Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - A gente é acordado e levanta da cama por conta de um desses irritantes relógios de cabeceira que ignoram nossas variáveis horas de sono, ficam apitando e, sem que tenhamos manifestado nossa opinião, interligam-se com um programa de rádio ou de televisão, daqueles que nesta manhã não nos interessam. Pouco importa a essas máquinas diabólicas se tivemos insônia ou não, durante a noite, e se gostaríamos de ficar mais quinze minutos deitados.
A parafernália da máquina de fazer café emite sinais os mais variados, solta fumaça e, se não estivermos diante dela no momento certo, servirá bebida fria ou pelando. Ao abrir a geladeira para pegar um mamão, é bom não esquecer a porta aberta por mais de um minuto, senão ela começa a imitar a rádio-patrulha, com detestáveis e intermináveis bips.
Na hora de sair, é preciso apertar mil teclas para acionar o alarme, mas não há um dia na semana em que, errando o dedo, não recebamos aviso da empresa de segurança sobre já estarem vindo gorilas para enfrentar ladrão inexistente.
Na garagem, é um horror. Primeiro, a maquininha que abre o portão, sempre em desacordo com nossas intenções, ávida por emperrar a grade e levar-nos à chave manual. No veículo, um vestibular inteiro de cibernética: a tecla que abre a porta, a que liga o motor, a que baixa o vidro e a que liga o ar refrigerado, todas funcionando apenas se estiverem de bom humor. O rádio, Deus nos livre. Jamais acertamos a emissora das notícias, agredidos com mil botões que tocam música caipira e anunciam produtos que, de raiva, jamais compraremos.
No caminho para o trabalho, começa a luta entre mocinhos e bandidos. Onde estarão, hoje, pardaizinhos camuflados que nos obrigam a trafegar a 50 quilômetros por hora, com a opção de multas de R$ 200 a cada poste?
No escritório, as mil chaves para abrir a porta que qualquer meliante terá aberto antes. Há que ligar o computador, mesmo velho, e têm início as estações do calvário. O motor escondido no chão, as teclas de ligação, as de ingresso da internet e, se não tiver havido um desarranjo que apagou a memória e mudou o tipo das letras, seguir-se-á a inglória luta para abrir os e-mails enviados durante a noite.
Anúncios de miraculosos produtos para evitar a ejaculação precoce, para performances sexuais dignas do Casanova e para manter encontros com maravilhosas garotas de programa que, se acionarmos a tecla para apreciar suas fotografias, mostrarão aos remetentes o número de nossas senhas bancárias.
Se precisarmos tirar dinheiro do banco, horror total. No fim, verificaremos não haver saldo, em meio a mil taxas de serviços que pagamos por depositar dinheiro nos bancos, aqueles que tempos atrás pagavam juros pelos depósitos. Intervalo para o almoço, que precisamos deglutir na própria mesa de trabalho. Se pedirmos, via internet, um sanduíche de ovo frito sem bacon, a certeza é de que virá um misto quente com bacon e sem ovo frito.
Nesse meio tempo tocou mil vezes a mais diabólica das máquinas inventadas, o telefone celular. "Quem fala, é o Carlos? Aqui é a Margarida. Você não gostaria de trocar de provedor?" Não adianta dizer que estamos no trânsito ou ocupados com uma gravação, porque a malsinada interlocutora ligará de novo perguntando se chegamos bem ou se gravamos comentário criticando Lula.
O tempo passa, recebemos pelo correio montes de propaganda inócua. Pedidos para ingressarmos na ONG que tenta salvar as barbas do camarão do Mar Vermelho e a memória de Ramsés II. Como descobriram nosso endereço é um mistério, mas fica pior quando entram em nosso computador para indagar se vamos à festa do centenário da descoberta dos besouros que não voam. Se precisarmos sair para uma entrevista, é o fim do mundo. Exigem, no Congresso ou fora dele, identidade, declarações de fidelidade a este ou aquele partido, gravata e provas de que votamos no candidato do nosso interlocutor.
Na volta para casa, notificações do Imposto de Renda para apresentarmos recibos de despesas médicas da década de 80. Além de convites para a inauguração de novos centros comerciais e exposições de artistas desconhecidos. O elevador não funciona, há que subir oito andares. Por conta desse abominável mundo novo, percebemos porque Sócrates, Platão e Aristóteles brilharam tanto na busca do conhecimento e da sabedoria. Tinham muito tempo para pensar...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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