Publicado em 14 de janeiro de 2023 por Tribuna da Internet
Duarte Bertolini
Ontem à tarde, necessitei ir ao comércio procurar uma pequena peça de couro para reparar um objeto aqui em casa. Acabei encontrando em uma loja que trabalha com pontas do material e após trocar algumas palavras com o senhor que me atendeu, ele me indagou se eu não tinha sido proprietário de tal empreendimento há quase 30 anos.
Confirmei e na sequência descobri que ele era um antigo comprador de uma empresa cliente de minha loja. Tratava-se de uma pessoa e de uma empresa de comportamentos corretos e honestos, algo incrivelmente raro naquela época e setor.
PERGUNTA CRETINA – A conversa transcorreu agradável por uns 20 minutos, contando inclusive com a presença de seu filho de uns 30 anos, que havia chegado e era o atual proprietário da loja. Até que o pai dele me fez a pergunta fatal: “O que tu estás achando disso aí tudo?”
Senti um grande desconforto, pois esta é a pergunta que bolsonaristas fazem, como intimação para identificar quem está do seu lado ou é inimigo. Eu já havia visto este filme várias vezes.
Prudentemente, tentei mostrar que havia votado no PT há muitos anos, mas me arrependera e tinha preferido votar em Bolsonaro em 2018 e em Ciro em 2022.
E TUDO MUDOU… – Infelizmente, foi como colocar fogo em gasolina. Sua face se transformou, a voz se alterou absurdamente e a conversa descambou para uma injustificável hostilidade de vendedor para cliente.
Em determinado momento, quando ele disse que acreditava em Bolsonaro por ser cristão, respondi que também era cristão, pois sou católico, e assinalei que a mistura de religião e política não havia dado certo nunca e em nenhum lugar. Aliás, se possível, piorou e muito.
Passei então a ser atacado por não ser verdadeiramente cristão, não ser praticante, desprezar os ensinamentos de Deus, ser comunista etc. Aquela pessoa, antes afável, havia se transformado em uma fera.
O FILHO INTERVEIO – Seu filho tentou interferir várias vezes, dizendo-lhe que essa postura não ajudava, mas as ofensas continuaram. Até que, quando ele parou para tomar fôlego, o filho disse-lhe rispidamente que na sua loja não iria mais permitir esse comportamento hostil. Aproveitei e me despedi, o mais rápido possível, pois o próximo passo poderia seria expulsão, agressão ou as duas coisas.
Fiquei impressionado com a lavagem cerebral e a impossibilidade de manter qualquer conversa ou argumentação. À noite, acessei um blog que ocasionalmente leio e encontrei um artigo escrito por Rui Martins, intitulado “O golpe germinou com apoio de evangélicos”.
Muitas vezes os jornalistas traduzem em artigo a realidade das ruas. Esta certamente foi uma delas. Tive de concordar com tudo o que ali estava sendo relatado e fiquei com a convicção de que essa polarização não será vencida com facilidade. Vai demorar, e muito.