Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que atendeu na segunda-feira ao pedido da Polícia Federal para que o STF julgue militares envolvidos nos ataques de 8 de janeiro aos palácios dos Três Poderes, em Brasília, tomou uma decisão histórica: tirou da esfera da Justiça Militar os crimes políticos e comuns cometidos por militares.
É a primeira vez que isso acontece, num país que assistiu a inquéritos policiais militares contra civis serem instrumentos golpistas ou de repressão a oposicionistas.
APOIO DO STM – O magistrado também abriu investigação sobre a participação de militares da Polícia Militar do Distrito Federal e das Forças Armadas nos episódios de 8 de janeiro.
A decisão recebeu apoio do futuro presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Francisco Joseli Parente Camelo, e da ministra do STM Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha.
Segundo o ministro Camelo, a decisão “dá a garantia do devido processo legal e respeita o princípio do juiz natural”. Para a ministra Maria Elizabeth, todos os envolvidos devem ser julgados pelo mesmo tribunal, do contrário, os civis seriam julgados pelo STF, os militares pelo STM e os policiais militares e bombeiros pelo TJ.
ROMPERAM O PACTO – Por ironia da história, foram os militares envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro que romperam o principal pacto da transição à democracia: a anistia recíproca de 1979, o primeiro passo efetivo para a redemocratização do país, que perdoou ex-guerrilheiros e agentes dos órgãos de segurança do regime militar.
A Lei da Anistia de 1979 perdoou os crimes políticos cometidos entre 1961 e 1979, mas sempre foi polêmica e muito contestada pelos movimentos de defesa dos direitos humanos, por causa das torturas e assassinatos cometidos nos quartéis. Os militares, por sua vez, acusavam os ex-militantes da luta armada de cometerem assassinatos e justiçamentos.
Aprovada pelo Congresso, no governo do general João Batista Figueiredo, a lei foi considerada “imexível” pelo Supremo. Todas as tentativas de julgar e punir os militares envolvidos nas torturas e assassinatos foram rechaçadas.
REAÇÃO BOLSONARISTA – A decisão de Alexandre de Moraes teve como resposta da oposição bolsonarista a apresentação de requerimento para instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), para investigar os fatos ocorridos em 8 de janeiro, assinada por 31 senadores e 120 deputados federais.
Articulada pelos senadores Marcos Do Val (Podemos-ES) e Rogério Marinho (PL-RN) e pelos deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e André Fernandes (PL-CE), é uma nova dor de cabeça para o presidente Lula da Silva. Uma CPMI tem instalação praticamente garantida, desde que cumpra as exigências regimentais em termos de assinaturas.
Um pedido de CPI com o mesmo objeto, protocolado pela senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS) anteriormente, depende de apreciação do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
OPOSIÇÃO ATACA – As duas comissões são iniciativas da oposição, que tenta responsabilizar o ministro da Justiça, Flávio Dino, pelas falhas do sistema de segurança da Esplanada no dia do vandalismo, e não esconde o objetivo de pôr sob suspeição o ministro Alexandre de Moraes como relator do processo.
Em contrapartida, os parlamentares governistas apoiam Moraes e já lançaram a palavra de ordem “Anistia nunca mais”, exigindo a punição dos responsáveis pelos atos de vandalismo de 8 de janeiro.
Crimes hediondos não podem ser anistiados. Anistia é o perdão que pode ser dado a indivíduos que precisam responder por seus crimes na Justiça. A concessão de anistia é mais relacionada a crimes políticos, e aquele que a recebe tem seus crimes apagados e sua ficha criminal limpa, tornando-se réu primário novamente. O Arquivo do Senado reúne farto material sobre a aprovação da Lei da Anistia, que resultou de uma ampla campanha política da oposição ao regime militar, inclusive no exterior.