em 22 jul, 2022 4:05
Blog Cláudio Nunes: a serviço da verdade e da justiça
“O jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter.” Cláudio Abramo.
Fernando Gabeira, jornalista – Espaço Aberto/Estadão
No momento em que os partidos preparam convenções, o que se espera dos candidatos são discursos sobre seu projeto de governo e o otimismo sobre a possibilidade de vitória.
Bolsonaro está na contramão. Ele reuniu embaixadores no Palácio da Alvorada para fazer um discurso de perdedor, levantando uma série de dúvidas sobre o sistema eleitoral, já amplamente respondidas.
Na verdade, Bolsonaro violentou os fatos muitas vezes. Usou indevidamente um inquérito da Polícia Federal para concluir o que não está nele: a possibilidade de alterar nomes e votos. Mencionou o questionamento do PSDB ao resultado das eleições, sem admitir que o partido ficou satisfeito com a resposta. Afirmou que o sistema não é auditável, quando este é um dos seus atributos, ao lado da segurança e da transparência.
Bolsonaro reuniu os embaixadores para caluniar o sistema eleitoral e alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). É algo que deveria ser punido pelas leis brasileiras, porque isso foi, inclusive, realizado num prédio público e tinha objetivos eleitorais.
É uma contradição dizer que Bolsonaro fez um discurso de perdedor e tinha objetivos eleitorais. Ocorre que a contradição está no seu próprio comportamento.
Um dos objetivos de Bolsonaro é preparar o campo para resistir ao resultado das eleições e tentar um golpe de Estado, no estilo de Trump e sua invasão do Capitólio.
Há dois problemas no caminho. O primeiro deles é que pode perder feio nas eleições e a própria dúvida sobre as urnas eletrônicas não terá crédito. O segundo deles é anunciar com muita antecedência o golpe de Estado, dando tempo à sociedade para se preparar e neutralizá-lo.
Por outro lado, Bolsonaro fala tanto em golpe que parece ter anestesiado a sociedade. Tornou-se natural uma manifestação como esta diante dos embaixadores. Os próprios políticos, todos eleitos por meio das urnas eletrônicas, estão parcialmente silenciosos.
Isso fala muito sobre sua inteligência. Parecem não ter compreendido ainda que, se Bolsonaro tenta invalidar as eleições, eles também, os eleitos, serão levados na tempestade de dúvidas.
Todos os que foram eleitos por meio de urnas eletrônicas deveriam se manifestar quando Bolsonaro afirma as barbaridades que pronunciou diante dos embaixadores. Afinal, até sua legitimidade no momento está sendo questionada.
Infelizmente, Bolsonaro está arrastando no seu projeto insano o próprio ministro da Defesa e, possivelmente, uma fração das Forças Armadas.
Os militares viram muitas eleições no Brasil, desde o processo de democratização. Num momento da trajetória, as eleições tornaram-se eletrônicas e desde então foram assim. Nunca foram contestadas pelos militares, exceto agora, por alguns deles. Como dizia o criminoso de Foz do Iguaçu, aqui é Bolsonaro, logo, a faculdade de pensar sofre um grande abalo.
O fato de Bolsonaro se comportar como um perdedor e caminhar para a derrota não significa um futuro confortável. Em primeiro lugar, será necessário um grande esforço para neutralizar o golpe, punir responsáveis. Só aí, então, será possível tratar com mais calma aqueles temas que dominam uma eleição democrática: que políticas aplicar para a retomada da economia, a superação da fome, a preservação do meio ambiente, o salto de qualidade na educação, a recuperação da credibilidade internacional.
O fato de Bolsonaro ter anunciado seu golpe e encarnado o perdedor facilita, mas não resolve o problema da resistência. A começar pelas instituições, o País inteiro precisa reagir, preparando-se para garantir o resultado eleitoral.
Bolsonaro diante dos embaixadores realizava uma tarefa impossível: tentar convencer governos de que o sistema eleitoral é inutilizável.
Os países já têm informação adequada sobre isso.
Uma outra batalha diz respeito à opinião pública internacional. Certamente, Bolsonaro já a perdeu. Mas, ainda assim, é necessário que todos os brasileiros no exterior se manifestem, escrevam para jornais, mobilizem amigos e conhecidos, preparem a resistência, porque ela será fundamental para combater a tendência à timidez dos governos em momentos como este.
Bolsonaro, ao falar com os embaixadores, ligou na verdade o sinal amarelo. Será, de certa forma, uma grande incompetência se a sociedade brasileira não se preparar adequadamente para um golpe anunciado por um líder com algumas deficiências cognitivas e uma extrema-direita a quem o poder serviu apenas para mostrar sua incapacidade radical de governar o País.
É muito raro um governante começar mal nas pesquisas. Significa que ele já foi julgado pelo seu trabalho. Por mais pedaladas que dê – e a chamada PEC das eleições foi uma das maiores da história –, será difícil de sepultar esse julgamento formado ao longo de quase quatro anos, com uma epidemia no meio, crise econômica, fome, desemprego e misoginia num país em que a maioria do eleitorado é feminina.
Só resta uma tentativa de golpe para conquistar pela força o que foi perdido em empatia e credibilidade. Missão quase impossível, nos tempos modernos.
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