Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Ressurge outra vez, agora pela palavra do presidente Lula, o raciocínio fiscal de que se todos pagarem impostos, todos pagarão menos. Com o maior respeito, trata-se de uma violência. Primeiro para com as massas. Porque os pobres, os remediados e os miseráveis não pagam e nem poderão pagar.
Falamos dos impostos diretos, porque os indiretos pesam no lombo da sociedade inteira, com ênfase para quem ganha pouco ou não ganha nada. É profundamente elitista essa pregação, porque se as massas agora vão pagar, a quem essa proposta vai beneficiar? Às elites. Aos potentados que vão pagar menos e até se valem de isenções, como a que refrigera a atividade especulativa.
Inclua-se na equação a classe média e se terá a receita de um apimentado sapo a ser deglutido pela maioria. Porque o assalariado médio já sente nas costas o punhal impossível de ser evitado, descontado que é nas folhas de pagamento e obrigado a arcar com todo tipo de impostos, sob pena de processo judicial.
Quando se fala em classe média, não há que esquecer o pequeno e o médio empresários, igualmente arcabuzados pela sanha arrecadatória de um poder público ineficiente e gastador, empenhado em compensar suas descontroladas despesas com a receita dos desamparados.
O que faz aumentar a indignação geral é a desfaçatez com que os governos se unem às elites para cortar nas veias da população. Nessa hora vão para o espaço doutrinas, programas e ideologias uma vez responsáveis pela vitória nas eleições. A chantagem surge explícita quando as elites ameaçam com o desemprego, caso não seja reduzida sua carga fiscal, ao tempo em que os governos, aplicando o mesmo princípio, apelam para a redução de investimentos sociais como alternativa para o assalto ao bolso dos menos favorecidos.
Lições do Paraná
Do Paraná vem lição antiga, de 1960. Disputava o governo local o então major Ney Braga, que havia sido prefeito de Curitiba. Terminava o mandato o então governador Moisés Lupion, justa ou injustamente acusado de incompetência e até de irregularidades.
Ney percorreu o interior com proposta invulgar. Conclamava os eleitores a não pagar impostos estaduais. A darem o calote, naquele ano, para evitar que Lupion enchesse os cofres públicos no final de seu mandato e, a conclusão era do candidato, desviasse recursos para seus cofres particulares.
A campanha deu certo, o Paraná parou de pagar impostos, porque Ney Braga prometia, em cada palanque, que sua primeira iniciativa depois da posse seria conceder anistia fiscal aos inadimplentes. Ganhou disparado e cumpriu a promessa.
Por que se conta essa história? Vamos começar pelo Rio de Janeiro. Falta aos candidatos a prefeito da antiga capital conhecer o passado para programar o futuro. Crescerá eleitoralmente aquele que primeiro se dirigir aos cariocas apoiando a iniciativa de um grupo de cidadãos empenhados em não pagar o IPTU da cidade. Provavelmente venceria, se prometesse anistia, ou melhor, abrir mão das multas caso os pagamentos se façam em 2009, já sob outra administração que não a do prefeito Cesar Maia.
Estaria caracterizada, é claro, indução à desobediência civil, que é crime. Mas valeria à pena arriscar, se o resultado fosse a eleição.
Agora, importa passar do particular para o geral: e se a moda pega no País? É verdade que as eleições gerais acontecerão apenas em 2010, mas o que fariam os governos federal, estaduais e municipais se todo mundo parasse de pagar impostos, indignados que estamos com a virulenta carga fiscal a nos assolar? Os detentores do poder processariam o Brasil inteiro? "Teje todo mundo preso" viraria uma impossibilidade e um anacronismo, diante de tamanha manifestação de indignação. E de civismo.
Dia do puxão de orelhas
Não será fácil acomodar 38 ministros e outro tanto de líderes partidários e altas autoridades na sala de reuniões do anexo do Palácio do Planalto. Talvez o encontro do presidente Lula com seus principais auxiliares seja transferido para o salão de jogos da Granja do Torto, apesar das incômodas cadeiras de abrir e fechar e de uma certa atmosfera de circo. Tanto faz, porque a primeira reunião ministerial do ano promete.
Caso dada a palavra a cada um dos presentes, nem na madrugada de amanhã a reunião terá terminado, ainda que um otimista possa concluir ao contrário: afinal, se os pronunciamentos dos ministros servirem para o relato do que fizeram em 2007, meia hora bastará para o conjunto...
Admite-se que com toda a educação o presidente Lula aproveitará a oportunidade para puxar as orelhas de seus ministros. Exigirá mais empenho, trabalho e melhores resultados setoriais, mesmo com o alerta de que haverá menos dinheiro.
Décadas atrás, quando o ministério se reunia, um ministro costumava servir de porta-voz de todos. Pela precedência vinda do Império, era sempre o da Justiça. As coisas mudaram, de uns anos para cá a função passou para o chefe da Casa Civil, mas hoje, pelo jeito, serão muitos os candidatos a não perder a oportunidade para saltar de banda e rejeitar a inclusão no rol dos que terão orelhas puxadas.
Os números reais
Finalmente um jornal, a "Folha de S. Paulo", ganhou coragem para publicar números de que todos tínhamos conhecimento, mas ninguém ousava divulgar. No primeiro mandato do presidente Lula foram criados 14 milhões e 300 mil empregos. O problema é que no mesmo período foram demitidos 12 milhões e 700 mil empregados...
Resultado: os tais 10 milhões de novos empregos prometidos pelo candidato foram realmente criados, até com o saldo de 4 milhões e 300 mil. Mas se as demissões chegaram aonde chegaram, qual a conclusão a tirar?
A gente fica pensando o que teria acontecido caso o então presidente eleito, em 2002, seguisse o conselho de alguns intelectuais do PT, por sinal quase todos, hoje, fora do partido, de baixar medida provisória proibindo por tempo determinado todas as demissões nas empresas privadas e no serviço público. Seria uma espécie de freio de arrumação para a elaboração de uma verdadeira mudança na política social. O Lula nem quis ouvir falar. Já havia caído nos braços do neoliberalismo...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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quarta-feira, janeiro 23, 2008
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