Fernando SchülerFolha
O governo Temer é um mistério. É inegável que ele sai deixando um país melhor do que recebeu. O ponto é que Temer termina seu governo com desaprovação recorde em nossa história recente — uma rejeição que já chegou a 85%.
Não há nada marcado na história ou na teoria democrática que obrigue as pessoas a gostarem de um governante, por melhor que tenha sido seu desempenho. É possível que a imensa maioria das pessoas diga, simplesmente: “OK, ele recolocou o país nos trilhos, fez reformas importantes, colocou a inflação sob controle, etc”. Mas não importa. Não vamos com a cara dele e ponto final. De minha parte, desconfio que o problema seja mais complicado.
DESINFORMAÇÃO – A péssima avaliação do governo Temer diz muito não apenas sobre o Brasil, mas sobre um traço há muito conhecido da democracia: o eleitor não tem muito incentivo para buscar informação ou agir com responsabilidade, no mundo político.
No caso de Temer, é relativamente fácil mostrar isso. Pesquisa do Ibope mostrou não apenas que as pessoas desaprovam o presidente, mas que 89% reprovam a política de juros do governo. Vejam bem: tudo isto quando a taxa básica de juros já estava há bom tempo no menor patamar da série histórica.
Ou seja, o governo é desaprovado naquilo que ele fez de melhor. Não há nada de muito surpreendente nisso. É apenas um exemplo do que o cientista político Anthony Downs chamou, nos anos 1950, da ignorância racional do eleitor.
CUSTO MAIS ALTO – As pessoas tendem a tratar a informação com seriedade quando, por exemplo, estão doentes, vão ao médico e tomam direito o remédio. Elas fazem isto simplesmente porque o custo de agir diferente é muito alto.
No mundo da política, ao contrário, o custo de dizer uma bobagem tende à zero. O entrevistador chega na sua casa e pergunta: “O que você acha da política de controle da inflação, do governo Temer?” Você pode até ter uma vaga ideia de que a taxa de inflação está abaixo da meta, mas não vai dar mole para este presidente infeliz. “Sou contra”, lasca. Algum problema com isso? Nenhum, o pesquisador vai embora e a vida segue.
Este é um dos traços mais fascinantes da democracia. O eleitor, sempre tão paparicado, que agora anda vociferando virtuoso na internet, é, no fundo, igual ou pior do que os políticos que tanto critica.
CRÍTICA POLÍTICA – O mesmo vale para boa parte da crítica política. Ainda esta semana, lia uma matéria tratando da relação entre Temer e nossa recente crise econômica. A matéria tentava relacionar o aumento da pobreza, no Brasil dos últimos dois anos, com a PEC do teto, aprovada no final de 2016.
Até mesmo os problemas da educação brasileira, que se arrastam há décadas, surgiam atrelados ao teto de gastos. “Se coloca um teto, não se pode mexer nos salários”, dizia um entrevistado, aparentemente sem ficar vermelho.
Observe-se o limite do absurdo. Os dados consolidados sobre o aumento da pobreza são de 2017; a PEC do Teto foi aprovada no final de 2016. Para os autores da tese, algo de fato incrível teria acontecido: uma vez aprovada a PEC, a pobreza automaticamente teria começado a aumentar país afora.
EFEITO ANTECIPADO – Aliás, já prevendo a aprovação da PEC, as pessoas teriam se antecipado e tratado de começar a empobrecer mesmo antes, em 2015 e 2016.
Basta observarmos os dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), que registra a geração de empregos no Brasil, para observar que o grosso da queda do emprego ocorreu exatamente entre 2015 e 2016, e que, a partir daí, com a retomada dos fundamentos da economia, PEC do teto, rigor fiscal, controle inflacionário, e um conjunto de reformas (ainda tímido), o país voltou a recuperar empregos e a crescer, ainda que muito lentamente.
Conto esta história, afinal bastante conhecida, para dizer o seguinte: talvez nossa democracia pudesse melhorar se as pessoas lidassem com um pouco mais de responsabilidade com a informação sobre a coisa pública.
ALGO A PERDER – Não é uma tarefa simples, por uma singela razão: nenhuma dessas pessoas ganhará, individualmente, nada com isso. Ao contrário, cada um terá eventualmente algo a perder.
O sujeito terá que explicar, por exemplo, a uma plateia eventualmente hostil, que o teto de gastos não obriga a cortar investimentos sociais, que não há problema algum em aumentar a verba para educação, mas que será preciso saber de onde virá o recurso. Dizer que o cobertor é curto, que dinheiro não dá em árvore, que é preciso cortar de um lugar para colocar em outro. Coisas assim, terríveis, desagradáveis.
Lidar com responsabilidade, na esfera pública, talvez seja, no fundo, um ato de generosidade. Ele não obriga ninguém a abrir mão de suas convicções, mas incentiva a todos a um saudável senso de realidade. Algo que pode nos aproximar e melhorar a qualidade do debate público.
E A INTERNET? – OK, isto não vai acontecer. A internet veio para dar mais poder e informação às pessoas, mas não mudou em nada o seu incentivo para usar estas coisas com responsabilidade.
De forma que ninguém deve perder muito o sono em função de índices de popularidade. Se Temer tivesse se preocupado com isso, desconfio que não teria obtido os ganhos que obteve, em seu governo. E se Bolsonaro se preocupar muito, não fará as reformas que o país precisa que ele faça.