Por: Pedro do Coutto
Reportagem de Fernando Teixeira, publicada no "Valor" de 14/01, destaca o novo sistema de julgamentos em bloco pelo Supremo Tribunal Federal, instituído pela Emenda Constitucional n° 20 de dezembro de 98, e que agora será utilizado para uma apreciação coletiva de 10 mil e 400 ações. No ano passado, o STF, de uma só vez, julgou 4 mil e 800 processos contra o INSS relativas ao valor errado que o Instituto adotou para o pagamento de pensões por morte de segurados efetivos.
A ministra Ellen Gracie, presidente da Corte Suprema, deve aproveitar a oportunidade e colocar em bloco uma questão clara como água, mas que a Previdência Social não cumpre e que já gerou no País 600 mil ações transitadas em julgado: a queda permanente e seguida do valor das aposentadorias. Milhões de trabalhadores se aposentam recebendo determinado número de salários mínimos e, com o desenrolar do tempo, passam a ganhar número cada vez menor de pisos.
Esta é a ação mais comum que existe contra o INSS. Os julgamentos nos Tribunais Regionais Federais se acumulam de maneira incessante. Mas nem por isso o Instituto resolve cumprir a Constituição Federal. Ao contrário: a descumpre cada vez mais. O Supremo Tribunal Federal, agora, quando adota como rotina os julgamentos em bloco, poderia perfeitamente corrigir este absurdo e anular a flagrante injustiça de uma vez por todas.
O parágrafo 4° do artigo 201 da CF diz textualmente, em relação às aposentadorias e pensões: "É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme os critérios estabelecidos em lei".
Todos sabemos muito bem o que é o valor real. Da mesma forma que todos sabemos que os vencimentos são irredutíveis. Está na Carta Magna. O que é irredutibilidade? É garantir a correção do valor ao nível das taxas inflacionárias cumuladas. Em contrapartida, uma forma de reduzir o salário de alguém é o de atualização abaixo da inflação oficial calculada pelo IBGE.
Muito bem. Quem se aposentou há vinte anos com, digamos, 9 salários, deveria receber hoje exatamente 3 mil e 420 reais. Isso não acontece. Recebe somente 1 mil e 800 reais, pouco mais do que a metade. É um absurdo. Inclusive existe jurisprudência a respeito do tema, desde que a matéria foi julgada pelo antigo Tribunal Federal de Recursos, hoje Superior Tribunal de Justiça.
A Constituição de 88 determinou, nas disposições transitórias, que os aposentados do INSS tinham que receber o mesmo número de mínimos de quando se aposentaram. Na época foram feitas as conversões e os pagamentos. Mas infelizmente, para o princípio de justiça, as atualizações não se mantiveram. A Previdência Social, então ocupada pelo ministro Jader Barbalho, governo Sarney, aproveitou-se da expressão "valor real conforme os critérios definidos em lei" para desrespeitar o próprio texto constitucional.
Basta ler, como escrevi há pouco, o parágrafo 4° do artigo 201. Os critérios definidos em lei, óbvio, não podem colidir com o princípio da Constituição. Não podem, porém colidem. Algo que precisa ser consertado e cuja oportunidade se coloca no momento. Além de violar o texto constitucional, a defasagem dos valores, ao longo de vinte anos, foi responsável pelo ajuizamento de 4 milhões de ações contra o INSS. Para se ter uma idéia do que isso representa, basta dizer que tramitam na Justiça Federal 10 milhões de ações. O INSS é o responsável assim por 40 por cento delas.
O trabalho da magistratura seria aliviado em quarenta por cento se pelo menos o INSS cumprisse a Constituição brasileira. Para confirmar isso, basta compulsar de boa fé o texto constitucional. Quatro milhões de ações é um volume enorme. Como cada ação envolve várias pessoas, verificamos que não é exagero dizer que uns sessenta por cento dos 25 milhões de aposentados e pensionistas estão na Justiça contra ele. O INSS, como costumo dizer, deveria figurar no "Guiness book", livro dos recordes, editado em Londres e atualizado todos os anos. É uma vergonha para todos nós, brasileiros, que um órgão como o INSS tenha tal comportamento.
Não é novo, inclusive. É antigo. Representados pelo advogado Frank Martini Claro, João Saldanha, Evaristo de Moraes Filho, Guilherme Figueiredo, irmão do presidente João Figueiredo, e o poeta Paulo Mendes Campos morreram sem receber as diferenças a que tinham direito legítimo. As importâncias ficaram para seus herdeiros. Vão receber, mas não sabem quando.
As ações das quais foram titulares estavam ajuizadas há mais de dez anos quando faleceram. Já se passaram outros dez. Não são os únicos. No Brasil, grave defeito do sistema judicial, as sentenças não são líquidas e admitem, ao contrário dos EUA, uma série infindável de recursos. Além disso, separa-se absurdamente o direito do cálculo. As freqüentes contestações aos cálculos duplicam e até triplicam os prazos dos processos. Dentro e fora da Previdência Social.
Vejam os leitores o caso desta TRIBUNA DA IMPRENSA. Dramaticamente atingida pela censura durante os governos militares de Médici e Geisel, explodida no governo Figueiredo, venceu em todas as instâncias e até hoje, mais de vinte anos depois, aguarda a indenização a que tem direito. O direito das pessoas evapora-se com o tempo. Não se cumpre nem a Constituição, tampouco a lei. A lei é até utilizada contra a Constituição. Incrível.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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