Mesmo que não venham a ser comprovadas as denúncias contra os dois suplentes do senador Edison Lobão - elevado à dignidade de ministro de Estado pelas aborrecedoras contingências do sistema político - o fato se acrescenta ao mal-estar da cidadania. Os acusados, conforme os jornais, se esgueiram com o argumento de que não há provas contra eles. O senhor Remi Ribeiro, de acordo com os jornais, diz que colocou recursos públicos em sua conta pessoal, mas os utilizou em benefício da modesta prefeitura a que então servia. De seu lado, a ministra Matilde Ribeiro, secretária da Igualdade Racial, usou o cartão corporativo do governo a fim de fazer compras em um shopping. Advertida, limitou-se a ressarcir o Estado dos gastos feitos.
De nada nos adianta bradar a indignação contra os suspeitos de comportamento desonroso. Enquanto a República não se blindar contra os ácidos da corrupção, continuaremos a assistir à banalização do peculato e ao nefasto mecanismo do poder, que implica esse parlamentarismo dissimulado e obriga o governo às mais disparatadas alianças, a fim de cumprir suas obrigações rotineiras.
Uma das garantias de nosso sistema judiciário - a da presunção de inocência até sentença transitada em julgado - se tornou passaporte para que desonestos tenham acesso ao poder político e, em muitos casos, nele continuem até que o clamor público os expila. Na falta de lei coercitiva prévia, caberia aos partidos políticos (senhores dos mandatos, segundo a estranha interpretação dos tribunais) assumir a responsabilidade pela escolha dos candidatos aos cargos eletivos e pagar pelos seus erros. Esse dever eles não exercem, tornando-se cúmplices, quando não patrocinadores, dos eventuais corruptos e corruptores aos quais entregam, inerme, a República.
O corpo jurídico republicano se tornou paciente de remendos constitucionais de ocasião que o deformaram, nas seis cartas que se seguiram à de 1891 (se considerarmos como legítimas a Constituição de 1967 e a emenda constitucional de 1969, editadas pelo governo militar e aprovadas por um congresso rastejante). Já em sua origem, a República não soube separar devidamente o Poder Legislativo do Poder Executivo. Em sistema presidencialista congressual, como se pressupõe o nosso, nenhum parlamentar deveria exercer funções executivas. Tendo sido eleito para legislar e controlar o Poder Executivo, na delegação direta do povo, o parlamentar, ao mesmo tempo em que não pode delegar essas prerrogativas a outrem, não deve participar, nem mesmo eventualmente, da administração executiva do Estado.
A Constituição não pode responsabilizar o chefe do Poder Executivo pela atuação de seus ministros, se lhe não assegura absoluta independência na escolha desses auxiliares, ao deixá-lo à mercê das pressões dos parlamentares e das corporações econômicas por cargos. É ainda mais dramática a situação, quando não temos, no horizonte mundial, exemplos que nos sirvam de modelo. Mas não podemos esmorecer. Com todos os problemas - como a desastrada atuação do governo chefiado pelos tucanos - temos avançado, ano a ano, governo a governo, na consciência política de nosso povo.
Os Estados italianos do Renascimento, de acordo com Burckhardt, eram obras de arte, porque a arte era o espírito daquele tempo. Sendo o lucro o espírito de nosso tempo, a política passou a ser um negócio como os outros - salvo para os poucos que resistem com dignidade, e tentam salvar as nações com seus esforços. É de sua obstinação que se nutre a esperança em que a democracia possa vencer os seus próprios problemas.
Sempre os bancos
O mais recente escândalo internacional, o das fraudes cometidas na Société Générale, o grande banco privado francês, revelado ontem - mostra como os banqueiros, de modo geral, e no mundo inteiro, se encontram fora e acima da lei. O Estado francês, com toda sua sofisticação, não foi capaz de identificar as falcatruas, que deram aos acionistas do grande banco prejuízo equivalente a 15% de seu capital (quase 5 bilhões de euros). Não sabemos como se encontra o processo contra os fraudadores do Banestado, responsáveis pela evasão de dezenas de bilhões de dólares, conforme as estimativas, sem falar em outras falcatruas bancárias. É de se lembrar que, no caso do Banestado, o Banco Central, de acordo com o depoimento de seu ex-presidente Gustavo Franco a uma CPI - das muitas que a nada levaram - foi diretamente envolvido. Por simples portaria, o Bacen autorizou operações de livre transferência de moeda, sem fiscalização da Receita, do Brasil para o Paraguai e do Paraguai para o Brasil
Fonte: JB Online
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