Qual valor abaixo do qual os casos de corrupção não devem nos preocupar?
Por Hélio Schwartsman
Embalado pela prisão de Milton Ribeiro (esq.), escrevi na semana passada uma coluna sobre a corrupção no entorno de Jair Bolsonaro. Vários leitores me recriminaram por não ter feito uma comparação entre os valores que teriam sido desviados na atual gestão e os surrupiados sob a administração petista. De fato, não me debrucei sobre o problema. Até onde é possível analisar, o esquema do petrolão era mais amplo e sofisticado e deve ter resultado em montantes maiores. A proverbial incompetência do governo Bolsonaro vale também para a corrupção.
Não é esse, porém, o ponto que me parece mais interessante. Podemos criticar a corrupção tanto pelo aspecto moral como pelo pragmático. Sob o primeiro critério, valores são irrelevantes. Vale lembrar que uma prostituta que cobre R$ 1 milhão pelo programa não é ontologicamente diferente de uma que cobre R$ 100. Quem discorda dessa avaliação precisa apontar qual é o valor abaixo do qual casos de corrupção envolvendo presidentes e seus familiares não precisam nos preocupar. R$ 100 mil? R$ 1 milhão?
Do ponto de vista pragmático, cifras não chegam a ser desimportantes, mas tampouco são a história toda. É claro que cada centavo de dinheiro público que vai indevidamente parar em bolsos privados é um centavo a menos em saúde, educação e outros serviços relevantes.
A questão é que o montante desviado é só uma parte —e não a maior— dos males causados pela corrupção. Ela também perverte a lógica dos investimentos. Você faz a melhoria A na escola B não porque é dela que a população mais precisa no momento, mas porque esse é o interesse do clérigo C que entrou em conluio com o político D. Paga-se caro por coisas de que não há necessidade. É difícil calcular o custo dessas oportunidades perdidas, mas ele é enorme.
Em qualquer caso, não penso que o princípio da insignificância se aplique a altas autoridades metidas com corrupção.
Folha de São Paulo
***
Bolsonaro derrete
E daí?, diz ele. Está certo de que, se não ganhar, tem bala para levar assim mesmo
Por Ruy Castro
Os marqueteiros de Jair Bolsonaro devem estar cortando os pulsos. Seu candidato se dedica a melar a imagem que tentam vender dele, baseada na potoca de 2018 e que poderia dar certo de novo: seus discursos sobre Deus, pátria, família e corrupção. Todas essas palavras já derreteram. Os profissionais se desesperam, porque o Bolsonaro de comício é um fantasma diante do Bolsonaro real.
Deus, por exemplo. Seu nome disputa em incidência com "porra" na boca de Bolsonaro. Às vezes Bolsonaro usa "porra" no lugar do ponto e outras no lugar da vírgula. Antes dele, nunca houve um presidente, nem João Batista Figueiredo, o mais grosso até então, que concluísse suas manifestações públicas com "porra". Sendo "porra" o chulo de "esperma", imagina-se como reagem as famílias católicas e evangélicas que se pautam por certo recato. E como estará Deus se sentindo nessa vizinhança verbal? Não esquecer que Ele ainda é um poderoso cabo eleitoral.
Quanto à pátria, é um território a ser distribuído entre os amigos: os estranhos ao serviço a quem ele entrega as tetas dos ministérios (não apenas o da Saúde e o da Educação) e os que visam zerar as reservas verdes, minerais, animais e aquáticas do Brasil (e, se isso exigir o extermínio dos povos indígenas, não é com ele). O problema é o rabo de Bolsonaro —está sempre de fora. Como esconder suas íntimas ligações com aqueles elementos?
E há a família, que, para ele, consiste exclusivamente dos filhos e de seus amigos sarados, carecas e bons de tiro. Mulheres não fazem parte, exceto para deboche, assédio e estupro, embora, neste último caso, só as que valham a pena. Dica para as próximas pesquisas: a quantas casas de família Bolsonaro seria hoje convidado?
É intrigante como ele trabalha contra si mesmo às vésperas da eleição. Só pode estar convicto de que, se não ganhar, tem, literalmente, bala para levar assim mesmo.
Folha de São Paulo