apesar da experiência do Brasil em propor soluções para conflitos regionais, o país “não tem cacife” para mediar o conflito no Leste Europeu.
“O Brasil, sozinho, não tem condições, não tem peso específico para mediar um conflito dessa proporção. Porém, atuando dentro de um grupo de estados a favor da paz, isso poderia funcionar melhor”, conclui.
CNN