Publicado em 14 de janeiro de 2023 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
“Ovo da Serpente” é um filme de Ingmar Bergman sobre a ascensão do nazismo de Hitler na Alemanha. Ele havia perdido as eleições de 1932 para o Hindemburgo. Como ambos eram atacados por comunistas (que hoje no Brasil não existem mais), o presidente nomeou Hitler como primeiro-ministro. Morreu em 1933 e Hitler assumiu o poder. Causou a morte de 50 milhões de pessoas na 2ª Guerra Mundial, entre elas seis milhões de judeus assassinados nos campos de concentração.
No Brasil, a direita fanática, que no fundo se inspira no nazismo, mais uma vez, como agora ficou flagrante, tentou desfechar um golpe no país contra a democracia, o Estado de Direito, o respeito ao voto popular. As evidências são fortíssimas contra Anderson Torres e agora também contra Jair Bolsonaro, pois, afinal de contas, a minuta de um decreto para enfrentar o que foi chamado de calamidade pública, encontrava-se numa gaveta da residência de Torres em Brasília. Ele afirma que recebeu o documento como uma sugestão, mas que não deu curso a ele e pretendia triturá-lo.
GOLPE – Mas por que o guardou em sua residência e não o deixou no Ministério da Justiça do qual foi titular até o final do governo que se encerrou em 31 de dezembro? Além do mais, ficou claríssima a articulação do golpe tendo como participantes de maior destaque o próprio Anderson Torres que, nomeado secretário de Segurança por Ibaneis Rocha, viajou para os Estados Unidos, entrando de férias dias depois de desmontar o sistema de Segurança do Palácio do Planalto.
É evidente também o comprometimento do governador Ibaneis Rocha, afastado do cargo por determinação do ministro Alexandre de Moraes, que fixou um prazo de 90 dias. Na minha opinião, Ibaneis Rocha não voltará e será substituído pela sua vice, Celina Leão, já em exercício.
Não é possível um governador permanecer no cargo quando pede desculpas, não aceitas pelo presidente Lula, pelo caos que se instalou em Brasília sob a justificativa de ter sido mal informado por auxiliares.
REAÇÃO TARDIA – Não foram os únicos cúmplices. As forças de Segurança sediadas na capital do país custaram a reagir. O Exército só entrou horas depois para desocupar os subversivos que restavam no Congresso Nacional. No caso do apoio militar, os atos acentuam uma divisão entre as forças que se voltam para a defesa da democracia e as que contribuem para a omissão para que depredações iguais às do dia 8 de janeiro acontecessem.
O presidente Lula, conforme os jornais de quinta-feira publicaram, manteve o ministro José Múcio Monteiro à frente da Defesa. Foi para evitar um acirramento ainda maior na área militar, mas é fato concreto que Múcio Monteiro também se omitiu. Quando a revolta ganhou as ruas de Brasília, Palácio do Planalto, Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, ele teria que estar na capital do país ou para lá ter imediatamente viajado, se comunicando com o QG do Exército.
A destruição por si revela o caráter dos que a praticaram, mas em termos de poder não se propõem à mudança alguma. Pelo contrário. Os integrantes da turma fanática queriam apenas destruir o que encontrassem pelo caminho. Uma funcionária de Goiás, como a GloboNews revelou na manhã de ontem, autoproclamou-se presidente do Congresso. As raízes da manifestação permanecem e exigirão no fundo ações firmes para extraí-las, e que envolvam o campo social e econômico do Brasil.
SEGREDOS – Anderson Torres fez o que prometeu e se entregou hoje à Polícia Federal. De fato, não lhe restava outro caminho, pois nos Estados Unidos não poderia permanecer, correndo o risco de lá ser preso.
A responsabilidade e os segredos que Torres guarda consigo são enormes. Ele pode ser um dos mentores de tudo, exercendo domínio sobre o próprio Ibaneis Rocha, assim como executor da vontade pouco oculta do ex-presidente Jair Bolsonaro de não entregar democraticamente o poder ao vencedor das eleições, Lula da Silva.
O STF por nove votos a dois – por coincidência, Nunes Marques e André Mendonça nomeados por Bolsonaro – referendou e assim mantiveram as determinações de Alexandre de Moraes, presidente do TSE. No ovo da serpente que André Torres esqueceu na gaveta de sua residência estava um sinistro decreto de calamidade pública, violando, invadindo e anulando a decisão do TSE que dentro da Constituição e da lei proclamou Lula como presidente da República. A atuação de André Torres chega a um grau revelador do que é capaz de fazer. Para ele e Bolsonaro não há limite no caminho do poder.
GUARDA DA ESQUINA – Muito bom o artigo de Ruy Castro, Folha de S. Paulo de quinta-feira, relembrando a frase escapista do vice-presidente de Costa e Silva, Pedro Aleixo, sobre a ditadura militar. “O perigo não é a ditadura, é a ação do guarda da esquina em função dela”. Ruy Castro focalizou bem a falsidade da frase. A meu ver, uma afirmação escapista para reduzir a importância da falta de liberdade no país.
Ele mesmo, Aleixo, foi atingido por ela. Era vice de Costa e Silva, que por motivo de saúde ficou incapacitado. O poder militar não levou isso em consideração. Baixou em um ato investido no governo uma junta de representação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Pedro Aleixo foi alvo de piada que circulou na época sobre um bilhete que teria deixado na mesa: ” Nada fiz, nada faço, nada farei. Não renuncio, não assumo. Tudo deixo, não me queixo, Aleixo”.